Metade dos tratamentos contra o câncer feitos no Rio de Janeiro foi interrompida por falta de quimioterápicos. Fiscalização feita pelo Conselho Regional de Medicina em 19 unidades de tratamento da doença do Rio de Janeiro aponta para a situação precária da assistência oncológica na capital. Em 74% das instituições não há serviço de radioterapia, 90% não oferecem exames imuno-histoquímicos, que identificam características moleculares da doença e orientam o melhor tratamento. Em alguns casos, o início do tratamento demora um ano.

“O levantamento do Cremerj mostra que, quando o paciente é referenciado para o Instituto Nacional do Câncer, provavelmente ele estará salvo. Mas se for encaminhado para alguns hospitais federais, sua chance de sobrevida é de menos de 30%”, afirmou o defensor público da União Daniel de Macedo. A partir do relatório do conselho, o defensor encaminhou ofícios pedindo abertura de inquérito pelo Ministério Público Federal para investigação de improbidade administrativa nos hospitais federais de Bonsucesso, Andaraí e Cardoso Fontes, e também pediu uma varredura pelo Tribunal de Contas da União nos procedimentos de licitação para a compra de medicamentos.

O Cremerj fez a fiscalização entre outubro e novembro de 2016 em hospitais federais, universitários, estaduais e um filantrópico. O trabalho mostrou que 46% dos pacientes chegaram ao hospital com resultados de exames que confirmavam o diagnóstico realizados mais de 6 meses antes da internação do paciente; e 59% dos pacientes apresentavam estágio avançado da doença.

“Esses dados comprovam que a lei federal de 2012 (que prevê o início do tratamento 60 dias após o diagnóstico) não está sendo cumprida. O paciente chega com exames feitos há mais 6 meses e têm de repetir os exames. Estamos perdendo o tempo ideal para o início do tratamento. Isso diminui a chance de cura. E, nos casos em que a cura não é possível, impede que o paciente tenha maior expectativa de vida e em melhores condições”, afirmou o presidente do Cremerj, Nelson Nahon.

Para o defensor Daniel de Macedo, falta gestão adequada. Ele também vê indícios de corrupção. “O chefe de um dos almoxarifados contou que é comum o fornecedor entregar a nota para recebimento dos medicamentos, mas os insumos não chegaram nunca”, afirmou.

A modelista Solange de Oliveira, de 56 anos, parou a quimioterapia contra um câncer de mama por duas vezes, por falta de medicamento. “Fiz os últimos dois ciclos no mesmo mês. Porque já tinha havido falta do quimioterápico e a minha médica achou melhor garantir, porque podia faltar de novo”, contou ela. No ano passado, a modelista ficou 7 meses sem o remédio que impede a recidiva da doença. “O câncer é um rato. Ele está o tempo todo roendo a gente por dentro. A gente não tem tempo pra perder”, relatou.