A aprovação no Congresso de pautas com apelo entre os eleitores do futuro presidente Jair Bolsonaro, como as questões de segurança pública, pode ajudar a “legitimar” e a angariar apoio para a impopular reforma da Previdência, avalia o consultor do Senado Pedro Nery. Ele foi um dos principais defensores, fora do governo, da reforma de Michel Temer e integrou, recentemente, o grupo que formulou uma proposta de reforma sob coordenação do ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e de Paulo Tafner. Para Nery, o fatiamento da proposta pode contribuir para dissipar a pressão de diferentes categorias contra a aprovação.

Qual é o cenário para a reforma da Previdência, uma vez que o governo está titubeante em relação à proposta?

De fato há um histórico do presidente eleito e de parte de seus auxiliares de terem sido contra a reforma, mas acho também que estamos chegando num momento em que não tem mais como empurrar com a barriga. A presença do ministro Paulo Guedes, que coloca a reforma como prioridade, é sinal de que ela pode ser bem encaminhada. Da eleição para cá, a incerteza em relação ao tema se dissipou um pouco.

Ainda não se sabe, por exemplo, se será uma proposta de emenda à Constituição (PEC), que exige aprovação por três quintos da Câmara e do Senado. Qual seria o melhor caminho?

Essa é uma avaliação da ala política, porque existem várias opções. Uma opção é desde já aproveitar a proposta do presidente Michel Temer e deixar para o futuro outras alterações que não constem nela. Na verdade, a proposta é hoje menos uma proposta de Temer e mais uma proposta da Câmara, até porque passou por diversas modificações conforme o relatório do deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA). E existe a possibilidade de sair do zero e propor uma reforma mais ampla. No fim das contas, é uma avaliação política que o governo vai fazer.

O sr. acha que a resistência política, inclusive do futuro ministro Onyx Lorenzoni (que foi contrário à reforma na comissão especial), já se dissipou?

Não sei. Acho que o convencimento existe especialmente por parte do ministro da Economia, mas o ministro Onyx se cercou de auxiliares que, embora tenham sido contrários à proposta de Temer, defendem alguma reforma da Previdência. Então acho que, de fato, essa é uma questão essencial, porque antes da discussão no Legislativo existe um debate político que vai se dar dentro do próprio Executivo, dentro dessa oposição histórica que a gente tem no Brasil entre Fazenda e Casa Civil.

Onyx já disse que o governo tem quatro anos para fazer reforma.

Acho que parte do mercado tem preferido ficar com a máxima de Guedes, de que Onyx é um político falando de economia. A leitura que tem prevalecido é a de que ele eventualmente vai se alinhar a Guedes. Mas de fato é preocupante: não temos quatro anos para esperar a reforma. Daqui quatro anos, se nada for feito, a dívida do governo em relação ao PIB vai a 100%. Vamos ter colapso do Estado, das políticas públicas, os Estados vão quebrar, a economia não vai crescer porque vai ter uma dificuldade de confiança e de retorno do investimento muito grande.

Quando Temer enviou a proposta há dois anos, a reforma já era tida como urgente. Qual é o diagnóstico hoje?

Embora a proposta não tenha sido aprovada, houve um ganho importante, o governo conseguiu colocar o tema no centro do debate e ganhar apoio. É claro que o ideal é que ela já tivesse sido aprovada, mas não foi. É uma questão realmente importante, porque ainda existe dificuldade de explicar para o cidadão comum e atores importantes da opinião pública que a recuperação da economia depende da reforma da Previdência.

O fatiamento da reforma pode delimitar os focos de pressão?

Isso consta da proposta do Arminio Fraga e do Paulo Tafner, que seria composta por cinco proposições. Uma PEC desconstitucionalizando os parâmetros e outros cinco projetos de lei complementar. Um relativo ao INSS, de servidores, Forças Armadas e mais um para policiais e bombeiros militares. Cinco proposições, potencialmente com cinco relatores. Mas dependeria da evolução do cenário político. Por um lado, tem a vantagem de exigir quórum menor (para aprovar uma PEC são necessários três quintos da Câmara e do Senado; para um projeto, basta maioria simples) e ter uma tramitação mais rápida. Outra vantagem é minimizar em cada votação a resistência de grupos de interesse, porque dissipa uma coalizão que em determinado momento poderia juntar policiais, servidores. No melhor estilo ‘dividir para conquistar’. Por outro lado, o fatiamento exige uma quantidade maior de votações.

Outros assuntos estão sendo colocados pelo governo para serem debatidos no Congresso. Isso não pode tumultuar o meio de campo?

Talvez, mas existe também a visão de que, se o governo conseguir pautar outros assuntos que são caros à sua base eleitoral, ele pode também conseguir mais apoio às propostas impopulares. Então, essas questões de segurança pública, talvez redução da maioridade penal, desarmamento, que são caras a quem votou no novo governo, embora consumam tempo e energia da pauta do governo nesse início, poderiam de certa forma legitimar também o ajuste que é mais difícil, incompreendido e impopular. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.