O Brasil deve fechar o ano de 2002 com um superávit de US$ 12 bilhões na balança comercial. É o melhor resultado dos últimos dez anos. Olhando-se apenas o placar final do governo de Fernando Henrique Cardoso, a impressão que se tem é de uma campanha vitoriosa, sem sobressaltos. É prudente, no entanto, utilizar uma lupa mais precisa para avaliar a performance do comércio exterior de 1995 a 2002. O que se viu na realidade foram dois momentos distintos, nos quais ora se colocava muito mais peso no prato das importações, ora inclinava-se fortemente para as exportações. Alterações nos saldos do comércio internacional, em boa medida, são consideradas normais em qualquer país do mundo. Mas o que se verificou na era FHC foi um período de drásticas mudanças, sem meio termo. No primeiro mandato, a ordem era manter a estabilidade econômica a qualquer custo. Foi o tempo do câmbio fixo e da abertura às importações. Num segundo tempo, pós 1999, com o câmbio flutuante, a ordem passou a ser ?exportar ou morrer?. Resumindo, um governo de extremos.

Houve no Natal de 1995, o primeiro de Fernando Henrique, o que se chamou da farra dos importados. O câmbio fixo, que sugeria um real igual a um dólar, tornava o mercado interno atrativo aos estrangeiros, ao mesmo tempo em que excluía os produtos brasileiros das prateleiras internacionais. Com a moeda nacional em paridade com a americana e as importações turbinadas, ficou mais fácil domar o aumento de preços e garantir o êxito do Plano Real. Os brasileiros compraram aos montes brinquedos eletrônicos do Japão, gravatas da Itália, vinho da França, bacalhau da Noruega… O resultado dessa política foi a manutenção da estabilidade, sim. Só que o modelo voltado para o combate à inflação, com câmbio fixo, também trouxe efeitos colaterais, como a incapacidade de crescer e a inevitável seqüência de déficits na balança comercial. Para resolver o problema foi necessário atrair dinheiro externo, oferecendo juros altos para investidores. E o Brasil mergulhou em dívidas.

Agora estamos em janeiro de 1999 e o câmbio já não é mais fixo ? seqüela de crises internacionais e problemas internos que obrigaram a equipe econômica a soltar o câmbio, adotando a banda flutuante. O País desta vez precisava mais do que nunca da força das vendas externas para reduzir os déficits, diminuir a taxa de juros e gerar mais crescimento. A indústria foi convocada a colaborar. De positivo dos anos anteriores de farta importação, havia o fato de que o aumento da concorrência fez com que as empresas brasileiras (aquelas com caixas mais robustos ou com facilidade de crédito) melhorassem a produtividade. Dados do Banco Central revelam que entre 1995 e 1999 a produtividade da indústria brasileira cresceu em média 6,5% ao ano. ?O choque da competitividade fez com que as empresas nacionais se modernizassem?, diz o ministro Sérgio Amaral, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. ?Hoje, há vários setores da economia com força para competir no mercado internacional.? Pode ser. Mas mesmo com um parque fabril competitivo, a tradicional agricultura continua sendo o fator de destaque na balança comercial. Responde por quase 50% das exportações nacionais.

No início de mandato, como promessa de campanha, Fernando Henrique Cardoso disse que sua meta era encerrar o governo com exportações de US$ 100 bilhões. Conseguiu 60% disto. É um bom número. ?Mesmo num ano em que perdemos vendas de US$ 4 bilhões dos clientes da Argentina, conseguimos manter a mesma média de 2001?, aponta Maurice Costin, vice-presidente de exportações da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. É preciso lembrar apenas que alguns fatores ?extra produtivos? contribuíram para tal nível das vendas externas. A nova cotação do dólar, por exemplo. Ou o reajuste de preços das commodities: somente em julho deste ano, o óleo de soja teve um acréscimo de 33% em relação ao mesmo período de 2001. Houve ainda o encerramento da greve dos fiscais da Receita Federal e a conseqüente recuperação dos despachos mantidos em compasso de espera. Além disso, o superávit na balança comercial foi bastante motivado pela substituição de importações. O que significa, em última análise, que não foi o prato da exportação que ganhou peso. Foi o outro lado da balança que emagreceu. Para se ter uma idéia, em 2001 as exportações atingiram US$ 58,2 bilhões contra importações de US$ 55,6 bilhões. Até novembro deste ano (os números de dezembro ainda não estão fechados) as exportações somaram US$ 55,1 bilhões e as importações US$ 43,7 bilhões. A tendência é que o ano termine com cerca de US$ 60 bilhões contra US$ 48 bilhões, a favor do Brasil.

?Nosso grande problema para elevar as exportações é a carga tributária. Todo o imposto em cascata onera o produto brasileiro entre 5% e 14%, dependendo do ciclo de produção?, reclama Costin, da Fiesp. ?Para vender bem lá fora temos que ampliar a produção. Só que qualquer investimento aqui é tributado, algo que já foi abolido em muitos países.? Segundo o empresário, o México é o grande espelho no qual o Brasil deve se mirar. Até bem pouco tempo, o país de Vicente Fox exportava US$ 50 bilhões ao ano, principalmente petróleo. Hoje, vende US$ 180 bilhões, dos quais 91% são produtos industrializados. A mágica? ?Uma reforma tributária eficiente, que reduziu muito os impostos de exportação ao mesmo tempo em que incentivou a produção?, explica Costin. Ele só se esqueceu de mencionar um detalhe crucial deste sucesso mexicano: a formação do Nafta fez com que as empresas americanas desembarcassem em massa no México em busca de custo baixo de produção. E fabricassem lá os produtos amplamente consumidos nos EUA, o que fez as exportações explodirem.

De qualquer forma, o Brasil também tem condições de brigar por melhores resultados no exterior. Houve alguns avanços importantes na condução das políticas de comércio internacional. A realização de missões comerciais, por exemplo, foi um passo decisivo para abrir novos mercados. No acumulado de 2002, as exportações brasileiras para a Ásia aumentaram 25%; para a África, 17,9% e para o Oriente Médio, 14,6%. O destaque ficou para a venda a países como China, Índia, Coréia do Sul, Rússia, Taiwan, Cingapura, China e Japão. ?Governo e empresários fizeram um trabalho de promoção muito eficiente?, diz Lythia Spíndola, secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. O País também aumentou muito sua pauta de exportações. Hoje, vendemos desde moda-praia a cachaça, passando por aviões, aço e instrumentos musicais. Um bom exemplo do avanço pode ser visto na indústria de móveis. Há dois anos, esse setor nem existia para o comércio internacional. Hoje, 480 empresas exportam seus produtos. ?Só não vendemos café para a Colômbia?, brinca Costin, da Fiesp.

Outro avanço foi na tomada de posição nas grandes tribunas internacionais. Ainda que estejamos engatinhando no processo, o fato é que o Brasil, antes um mero ouvinte, passou a falar alto e conseguiu algumas vitórias na Organização Mundial do Comércio contra subsídios de alguns países. Também criou instrumentos financeiros para equalizar eventuais perdas decorrentes de
nossa alta carga tributária e de juros ? que impedia as empresas brasileiras de competir em pé de igualdade ? e disponibilizou linhas de crédito (Proex, BNDES e Seguradora Brasileira de Crédito a Exportação) para potencializar as vendas de companhias nacionais no mercado internacional. Somente de 1999 a 2001, o Proex desembolsou US$ 2,4 bilhões e o BNDES, outros US$ 10 bilhões. Há um caminho promissor a seguir. Restam apenas alguns ajustes. De qualquer forma, em 2003, as exportações tendem a aumentar e engordar ainda mais as receitas nacionais. É isso o que espera o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

?TEREMOS SUPERÁVIT RECORDE?

Ministro Sérgio Amaral: ?Tivemos um aumento de 6% no volume?
No dia 9 de dezembro, uma semana depois de voltar de uma missão comercial à China, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Sérgio Amaral, falou à DINHEIRO.
Como o sr. avalia a performance do governo FHC no comércio exterior?
No início, o País precisava importar mais para atrair investimentos diretos e controlar preços. Era uma forma de garantir a estabilidade. A partir de determinado momento, observou-se um rendimento decrescente do saldo na balança comercial. Houve aí um consenso de que era preciso mudar o sistema e partir para as exportações. O resultado de toda esta política será um superávit recorde de US$ 12 bilhões ao final do governo.

O sr. poderia detalhar os incentivos às exportações?
Desoneração de PIS/Cofins, desburocratização dos portos, mecanismos de financiamento e missões comerciais.

Na prática, quais foram os benefícios das missões?
Em 2002, as exportações aumentaram 25% para Ásia, 18% para a África e 15% para o Oriente Médio.

Os US$ 12 bilhões de superávit neste ano não são muito mais fruto da substituição de importações do que do avanço das exportações?
Se formos medir pelo volume, houve um aumento de 6% nas exportações num ano em que o comércio mundial cresceu apenas 1%. Houve ainda a restrição das exportações para a Argentina, grande parceiro comercial. Não fossem problemas como esse e teríamos um superávit maior.