O número de micro e pequenas empresas no Brasil atingiu a marca de 12 milhões em 2019, sendo 9 milhões delas de microempreendedores individuais. Hoje, a maioria está impedida de trabalhar, em virtude da pandemia do coronavírus. Sem rendimentos, muitos desses profissionais enfrentam situação financeira delicada e mobilizam a atenção de pessoas dispostas a ajudar. O apoio começou naturalmente com o consumo em estabelecimentos próximos de casa, devido à restrição de circulação e, agora, ganha força com campanhas de incentivo ao comércio local em plataformas digitais e a cessão de espaços para vendas de produtos em site de redes varejistas. O fermento tão necessário para o bolo da economia voltar a crescer. “Precisamos de todo mundo para cuidar de todo mundo”, afirma o economista Christiano Ranoya, idealizador do projeto Apoie o Local, que visa incentivar o consumo no próprio bairro.

PÓS PANDEMIA Serviços interrompidos, como cabeleireiro e manicure, podem ser agendados para o futuro, com descontos para o cliente.

Especialista em mercado de consumo, Ranoya ficou sensibilizado com a situação de uma costureira de um pequeno estabelecimento em frente à casa dele, no bairro do Panamby, na capital paulista. Durante visita ao local, ele constatou a frustração da comerciante por ter de fechar as portas e pela incerteza quanto ao futuro. Preocupado com a sobrevivência de outras pessoas na mesma situação, o ex-empreendedor reuniu nove profissionais de diversas áreas, que, ao doar sua expertise, ajudaram a desenvolver o site que faz a ligação entre os prestadores de serviços e os clientes. Em apenas quatro dias, 800 profissionais se cadastraram gratuitamente. O consumidor busca o especialista por meio do site www.apoieolocal.com.br. O sistema pede o CEP, faz a procura no bairro apontado e indica, por ordem, os que ficam mais próximos.

Basta fazer o contato no telefone indicado, via WhatsApp, e fechar as condições. Serviços que precisam ser realizados rapidamente devem ser pagos diretamente aos contratados. A plataforma também abre espaço para promoções de serviços que não podem ser utilizados devido à quarentena, como o de cabeleireiro e manicure. “O profissional pode colocar: ‘Olha, se você pagar agora te dou 80% de desconto no cabelo que vou te fazer em junho’”, explica Ranoya. Neste caso, a transação financeira será feita pelo WhatsApp. Após acordo com o cliente, o profissional enviará um link de pagamento, que deverá ser efetuado com cartão de crédito. Confirmada a operação, o consumidor receberá o voucher no seu WhatAapp.

PERTO DE CASA: Eletricistas e encanadores são alguns dos beneficiados por projetos que incentivam a contratação de profissionais da vizinhança. (Crédito:Divulgação)

O empreendedor Victor Oliveira se inscreveu no site. Formado em Publicidade e Propaganda, ele se tornou confeiteiro após perder o emprego na área de marketing de uma rede de restaurantes, em 2016. Passou a comercializar bolos no pote. Fez as etiquetas, criou o logotipo e a marca Moço, Quero Bolo. Comercializava cerca de 400 unidades por mês, em média, antes da quarentena – são 12 sabores com preços de R$ 9 e R$ 10. Agora, espera atrair os moradores do Jardim Sonia Ingá, região do Capão Redondo, em São Paulo. “Vendi 5 mil potes no ano passado”, diz ele, que planeja diversificar o portfólio com bolo gelado e brownie. “O momento é de todo mundo se reinventar e se adaptar”, destaca.

Conectar produtores e empreendedores locais aos consumidores da vizinhança também é o objetivo da plataforma gratuita Tesouros do Bairro, tecnologia social criada em 2018 pelo LelloLab (laboratório de pesquisas e inovação da administradora condominial Lello). Com o início da quarentena, em março, a gestora de projetos do site, Camila Conti, viu aumentar de 50 para 600 o número de profissionais cadastrados divulgando serviços. “No Tesouros do Bairro, o Brasil conseguiu colocar em prática o que se fala há dois anos: que não vivemos sozinhos”. diz. “Há inúmeras oportunidades de negócios na cara de todo mundo.”

JUNTOS No site Tesouros do Bairro, de Camila Conti (à esq.), os artistas Caeto Melo, Claudio Nascimento e Eliara Martins mostram seus trabalhos. (Crédito:Claudio Gatti)

O autor de histórias em quadrinhos Caeto Melo é um dos recém-inscritos na plataforma. Residente no Jardim Rizzo, no Butantã, em São Paulo, viu no projeto a possibilidade de diversificar os ensinamentos na área, sem nunca esquecer da tradicional divulgação porta a porta. “O projeto ajuda a descobrir quem está no bairro. Você fica sabendo que não precisa sair da sua região para ter aula de desenho, comer yakisoba, além de outros serviços”, afirma ele, que dá cursos extracurriculares na Escola da Vila e na Escola Bakhita e tem dez livros publicados como ilustrador e dois romances autobiográficos. O locutor Claudio Nascimento e a artesã Eliara Martins também divulgam seus trabalhos no site.

MOBILIZAÇÃO A rede varejista Magazine Luiza, que no ano passado teve lucro líquido de R$ 922 milhões, encontrou uma maneira de dar sua contribuição aos empreendedores durante a pandemia, ao criar o Parceiro Magalu. A plataforma digital permite aos pequenos empresários e comerciantes vender seus estoques de produtos no site, no aplicativo e futuramente nas lojas físicas. Os inscritos têm acesso a mais de 20 milhões de clientes da companhia pelo País. Os trabalhadores informais e autônomos poderão vender produtos da empresa por meio das redes sociais individuais. Pequenos empresários e comerciantes vendem seus produtos (serviços não fazem parte do projeto) na plataforma. Autônomos e informais podem montar lojas virtuais para vender os produtos do Magazine Luiza. Recebem comissão de acordo com os critérios estabelecidos pela companhia. A cada transação realizada, a empresa paga comissão. “Existe uma crise na saúde, e saúde é vida. A situação vai gerar uma crise econômica, mas a morte a gente não recompõe. A economia, sim”, diz Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza.

” Existe uma crise na saúde, que vai gerar uma crise econômica. A Morte a gente não recompõe. A economia, sim” luiza Trajano, da magazine luiza. (Crédito:Nilton Fukuda)

Não deixar morrer os pequenos negócios também é a missão do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp). Em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de São Paulo, as entidades criaram a plataforma digital Pertinho de Casa (www.pertinhodecasa.com.br), que faz a conexão entre clientes, comércios de bairro e produtores rurais. Basta ao consumidor colocar seu endereço ou CEP no site, selecionar a categoria de estabelecimento que procura e escolher de qual irá comprar em uma lista de pequenos comerciantes. “A pessoa não precisa sair de casa e também ajuda os produtores e os comércios que enfrentam grandes dificuldades”, afirma o presidente do Sebrae-SP e vice-presidente da Faesp, Tirso Meirelles. Apenas no estado de São Paulo ele lembra que 99% das empresas consistem em pequenos negócios, que empregam 5 milhões de trabalhadores formais, além de responder por 27% (quase R$ 650 bilhões) do Produto Interno Bruto (PIB) do estado, que, em 2019,
atingiu R$ 2,38 trilhões.