17/08/2018 - 11:00
Em uma apresentação realizada em maio deste ano, no Instituto Milken, na Califórnia, Jorge Paulo Lemann, o empresário dono da maior fortuna do Brasil, usou o termo “dinossauro apavorado” para expressar como se sente em relação a todas as mudanças de consumo que estão acontecendo no mundo. Segundo ele, as pessoas estão menos interessadas em sair de casa para comprar e ficaram mais próximas do consumo de alimentos considerados saudáveis. “Eu vivia naquele mundo aconchegante de marcas antigas e de grandes volumes, em que nada mudava muito, e se podia só focar em ser mais eficiente que tudo ficava bem. Mas, de repente, estamos sofrendo rupturas de todas as formas”, disse Lemann. “Compramos marcas e achamos que elas durariam para sempre. Agora temos de nos ajustar totalmente às novas demandas dos clientes.” A materialização desses questionamentos pode ser vista, principalmente, em uma de suas empresas. A Kraft Heinz, criada há três anos após a fusão da companhia de chocolates e salgadinhos Kraft pela Heinz, famosa por seu ketchup. Mais que isso, era a união de duas mentes brilhantes: Lemann e o megainvestidor americano Warren Buffett.
O problema é que agora parece faltar molho para o negócio. O valor das ações da Kraft Heinz nos EUA foi afetado, desde a terça-feira 7, quando o fundo 3G Capital, a holding de investimentos de Lemann e de seus sócios Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, vendeu uma fatia de 7% de participação na operação. Segunda maior acionistado negócio, atrás da Berkshire Hathaway, de Buffett, a companhia reduziu a sua fatia para 22%. Com isso, no dia seguinte, o valor das ações caiu quase 2%, interrompendo um período de alta depois de a Kraft ter anunciado os resultados do segundo trimestre do ano, com receita 0,4% menor em comparação com o mesmo período de 2017. O movimento foi visto como um sinal de falta de confiança dos acionistas no futuro do negócio. Em 2018, as ações já caíram 22%, e acumulam queda de 30% em dois anos. O que parece estar em xeque é mais do que o destino da Kraft. Mas também do próprio modelo desenvolvido por Lemann e pela 3G. Primeiramente, no Brasil, em companhias como a Ambev e Lojas Americanas, e depois globalmente com AB Inbev, a Burger King e a Kraft Heinz.
Teria se esgotado o estilo de gestão baseado na compra de grandes empresas, integração entre elas, e melhorias de gestão baseadas em corte de custos e no aumento obsessivo da eficiência? A crítica é que, para se manterem em crescimento, seria necessário para as companhias de Lemann expandirem continuamente o volume de vendas e as suas sinergias, principalmente por meio de aquisições gigantescas, que se tornam cada vez mais difíceis de serem fechadas. Isso contraria a tendência atual de muitas empresas que estão buscando outros caminhos, como o da inovação constante e da disrupção – a palavra da moda – dos modelos antigos de negócios, como Starbucks, Inditex (dona da Zara) e Amazon.
O caminho das aquisições em busca de volume e sinergia, porém, ainda é o que tem sido perseguido. Persistem os rumores de interesse da Kraft em empresas como a Mondelez e a Pepsico. No passado, uma oferta de US$ 143 bilhões chegou a ser apresentada à Unilever, que a negou. Mas o negócio mais provável de ser fechado é com a Campbell Soup. No início de agosto, o jornal New York Post publicou que as empresas teriam entrado em conversações. “Nosso modelo não mudou. Gostamos de grandes marcas, de negócios internacionais, de aproveitar as sinergias e reinvestir de forma cruzada em marcas, produtos e pessoas”, afirmou Bernardo Hess, CEO da Kraft, em conferência com analistas no início de agosto. “Agora estamos mais confiantes na nossa habilidade de integrar e conectar companhias, em busca de maior escala. E estamos fazendo isso melhor e de forma mais rápida.”
Esse, no entanto, não deve ser o único plano de Lemann e de seus gestores. Uma das qualidades do empresário, além de sua fenomenal habilidade para fazer dinheiro, é que ele costuma ser um bom ouvinte e não é apegado a conceitos que deixam de funcionar. A Kraft tem buscado inovar. Ela anunciou, em março, um programa de incubadoras para startups de alimentos e bebidas. Batizada de Springboard, ela abrigará pequenas organizações focadas no desenvolvimento de produtos naturais, orgânicos e experimentais, e que poderão utilizar toda a estrutura de marketing, pesquisa e distribuição da Kraft.
Concorrentes como Campbell, Kellog e General Mills já montaram estratégias iguais. “Só há dois caminhos para essas empresas: inovar ou comprar as empresas menores que fazem produtos de forma diferente”, diz Eugenio Foganholo, diretor da consultoria Mixxer. O diretor financeiro da Kraft, David Knopf, também anunciou em maio o investimento de US$ 300 milhões para ampliar a força de vendas da companhia. Isso inclui a ativação de mais canais de vendas, inovações de plataformas de lançamento de produtos, ofertas a empresas de serviços de alimentação e vendas online. “Veremos resultados com essa estratégia durante o segundo semestre deste ano e em 2019”, disse Hess. O risco é que as inovações tenham chegado com o frasco já vazio.