Setor estima perdas em R$ 200 bilhões e propõe eventos híbridos, com parte presencial e parte virtual, como caminho para reconquistar confiança do público durante o reinício das atividades.

Convenhamos: é difícil imaginar um evento de grande porte sem aglomeração. Mas é justamente essa questão – e o risco de contaminação da Covid-19 – que fez os eventos serem cancelados logo no início da quarentena. O fato é que o setor no Brasil foi atingido em cheio, e ainda segue em ritmo de espera após mais de quatro meses de isolamento social. No período, o segmento diz que as perdas somam R$ 200 bilhões e a perspectiva é de que esse rombo siga aumentando. No ano passado, os 590 mil eventos – feiras, congressos, exposições, convenções – movimentaram R$ 936 bilhões, o equivalente a 13% do Produto Interno Bruto (PIB). O presidente-executivo da Associação de Marketing Promocional (Ampro), Alexis Pagliarini, despeja críticas. Elas vão da falta de apoio do governo federal até o adiamento do adiar o Carnaval de 2021, que ele considera um erro da Prefeitura de São Paulo. O dirigente também acredita que feiras e exposições já poderiam ter sido liberadas, a exemplo de shoppings. “As autoridades têm entendimento equivocado de nossas atividades. Falta mais interlocução com o poder público.”

DINHEIRO – Qual foi o impacto da quarentena para o mercado de eventos no Brasil?
ALEXIS PAGLIARINI – Foi desastroso para o setor. A estimativa é de que o segmento de eventos tenha perdido por volta de R$ 50 bilhões ao mês. Desde o início da quarentena, são mais de R$ 200 bilhões em perdas, e esse número deve aumentar. Quando se fala em eventos, há centenas de fornecedores envolvidos, como os de alimentação, decoração, audiovisual, promoção e outros que orbitam nessas atividades, como a hotelaria, que recebe muitos eventos de empresas, e o transporte aéreo. Teve empresa que perdeu 100% do faturamento. Mas o setor foi tentando se adequar rapidamente ao momento em que estamos vivendo, da forma que é possível.

O setor não encontrou uma saída, a exemplo de tantos que se reinventaram?
Alguns eventos virtuais começaram a surgir. Só que o volume de movimentação financeira em comparação a um evento presencial é infinitamente menor. Os valores pagos são muito abaixo do necessário para manter a estrutura.

E qual será o reflexo disso?
Fizemos pesquisa com empresas e mais de 50% delas disseram que iriam demitir. O segmento é muito empregador, envolve 25 milhões de empregos diretos e indiretos nos 590 mil eventos anuais e pelo menos 5 milhões já foram perdidos nesse período de pandemia.

Em março, várias associações do segmento de eventos enviaram carta ao governo federal pedindo apoio para as empresas. Foram atendidos?
Parcialmente. O que a gente não se sentiu atendido foi em relação a apoio financeiro para que as empresas sobrevivam. É preciso diminuir as exigências, principalmente para quem não está faturando. Poderia ser adotado uma carência de pelo menos um ano para o início do pagamento de financiamentos.

Qual a sua avaliação sobre a decisão da Prefeitura de São Paulo de adiar o Carnaval de 2021, que seria em fevereiro, para maio ou junho?
Eu questiono essa decisão. Só o Carnaval de rua de São Paulo movimenta R$ 2,75 bilhões. A movimentação econômica nesse período é muito grande. A decisão foi tomada de forma precipitada. É precoce determinar, em julho, o adiamento do Carnaval, um evento que estava previsto para acontecer sete meses depois. Se você chegar para o universo das escolas de samba e perguntar qual o mínimo de tempo necessário para literalmente colocar o bloco na rua, em condições normais, provavelmente a resposta será de um ano, oito meses. Mas em uma situação de crise, imagino que ele vá responder que consegue fazer em três meses. Então, poderia ter deixado para tomar uma decisão dessa em outubro. A gente está acompanhando toda evolução de conhecimento em torno da pandemia, que avança a cada dia. Pode ser que daqui a um ou dois meses a gente comece a ter um pouco mais de controle da situação.

“É incompreensível que as feiras só estejam programadas para retornar em outubro. Poderíamos realizar até com mais segurança que os shoppings” (Crédito:Divulgação)

Outras cidades devem seguir esse caminho e optar pelo adiamento do Canaval?
Pode ser possível que daqui a pouco tempo a gente tenha mais avanço em relação a medidas preventivas que permitam a realização de eventos com essas características. Entendo perfeitamente o cancelamento de atividades que seriam agora ou daqui um ou dois meses. Não há o que questionar. Mas para fevereiro era possível esperar.

Não é arriscado apostar em um evento que envolve milhões de pessoas e onde é difícil manter isolamento social?
Seguramente, se o Carnaval fosse em dois meses, estaria certo cancelar. O que estou questionando é cancelar algo com tamanha antecedência, em um momento em que se fala até em aceleração de vacina. Não é impossível que se consiga vacinar todo mundo até janeiro.

Mesmo que isso ocorra, daria tempo de garantir a realização do Carnaval na data em que estava previsto?
Não sou técnico nessa área e não poderia afirmar que daria para garantir. Mas o meu ponto de vista agora é de que deveriam ter esperado um pouco mais para tomar a decisão e chamar todos os organizadores de blocos de rua e das escolas para definir essa questão. Mas não agora.

Há quem diga que os casos no Brasil começaram a se espalhar após o Carnaval deste ano.
É especulação. Não há como ter comprovação. Há quem diga que o marco zero da Covid-19 no Brasil tenha sido uma festa realizada em março na Bahia (o casamento da irmã da influenciadora digital Gabriela Pugliesi). Masé claro que, por conta da aglomeração provocada pelo Carnaval, é possível que tenham surgido casos, principalmente de pessoas com maior poder aquisitivo que fizeram viagens ao exterior. Não dá para pensar nisso no meio da pandemia, mas há perspectivas antes de pensar em cancelamento. Dava para esperar um pouco mais antes de tomar uma decisão tão traumática como essa para a economia.

Traumática em que grau? O que significa para o setor de eventos adiar o Carnaval?
Muitas atividades vão se acumular em um curto período. Muita gente vai tentar compensar essa eliminação de meses para os eventos. Será que vamos ter espaço para isso? Quando houver a retomada definitiva, o que vamos assistir é a uma corrida por espaços e datas. Por exemplo, os espaços para feiras e exposições já estão reservados, com datas definidas para o ano que vem. E aí não haverá data para os que foram cancelados. Não vai dar para encaixar tudo. Vai afetar toda a cadeia, todos aqueles envolvidos no segmento.

Também foi um erro cancelar o Réveillon na Paulista, que reúne mais de 1 milhão de pessoas?
Nesse caso, já acho mais aceitável, porque são pelo menos seis meses para toda a organização. Justifica-se a prevenção em cancelar eventos de grande aglomeração até dezembro. E a etapa da Fórmula 1, que seria em Interlagos e foi tirada do calendário pelos organizadores? É uma decisão muito mais econômica, por conta das despesas de deslocamento, já que as provas estão concentradas na Europa. Mas a corrida no Brasil seria realizada sem público, como vem sendo feito no futebol, e com toda a segurança. Não tenho nenhuma dúvida de que a Fórmula 1 poderia vir para Interlagos em 2020.

Como o segmento se posiciona em relação a regras mais rígidas para previnir o contágio do novo coronavírus?
A Ampro apoia o rigor dos protocolos e é a favor de um controle rigoroso da pandemia. Ninguém quer realizar agora eventos com aglomeração. Mas dá para flexibilizar. Os shopping centers receberam autorização para funcionar.

E por qual razão isso também não passou a valer para feiras e exposições?
As duas atividades são muito semelhantes. O público que participa de feiras é cadastrado e o evento acontece em locais construídos para isso. É possível definir fluxo de público para evitar contato. É incompreensível que só estejam programadas para retornar em outubro, após quatro semanas na fase verde.

Na sua avaliação, feiras e exposições já poderiam estar sendo realizadas?
Sem dúvida nenhuma. Poderíamos estar realizando até com mais segurança do que a abertura dos shoppings. É possível planejar espaços maiores nas feiras, com corredores mais largos, além de ter controle maior de quem entra, pelo credenciamento.

“O que estou questionando é cancelar o Carnaval de São Paulo com tamanha antecedência. Deveriam ter esperado um pouco mais para definir a questão” (Crédito:Ricardo Matsukawa)

O que está faltando, então, para que possa haver a liberação?
Está faltando mais articulação das autoridades. A falta de coordenação está atrasando a recuperação econômica. Temos realizado conversas com representantes de secretarias de Turismo, de governos, mas existe um rigor grande, um entendimento equivocado desse tipo de atividade. Falta mais abertura para conversar com a sociedade para que a gente demonstre a segurança na realização dos eventos.

No fim de julho, o governo de São Paulo liberou a realização de eventos com plateia sentada. Dá para realizar essas atividades hoje com segurança?
Dá para fazer sim. A Ampro realizou evento recente que foi híbrido, com palestrantes e poucos convidados reunidos fisicamente, e boa parte de forma on-line. Com todas as medidas, dá para fazer com segurança. Nesses eventos agora não podem ser realizados coffee breaks, intervalos, com interação entre as pessoas. Sou favorável.

Essa modalidade envolvendo parte presencialmente e parte virtual deve ser o caminho de muitos eventos daqui para frente?
Não tenho dúvida disso. Um dos aprendizados que a pandemia trouxe é que, com os eventos virtuais, e com as ferramentas técnicas, é possível seguir trabalhando. As empresas não vão substituir os eventos presenciais, porque não é possível substituir toda a experiência vivida pessoalmente. Quando você vai a um evento presencial, você mergulha na atividade. Por outro lado, é possível ampliar o público e captar uma enorme audiência. Muitas empresas estão loucas para voltar a realizar eventos, ainda que menores.

Como reconquistar a confiança de quem ainda tem receio de possível contaminação e evitar locais com concentração de pessoas?
Precisamos contextualizar sempre. Hoje pode haver dificuldade em convencer as pessoas a irem a uma feira ou exposição. É preciso demonstrar claramente que todos os protocolos e todas as medidas de segurança estão sendo tomadas. Vamos aprendendo que, seguindo todos os rituais, é possível ir voltando para as atividades.