Todos os anos, durante o verão, a divisão de Kansas do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, realiza um seminário na remota estação de esqui de Jackson Hole, no estado americano do Wyoming. O evento ganhou notoriedade nos anos 1990, quando Alan Greenspan, então presidente do Fed, aproveitava o local tranquilo e a agenda fraca do alto verão americano para passar recados importantes para os demais participantes do sistema financeiro. Atualmente, Jackson Hole é um evento imperdível no universo das finanças, pois é nele que os diretores do banco central americano discutem um pouco mais detalhadamente o que estão pensando.

Ao apresentar seus comentários de maneira virtual na sexta-feira (27), o presidente do Fed, Jerome Powell, disse o que todos os investidores queriam ouvir. Ainda neste ano, o Fed vai reduzir a injeção de US$ 120 bilhões por mês na economia americana por meio da compra de títulos públicos e imobiliários. “A economia [americana] chegou a um ponto em que não precisa mais de tantas políticas de estímulo”, disse Powell. Ele não disse quando, mas declarações de outros diretores do Fed permitem prever que algo pode ocorrer já na próxima reunião do Federal Open Market Committee (Fomc), o Copom americano, em 21 e 22 de setembro.

Mesmo não sendo necessariamente positiva, essa notícia era mais ou menos esperada. Sua confirmação retirou um componente de incerteza. Porém, o que agradou mesmo foi quando Powell disse que isso “não deve ser entendido como um sinal de alta dos juros”. Antes de elevar os Fed Funds, a Selic americana, atualmente perto de zero, o Fed vai fazer muitas contas. E, mesmo na linguagem cautelosa dos banqueiros centrais, Powell foi bastante claro. “Ainda temos um longo caminho a percorrer para chegar ao máximo do emprego”, disse.

Jerome Powell. (Crédito:WIN MCNAMEE/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/Getty Images via AFP)

O posicionamento de Powell acabou com meses de incerteza. Cabe aqui uma explicação. Apesar de o nosso Comitê de Política Monetária (Copom) ter sido inspirado no Fomc, a atuação, a formação e o escopo de ambos são muito diferentes. O Copom é formado por funcionários de carreira e diretores do Banco Central do Brasil (BC). Todos os diretores votam, e as votações tendem a ser unânimes. O Fomc é formado por 18 participantes, pertencentes aos 12 braços regionais do Fed que compõem o Sistema da Reserva Federal. Nem todos os participantes têm direito a voto, embora possam participar das discussões. Isso abre um espaço maior para dissidência e discordância.

Nos últimos meses, o Fomc esteve claramente dividido. Cerca de um terço dos participantes vinha defendendo uma política monetária frouxa. São os “pombos”, ou “doves”, em inglês. Outro terço vinha propondo um endurecimento da política monetária no curto prazo, para conter a inflação. São os “falcões”, ou “hawks”. E o terço restante, que inclui o próprio Powell, não manifestava claramente uma opinião. Com as declarações da sexta-feira, ficou claro que o Fed considera que o estímulo por meio da injeção de recursos na economia é algo diferente dos incentivos por meio da manutenção dos juros baixos.

INFLAÇÃO Há boas razões para fazer essa distinção. O excesso de dinheiro na economia provoca inflação. A meta do Fed é de 2% ao ano, e os índices estão rodando muito acima disso. Nos 12 meses até julho, o Consumer Price Index (CPI), que corrige as aposentadorias e muitos contratos, está em 5,4%. É o maior percentual desde agosto de 2008. No entanto, o Fed usa outro índice de preços para conferir se está fazendo seu trabalho direito. É o Personal Consumption Expenditures (PCE), que subiu 4,2% nos 12 meses até julho. O “núcleo” do PCE, que exclui as variações de preços mais voláteis, como alimentos e energia, subiu 3,6%, bem menos que o CPI.

5,4% foi o desemprego de julho, um ponto percentual acima da média anterior à covid

3,6% foi a variação da inflação em 12 meses até julho, ante uma meta de 2%

US$ 120 bilhões são as compras mensais de títulos públicos e hipotecários pelo fed 

Isso permite que o Fed mantenha os juros baixos para cumprir a segunda parte de seu mandato. Diferentemente do BC, que tem apenas de cumprir a meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o Fed tem duas tarefas. Ele não apenas tem de cumprir a meta de inflação, como tem de fazê-lo mantendo a menor taxa de desemprego possível. Ou seja, as declarações de Powell defendendo um pouco mais de paciência com a inflação soam menos irresponsáveis do que poderiam parecer à primeira vista. Em julho, dado mais recente, o desemprego americano estava em 5,4%. É o menor nível desde o início da pandemia, quando os índices chegaram a um máximo de 14,8%, mas ainda assim está um ponto percentual acima dos 4,4% registrados em média nos cinco anos anteriores à pandemia. E qualquer ressurgência das contaminações pelo coronavírus pode provocar uma nova alta desse percentual.

Um Fed mais “paciente” com a inflação significa juros baixos por mais tempo. E a retirada da incerteza de quando começaria a redução das compras de títulos também permite prever que o ambiente benigno nos mercados internacionais deve perdurar por um pouco mais de tempo. Nesse contexto de maior ânimo nos mercados, o reflexo deve ser positivo por aqui. As quedas recentes na Bolsa brasileira abriram um verdadeiro saldão, ainda mais em empresas de setores que tendem a se beneficiar não apenas do contexto internacional.

Na avaliação dos economistas do banco Itaú Unibanco, o crescimento dos Estados Unidos continuará forte e a redução das compras de ativos (tapering) pelo Fed deve avançar como esperado. Mas o aumento da inflação também vai continua sendo o principal risco, podendo elevar a curva dos juros americanos. Com isso, a América Latina, na avaliação do banco, deve ficar atenta também à política monetária.