Por Roberto Samora

SÃO PAULO (Reuters) – Tradicional importador líquido de trigo, o Brasil ampliou fortemente suas exportações do cereal em dezembro e mais volumes estão programados para janeiro e fevereiro, com a colheita de uma safra recorde e um câmbio favorável impulsionando os negócios, de acordo com dados oficiais e analistas.

Chuvas em momentos importantes para a safra brasileira, contudo, reduziram a qualidade de parte do cereal colhido, ampliando o excedente exportável do produto que não pode ser utilizado localmente para a fabricação de farinha para panificação, mas que encontra demanda no exterior em países da África e da Ásia.

Os embarques de trigo do Brasil para o exterior dobraram pela média diária até a terceira semana de dezembro ante o mesmo mês de 2020, para mais de 20 mil toneladas ao dia, e já superam 300 mil toneladas no acumulado do mês, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

O Brasil tradicionalmente exporta bons volumes em dezembro, após a colheita de trigo no Rio Grande do Sul, mas uma safra recorde gaúcha é promessa de maiores exportações, e há quem fale em embarques do país em máximas históricas no ano comercial do trigo 2021/22 (agosto/setembro).

“Já chegamos a 2,5 milhões de toneladas comprometidas para exportação, recorde nacional de todos os tempos”, disse o analista Luiz Pacheco, da consultoria T&F.

O recorde histórico de exportação de trigo pelo Brasil, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), foi registrado na safra 2010/11, quando o país exportou 2,515 milhões de toneladas.

“Janeiro e fevereiro, o Brasil deve exportar mais, tem embarques programados…”, acrescentou Pacheco, lembrando que as exportações maiores demandarão ajustes nas importações brasileiras do cereal.

Até o início do mês, a Conab projetava exportações de 1,2 milhão de toneladas de trigo pelo Brasil em 2021/22 e de 6,2 milhões de toneladas de importação, no mesmo período. A safra nacional está estimada em históricas 7,8 milhões de toneladas, ante 6,2 milhões na temporada anterior, enquanto o consumo brasileiro é de 12,5 milhões de tonelada ao ano.

“O Brasil está colhendo uma safra recorde, mas vai faltar trigo, vamos precisar aumentar a importação para 7,5 milhões de toneladas”, comentou o analista.

Importações maiores, por outro lado, poderiam beneficiar a Argentina, tradicional exportador aos brasileiros.

MATURIDADE

Com esse volume de importações, o Brasil se posiciona entre os maiores importadores globais do cereal, apesar de estar exportando.

“Isso é sinal de maturidade do Brasil, o trigo que estamos exportando é de qualidade não panificável ou de baixa panificação”, afirmou ele, lembrando que as chuvas resultaram em incidência da doença fúngica giberela, que afeta a qualidade para a produção de farinha de panificação.

Segundo ele, o trigo exportado deverá ser utilizado em outros países para a produção de farinha para biscoito ou para ração animal.

Há registros de vendas para Arábia Saudita, Vietnã, Venezuela, Marrocos e Chile, segundo Pacheco.

Mas alguns lotes que serão exportados têm boa qualidade, destacou o analista Jonathan Pinheiro, consultor de Gerenciamento de Risco da StoneX.

“O cenário internacional está com preços bastante puxados para cima, e o trigo brasileiro é um dos mais baratos do mundo, tem muito importador olhando com bons olhos”, afirmou ele, lembrando que o câmbio no Brasil colabora para a competitividade do cereal nacional.

O analista da StoneX disse que a empresa de consultoria trabalha com estimativas de exportação pelo Brasil em 2021/22 entre 1,8 milhão e 2 milhões de toneladas, versus 823 mil toneladas no ciclo anterior (Conab).

“Tem algumas indústria falando que esse número de exportação pode ser maior…”, afirmou ele, explicando que projeções mais altas deverão apertar a oferta do Rio Grande do Sul, ainda que os gaúchos tenham colhido uma safra recorde, superando o Paraná como maior produtor do cereal neste ano.

O analista destacou, entretanto, que a indústria brasileira tem limites para trabalhar com o trigo afetado pela giberela, que eleva índices da micotoxina Don, produzida durante o processo da infecção pela doença fúngica.

“Um trigo com Don mais alto a indústria nacional não quer, e acaba sendo mandado para outros países”, afirmou, citando entre os destinos do trigo brasileiro nos últimos anos Vietnã, Filipinas, Indonésia, Coreia do Sul, Arábia Saudita e Tailândia.

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