A família Agnelli, dona do grupo Fiat, deveria acender todos os dias uma vela para ?são? Luca de Montezemolo, o protetor da Ferrari. Montezemolo é o presidente da montadora que fabrica os carros mais desejados do mundo, controlada pela Fiat. Mais que isso, é o homem que tirou a empresa do vermelho e a transformou numa ilha de excelência dentro de um grupo que vive uma crise profunda. Enquanto os chefões da Fiat tentam arrumar a casa, recuperar vendas e se livrar de uma dívida de US$ 250 milhões (números do último trimestre de 2002), Montezemolo exibe crescimento de 10% no balanço da Ferrari, com vendas de US$ 1,1 bilhão ao ano. A Fiat demitiu 5 mil na Itália? A Ferrari ficou entre as dez melhores empresas do mundo para se trabalhar, em recente pesquisa feita pela revista Fortune. Além disso, Montezemolo ganhou o prêmio de Administrador do Ano na Europa. Tal título se deve a um projeto que o presidente da Ferrari criou há dois anos e que está levando a empresa a resultados inéditos. Batizado de Formula Uomo, o tal projeto, ainda em curso, prevê uma revolução em Maranello, a sede da companhia. A montadora gastou US$ 500 milhões no biênio 2001/2002 para criar uma nova fábrica de motores, um centro de pesquisa e desenvolvimento e um moderno túnel de vento para testes aerodinâmicos. A idéia é aumentar o uso da tecnologia no processo produtivo criando uma afinada combinação com a tradicional montagem artesanal dos carros. É a Ferrari reinventando a Ferrari.

Montezemolo costuma dizer que a tradição da marca deve ser mantida, mas há um momento em que é preciso olhar para frente e usar outros equipamentos e métodos de produção. ?O que eu quero é construir carros que você possa dirigir com facilidade, possa usar. E não carros para colecionadores ou para tirar da garagem no domingo de manhã?, disse o executivo em entrevista à americana Automobile. ?A tecnologia vai corrigir isto?. Traduzindo: ele constatou que apesar de todo o glamour, os carros da marca eram difíceis de dirigir. Exagero? Não. Os donos de Ferrari sabem que se esquecerem o pé no fundo do acelerador por mais de 4 segundos vão estar voando baixo, acima de 180 km/h. Ou que se não trocarem de marcha no tempo exato, ouvirão um vergonhoso barulho no afinado som do motor das Ferrari. Os novos carros que vão sair de Maranello, prometem os engenheiros, serão muito mais fáceis de controlar. Enfim, máquinas para qualquer um guiar ? ou melhor, qualquer um que possa pagar no mínimo US$ 150 mil. A melhor tradução para essa nova filosofia é materializada no veículo mais moderno e seguro que a montadora já criou: a Enzo Ferrari. Chassi feito de carbono, flaps aerodinâmicos nas rodas dianteiras, distribuidor de força nos freios, pedais com 16 possibilidades de regulagem e capacidade de atingir 200 km/h em seis segundos. Foram feitas 349 unidades. Preço: US$ 650 mil. Todas vendidas.

Maserati. A primeira impressão é de que toda essa tecnologia servirá para a Ferrari finalmente se entregar à produção em série. Não é bem assim. ?A marca continuará fazendo 4 mil carros anuais. A idéia é manter a excelência?, afirmou à DINHEIRO um executivo de Maranello que preferiu não se identificar (?política da empresa?, ele alega). Se a idéia não é aumentar a produção então por que todo esse investimento em novas plantas e novos processos? A Ferrari ganha mais no preço do que no volume. Ao agregar valor à marca, torna o carro ainda mais desejado e, por tabela, mais caro. Nos EUA, seu principal mercado, há uma fila de dois anos para a compra das ?máquinas?. Isto só aumenta a cobiça pela marca mantendo uma fidelidade de clientes que poucas montadoras têm. E mesmo que a fila cresça, o consumidor Ferrari, certamente, não se importará em esperar dois anos nem em pagar US$ 20 mil a mais por uma 360 Spider ou por uma 550 Maranello.

No quesito volume de vendas, a turma de Montezemolo deixa a tarefa para a outra marca coligada à Ferrari: a Maserati, comprada em 1998. Esta sim, deverá saltar de uma produção atual de 1,8 mil unidades por ano para 6 mil em 2004. Se as previsões do executivo se confirmarem, será outra grande vitória. A Maserati chegou as mãos da montadora de Maranello com um currículo desastroso: 15 anos seguidos de prejuízo. Montezemolo botou a fábrica da empresa abaixo, sacou US$ 75 milhões, construiu nova planta e reformulou toda a linha de veículos. A aposta mostrou-se acertada. Ainda que as vendas sejam pequenas, o balanço está limpo. ?São? Montezemolo!