Enquanto a crise hídrica assombra a tão aguardada retomada da economia para o segundo semestre, a Schneider Electric aponta uma luz no fim do túnel. Como o risco de apagão é uma realidade iminente no País, as empresas tentam se blindar. Na primeira metade deste ano, a estimativa de receita da multinacional francesa na América do Sul, onde o Brasil é o maior mercado, é de 77 milhões de euros, um salto de 13% em relação ao mesmo período do ano passado, com base nos relatórios financeiros da empresa. Globalmente, o grupo celebra a recuperação do ritmo de crescimento depois de um 2020 mais fraco. Neste ano, já ultrapassou os patamares pré-pandemia, com aumento de 6% em vendas e um lucro líquido de 1,6 bilhão de euros, alta de 57% na comparação com 2019. Mas os resultados não vêm de surpresa, em se tratando de um cenário para o qual a companhia, que hoje lida com gestão energética e automação industrial, vem se preparando há pelo menos 15 anos. “Começamos a falar como a busca pela redução do consumo de energia seria o futuro. À época, como nós vendíamos energia, o discurso parecia não bater”, disse Marcos Matias, presidente da operação brasileira. Com o tempo, viu que estava no caminho certo.

A divisão de gestão energética teve faturamento de 57 milhões de euros na primeira metade do ano na América do Sul, aumento de 13% ano a ano, puxado principalmente pela demanda do setor de tecnologia no Brasil. “Vimos um boom de data centers aqui. É um setor em crescimento exponencial, associado ao e-commerce e ao consumo doméstico”. Já a operação de automação industrial na região parece se recuperar mais lentamente, com receita de 19,3 milhões de euros, 4% a mais sobre o faturamento do mesmo período no ano passado.

O primeiro desafio da empresa, após fazer sua própria transformação, foi convencer a indústria do valor da transição energética em um mercado com matriz altamente dependente das hidrelétricas – fonte que abastece 63,2% do consumo de luz no País, segundo a Operadora Nacional do Sistema (ONS). O processo só foi facilitado após a aquisição da Aveva, empresa britânica de software industrial, em 2015. Com as então novas plataformas baseadas em analytics, a Schneider passou a apresentar estimativas de implementação do seu portfólio de soluções ainda na fase de discussão dos projetos. O cálculo preliminar, que pode apontar até 60% de redução dos custos com energia, virou seu argumento mais persuasivo. “A percepção de valores hoje é outra. A tecnologia está buscando entregar valores mais competitivos para a indústria, e a sustentabilidade, mais eficiência”.

Agora, com a previsão da ONS de que o sistema de abastecimento de energia não consiga atender a demanda nacional a partir de outubro, as conversas para a redução de consumo devem se acelerar. Se não pelo risco de diminuição do ritmo nas operações, ao menos pela crescente pressão do mercado estrangeiro, especialmente sobre as exportadoras.

Para atender esses negócios, a companhia aposta em inovação em duas frentes: da área de pesquisa e desenvolvimento, que recebe uma fatia de 5% do faturamento global, montante que somou 1,25 bilhão de euros em 2020; e do contato com o ecossistema de startups de tecnologia e sustentabilidade, cujo aporte pode chegar a um bilhão de euros. O orçamento anual permite à Schneider continuar expandindo a sua oferta, que atualmente inclui softwares de automação, hardwares e pode envolver até serviços de cibersegurança para a indústria. Um dos principais clientes da operação brasileira, o grupo Fleury gerencia nove unidades laboratoriais no mercado livre de energia desde fevereiro de 2017. Nesse período, a empresa reduziu esses gastos em 20%, equivalente a R$ 1,5 milhão.

TRAJETÓRIA Há 2 8 anos na Schneider, Marcos Matias vocaliza suas preocupações com o cenário de sustentabilidade, que, segundo o executivo, é o core do negócio hoje, uma vez que 70% da receita global está voltada para essa entrega de valor. “Existe um forte ativismo nas lideranças executivas para mostrar que o Brasil é sustentável, que queremos proteger a biodiversidade e que somos um dos países com uma das maiores fonte de energia renovável”. Em diálogo com o governo, busca convencer o Ministério do Meio Ambiente da participação na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que acontece em novembro no Reino Unido.

Para levar a discussão para o mercado, o executivo entende que “em casa de ferreiro, o espeto tem que ser de ferro”. Por isso, a empresa está investindo para tornar a fábrica de Blumenau (SC), que abastece toda a América do Sul, em uma das plantas do projeto de indústria 4.0 no grupo. Com a conclusão, em 2023, o País passaria a ter uma smart factory e um centro de distribuição inteligente, inaugurado em 2019 em São Paulo, onde a economia de energia graças à automação chega a 30%. Neste ano, a empresa renovou seu Programa de Impacto Sustentável, aumentando as metas a serem atingidas nos próximos quatro anos, que incluem ampliar as receitas verdes em 80% e reduzir 800 megatoneladas de emissões de CO2 da operação.