Poucos entenderam e ninguém gostou quando, no fim de 2018, o ex-presidente americano Donald Trump indicou o advogado Jerome Powell para a presidência do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos. Nascido em Washington, com uma experiência ampla tanto no setor público quanto na iniciativa privada, Powell era conhecido apenas na capital americana e nos departamentos jurídicos dos bancos de investimento. Havia sido indicado por Barack Obama para o board ­— conselho de 18 membros, dos quais 12 têm direito a voto — do Fed, mas seu perfil discreto não o tornou mais conhecido.

Para piorar, Powell iria suceder três presidentes brilhantes. Por quase 19 anos Alan Greenspan comandara o Fed com maestria. Foi sucedido em 2006 por Ben Bernanke — este mais questionado por alguns — que enfrentou a crise do subprime em 2009, tomando as medidas para impedir a destruição dos mercados financeiros globais. Em seguida veio Janet Yellen, primeira mulher a comandar a instituição, e que conseguiu a proeza de reconduzir as coisas à normalidade no pós-subprime sem grandes traumas. Sua recondução ao cargo era uma unanimidade. Porém, sua proximidade com o partido democrata tornou-a inaceitável para Trump. Ao indicar o discreto advogado, republicano de carteirinha, o tresloucado ocupante da Casa Branca acreditou poder influenciar a taxa de juros — convicção que foi compartilhada por boa parte do mercado.

Porém, Powell surpreendeu desde o começo. Continuou a trajetória de aperto monetário iniciada por Yellen, elevando os juros para níveis quase anteriores aos do subprime (observe o gráfico). Trump começou não gostando, em seguida detestou, e depois perdeu a escassa compostura. Em declarações cada vez mais duras, acusou o presidente do Fed de ser antiamericano e de ser “pior do que Xi Jinping em sua intenção de destruir a América”, comparando-o com o líder chinês.

DISCURSO FÁCIL Powell não se abalou e, desfrutando da independência do cargo, continuou elevando os juros. Quando começou a pandemia, ele fez algumas coisas impensáveis para o Fed. A primeira foi admitir pela primeira vez que a instituição funcionaria como banco comercial, comprando títulos de empresas privadas. A segunda foi injetar dinheiro no sistema financeiro sem se preocupar com a inflação. Na ponta do lápis, os ativos do Fed dobraram de US$ 4 trilhões para US$ 8 trilhões em pouco mais de seis meses. E, finalmente, durante as tradicionais entrevistas concedidas pelo presidente do Fed após as reuniões do Federal Open Market Committee (Fomc), quando o presidente do banco central concede uma entrevista coletiva, Powell surpreendeu por tentar falar uma língua compreensível para o americano médio, algo que perdurou durante toda a pandemia.

Em seu segundo mandato, que deve começar apenas no ano que vem, Powell terá um trabalho parecido com o de Janet Yellen. Ele terá de reconduzir a política monetária à normalidade após os excessos da pandemia. Parte desse processo já começou, com o fim das compras mensais de US$ 120 bilhões em títulos públicos e hipotecários. A redução começa agora em novembro e vai prosseguir até a extinção do programa, em junho do ano que vem. A próxima medida será uma alta de juros, que é esperada para 2023, mas também pode começar já no ano que vem. Não por acaso, a remuneração dos títulos de dez anos do Tesouro americano voltou para 1,65% ao ano, nível anterior à pandemia.

Subir os juros não será uma tarefa fácil. Há muito dinheiro em circulação e o governo americano está pesadamente endividado. Nesse cenário, qualquer alta de juros vai pressionar ainda mais o déficit fiscal. Para complicar, a inflação é uma incógnita. O Consumer Price Index (CPI) de outubro indicou inflação acumulada em 12 meses de 6,2%, a mais elevada desde novembro de 1990. Só isso deveria levar o Fed a apertar a política monetária. No entanto, o índice que o Fed acompanha, o Personal Consumption Expenditure (PCE), cuja base de comparação é mais ampla que a do CPI, registra inflação menos intensa. A variação de outubro, divulgada na quarta-feira (24), foi de 0,6%, acima dos 0,4% de setembro, mas levemente abaixo das expectativas, que eram de 0,7%. O core index, que exclui os preços mais voláteis de combustíveis e de alimentos, subiu 0,4%. No acumulado de 12 meses o PCE amplo registrou uma inflação de 5,0% e o core index subiu 4,1%. Ou seja, há argumentos igualmente fortes, favoráveis e contrários, à elevação dos juros. Nada que indique um segundo mandato tranquilo para Powell.