A família de Henrietta Lacks, uma afro-americana cujas células, extraídas sem seu conhecimento, revolucionaram a medicina, anunciou nesta quinta-feira (29) a intenção de apresentar uma denúncia contra grupos farmacêuticos que tiraram proveito das amostras.

“Têm usado suas células há 70 anos e a família Lacks não recebeu nada em troca deste roubo”, disse sua neta, Kimberly Lacks, em coletiva de imprensa.

“Foi tratada como um rato de laboratório, como se não fosse humana, como se não tivesse família”, continuou, exigindo “justiça por este tratamento racista e pouco ético”.

Em 1951, Henrietta Lacks, então com 31 anos, morreu de câncer de colo do útero no Hospital Johns Hopkins de Baltimore. Durante seu tratamento, foram coletadas células de seu tumor, transmitidas a um pesquisador sem o seu consentimento.

Rapidamente, o pesquisador percebeu que as células, renomeadas células HeLa, tinham qualidades extraordinárias: podiam ser cultivadas in vitro, fora do corpo humano, e ser multiplicadas ao infinito.

Desde então, as células HeLa permitiram a laboratórios de todo o mundo desenvolver vacinas, especialmente contra a poliomielite; tratamentos contra o câncer; e certas técnicas de clonagem, uma indústria que rende bilhões de dólares.

A família de Henrietta Lacks não soube nada sobre estes avanços até a década de 1970 e só compreendeu realmente seu alcance com o trabalho de Rebecca Skloot, autora em 2010 do best-seller “A vida imortal de Henrietta Lacks”.

“A família Lacks tem sido explorada por tempo demais, mas isso acabou”, disse seu neto, Alfred Carter, ao anunciar que escolheu para representá-lo na justiça o famoso advogado dos direitos civis Ben Crump.

Conhecido pela defesa de vítimas de racismo e violência policial nos Estados Unidos, entre eles George Floyd, Crump disse que apresentará uma ação em 4 de outubro no 70º aniversário da polêmica extração das células.

“As vidas dos negros devem ser valorizadas nos Estados Unidos”, disse, em um aceno ao movimento Black Lives Matter e a casos que defendeu.

Seu colega, Christopher Seeger, explicou que a denúncia atingiria “todos os que se beneficiaram do uso das células HeLa e que não chegaram a um acordo com a família para compensá-la”.

Ellen Wright Clayton, professora do Centro de Ética Biomédica e Sociedade da Universidade de Vanderbilt, disse à AFP que provavelmente será difícil para a família Lacks “obter uma compensação” nos tribunais, que até agora tem sido “muito relutantes em conceder aos seres humanos certo controle sobre suas amostras” biológicas.

Mas, “isso abrirá um debate interessante”, prevê: “a tensão (se concentrará) entre o desejo comum de promover a pesquisa e o direito dos indivíduos de controlar seus dados pessoais, em uma sociedade na qual este controle é cada vez mais limitado”.