Ainda estamos tentando compreender a dimensão dos desafios que envolvem o ESG para as empresas, para os governos e para os cidadãos. E, mesmo com mais incertezas do que clareza sobre o que pode ser feito nesse contexto para salvar o planeta, já começam a aparecer os primeiros questionamentos sobre a própria sigla, inclusive em relação à escolha de prioridades que ela implica. Um exemplo de “proposta alternativa” vem de Hugo Bethlem, chairman do Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB). Para ele, que tem no currículo especializações em empreendedorismo social pela Universidade Stanford e liderança organizacional em Oxford, o termo deveria ser GSE, com Governança em primeiro lugar. Isso garantiria “a veracidade, a transparência e a sustentabilidade de todas as ações no Social e, consequentemente, no Ecossistema Ambiental”, afirmou Bethlem. O tema debatido nesta quarta-feira (9) em um evento criado pelo ICCB em parceria com o inovabra habitat, o ambiente de coinovação do Bradesco. “A ampliação da consciência é o primeiro passo para a construção de uma cultura mais inclusiva e de boas práticas, por isso entendemos que a governança é o ponto de partida dessa mudança”, disse Bethlem.

Embora a sugestão de mudança pareça precoce para uma agenda que ainda engatinha na maior parte das companhias, a visão de reforçar o pilar da governança como forma de garantir maior robustez à estrutura como um todo tem um aspecto interessante. A ordem dos fatores, nesse caso, pode alterar o produto. Sem governança, os aspectos social e ambiental tendem a carecer de propósito, de resultados e até de métricas que permitam avaliar seu impacto real na sociedade e na natureza.

Autor dos best-sellers Justiça: O que É Fazer a Coisa Certa e A Tirania do Mérito, o filósofo, ensaísta e professor da Universidade Harvard Michael Sandel participou de um debate no Fórum Econômico Mundial deste ano sobre o tema “renovação das bases morais para um mundo pós-Covid”. Em sua fala, Sandel afirmou: “É tolice criar uma economia que faça do diploma universitário uma condição para um trabalho digno e uma vida satisfatória”. Segundo ele, a solução para combater a desigualdade não está em “armar as pessoas para o combate meritocrático” e sim em tornar melhor a vida das pessoas que fazem contribuições essenciais para a nossa sociedade.

Durante a pandemia, nos tornamos dependentes de trabalhadores cuja importância muitas vezes negligenciamos. É o caso de entregadores, balconistas, caminhoneiros, auxiliares de enfermagem (sem eles, quem aplicaria vacinas?) e coveiros, que têm trabalhado no limite da exaustão, em condições muitas vezes precárias e quase sempre sem o reconhecimento da dignidade de seu trabalho. Concentrar os esforços das empresas no âmbito Social (a letra que está no centro do ESG) talvez nunca tenha sido tão necessário, ainda que isso não implique em reduzir a urgência de cuidar do meio ambiente.

No Brasil governado pelo negacionismo com apoio de milicianos, o descaso em relação à sustentabilidade deixou de ser apenas mais uma marca da ignorância para assumir o status de crime. Temos desmatamento recorde, o maior número de conflitos agrários em uma década e a intensificação de invasões de reservas indígenas por garimpeiros. Já seria inaceitável se tudo isso ocorresse apenas por leniência ou incapacidade de fiscalização. É bem pior. Já investigado pela Polícia Federal em um esquema de exportação ilegal de pelo menos sete contêineres de madeira, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, virou alvo da Procuradoria Geral da República (PGR). Na segunda-feira (31) o órgão enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido de abertura de inquérito no qual Salles é suspeito de praticar crimes de advocacia administrativa, dificultar fiscalização ambiental e “impedir ou embaraçar a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”.

Diante da gravidade de atos como o possível envolvimento de um ministro do Meio Ambiente em crimes que impactam no futuro do planeta faria diferença mudar a ordem das letras de uma sigla? Pouco provável. O mais importante é ter em mente que a sustentabilidade se apoia em um tripé. Se qualquer dos pilares estiver comprometido, tudo desmorona.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO