O sotaque britânico não nega as origens de Mike Manley, CEO mundial da Fiat Chrysler Automobiles (FCA) desde julho de 2018. Em inglês límpido e claro, o executivo de 55 anos destaca o desempenho recente do grupo no País e enaltece a “determinação do presidente [Jair Bolsonaro] e seu ministério em implementar as tão necessárias reformas estruturais no Brasil”. Nascido em Edenbridge, Inglaterra, Manley pavimentou a trilha rumo ao sucesso no comando da Jeep. Em 2009, quando assumiu o cargo de CEO da montadora, a empresa emplacava 320 mil veículos por ano. Em 2015, o número havia sido elevado à casa de 1,23 milhão.

A performance fez com que ele se tornasse um dos principais nomes da indústria automotiva, a ponto de torná-lo uma peça-chave para a sucessão do ítalo-canadense Sergio Marchionne (1952-2018) na FCA. Na quarta-feira 22, em discurso para dezenas de jornalistas e funcionários, Manley declarou estar feliz por voltar ao Brasil e anunciou um aporte robusto para a operação no País. Até 2024, a FCA e seus fornecedores pretendem aportar R$ 16 bilhões nas fábricas nacionais. Só no complexo automotivo da Fiat em Betim (MG) serão R$ 8,5 bilhões nesse período. “Esse é o maior investimento da FCA na América Latina”, diz Manley. “A fábrica de Betim tem contribuído para o sucesso da Fiat com a produção de mais de 16 milhões de veículos”. O número se refere ao período desde a fundação, em 1976.

O investimento no complexo industrial tem como objetivo a construção de uma nova fábrica de motores GSE Turbo. A partir de 2020, quando entrará em funcionamento, a operação vai gerar 1,2 mil empregos e terá a capacidade total para produzir 1,3 milhão de motores por ano. O aporte para a implementação da nova unidade é de R$ 500 milhões. “Esse investimento mostra que a Fiat não está contente com o terceiro lugar do mercado e quer voltar a brigar pela liderança”, diz Milad Kalume Neto, gerente de desenvolvimento de negócios da consultoria Jato Dynamics. Os novos propulsores se juntam ao restante da família de motores Firefly, lançada pela empresa em 2016, e terão tecnologia turbo flex em versões 1.0 e 1.3.

Estima-se que eles sejam até 8% mais eficientes e econômicos que os motores convencionais e a aposta da montadora é utilizar a planta como um polo de exportação. Mais de 400 mil unidades produzidas no complexo de Betim terão como destino a Europa até 2022. “Esse investimento era almejado por muitas das 100 fábricas que a FCA têm pelo mundo. Mas nós conseguimos trazê-lo porque tivemos bons resultados nos últimos trimestres e prometemos entregar um bom retorno no futuro”, diz o executivo napolitano Antonio Filosa, presidente da FCA para América Latina.

Acelerando: o CEO mundial da FCA, Mike Manley, posa ao lado da nova linha de motores turbo da empresa (à esq.) que serão produzidos no complexo automotivo de Betim, em Minas Gerais (acima). A fábrica recebeu aporte de R$ 500 milhões (Crédito:Ramon Bitencourt/ O Tempo/Folhapress)

O aporte está alinhado com a proposta do Rota 2030, implementado pelo então presidente Michel Temer em 2018. Uma das prerrogativas do programa, que substituiu o Inovar-Auto, é que as montadoras invistam R$ 5 bilhões em pesquisa e desenvolvimento por temporada, com incentivos tributários que podem chegar a R$ 1,5 bilhão ao ano. Os novos motores turbo da FCA são voltados não só à performance, mas sobretudo à alta eficiência energética, pois incorporam a capacidade de operar com etanol, o que proporciona melhor desempenho com menor consumo. “São tecnologias de ponta e que vão ampliar o futuro dos automóveis no Brasil e na América Latina”, disse Filosa.

O restante do investimento, R$ 7,5 bilhões, está destinada à ampliação da fábrica em Goiana, Pernambuco. É de lá que saem atualmente a picape Toro e os SUVs Renegade e Compass, ambos líderes em suas categorias. Com o aporte, a unidade terá sua capacidade produtiva expandida em 100 mil unidades por ano, o que possibilitará a contratação de nove mil trabalhadores. “Esses investimentos constituem o primeiro passo de algo maior. Vamos trazer 25 novos modelos nos próximos anos para o Brasil”, diz Filosa. Destes, 15 serão veículos da Fiat e 10 serão das marcas Jeep e RAM. Ao menos cinco dos modelos são SUVs e picapes. Uma das novidades é um Toro SUV, previsto para 2022.

Após quedas sucessivas entre 2012 e 2016, o setor automotivo teve em 2018 seu segundo ano consecutivo de avanço. Para 2019, a projeção da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) é que as vendas subam acima de 11%, chegando ao total de 2,8 milhões de veículos vendidos. Hoje, a Fiat detém 13,64% do mercado, atrás de GM e Volkswagen. A Jeep, por sua vez, registrou fatia de 4,83% em abril. Embora o futuro pareça promissor, as montadoras amargam as dores da lenta retomada econômica. Para continuarem operando no Brasil frente ao cenário de flutuação cambial, elas receberam das suas matrizes em 2018 um socorro avaliado em cerca de US$ 15 bilhões. Isso levou a líder do mercado, General Motors, a ameaçar deixar o País caso a operação local não retomasse a lucratividade. Com os incentivos do Rota 2030, a eficiência energética se transformou num atalho para retomar a estrada do crescimento.

Colaborou: Rafael Poci Dea, de Betim (MG)