O consumo é um conceito que vai muito além do “consumismo” ou do consumo de produtos tangíveis, em especial os encontrados no varejo. Consumimos produtos, serviços, informações e símbolos, diariamente, consciente ou inconscientemente. O próprio conceito de sustentabilidade tem sido “consumido” exaustivamente nas últimas décadas. Consumir não é necessariamente negativo e seríamos incapazes de renunciar a essa prática. Porém, o crescimento do número de pessoas e da capacidade de produção impõe uma responsabilização individual e coletiva sobre o seu impacto.

 

A sustentabilidade que costumava ser uma bandeira de especialistas e um assunto visto como importante, mas de certa forma distante das urgências cotidianas, hoje está no centro do debate social e econômico. E, no World Economic Forum (WEF), que encerrou na semana passada, em Davos, na Suíça, não foi diferente. O evento é um dos mais importantes encontros do mundo entre líderes de diferentes setores e países e serve de palco para governos e empresas apresentarem suas propostas no equacionamento dessa problemática.

 

Pela primeira vez, seu relatório anual de riscos globais aponta que aqueles relacionados ao meio ambiente ocupam agora as primeiras posições, tanto em termos de probabilidade como impacto. Deixou de ser um problema setorizado ou regionalizado e, desta forma, nenhuma organização, pública ou privada, pode prescindir desta questão.

 

Dentre as temáticas debatidas, uma economia livre de lixo (waste-free economy) atinge diretamente as estratégias das empresas. Em geral, convivemos com um desconforto relacionado à questão, mas não temos a real dimensão das marcas que causamos ao meio ambiente.  Quantos quilos de lixo um indivíduo produz anualmente? Estudos apontam que um brasileiro está perto de superar a geração de 300 quilos de lixo ao ano. Considerando o peso médio do brasileiro (aproximadamente 70kg) podemos dizer que cada um de nós despeja quatro vezes o seu peso em resíduos.  Estamos acima da média mundial, mas abaixo dos países de alta renda, mesmo que estes representem uma fatia pequena da população planetária.

 

E o que gera todo esse lixo? Quanto mais renda, mais consumo. O desperdício de plástico, por exemplo, está sufocando os oceanos, mas o nosso consumo desta onipresente substância está apenas aumentando. E, para agravar a situação, cidades crescem rapidamente, sem sistemas adequados para gerenciar o volume e a composição de resíduos dos seus cidadãos. As empresas têm responsabilidade direta sobre esse cenário.  Algumas delas apresentaram seus projetos em Davos para reduzir os rastros que seus produtos causam no planeta, seja reduzindo a quantidade de embalagens plásticas (Unilever e Nestle), seja utilizando matéria prima reciclada (Adidas), por exemplo.

 

Alguns fatores têm a capacidade de alterar o que desejamos e necessitamos consumir. A primeira delas é a própria sociedade, que é causa e consequência dessas complexas mudanças, geradas por suas experiências cotidianas e pela evolução de seus valores. Demandas por novos padrões de produtos e serviços, que gerem menor (ou zero) impacto negativo ao meio ambiente e às comunidades, assim como mudanças de hábitos para outros que contribuam positivamente nessa equação. Por exemplo, só consumir produtos regionais, pois além de favorecer economicamente a comunidade local, reduz o consumo de combustíveis – fonte poluente e não renovável de energia. Esses movimentos, contudo, tendem a ser mais lentos.

 

Outro aspecto que gera mudanças mais rápidas é a força do capital. O modelo econômico ‘extrair, transformar, descartar’ parece estar atingindo seus limites físicos e quem está por traz dos investimentos começa a perceber que isso ataca os fundamentos de seus negócios. Desta forma, tratam de exigir das empresas em que investem (ou que buscam seus recursos) práticas de responsabilidade ambiental e social.

 

Nesse sentido, a grande estrela é a BlackRock, empresa americana, maior gestora de ativos do mundo, que na sua tradicional carta aos clientes e seus administradores deixa claro que dados “os crescentes riscos de investimento em torno da sustentabilidade, estaremos cada vez mais dispostos a votar contra a administração e os diretores quando as empresas não estiverem progredindo o suficiente nas divulgações relacionadas à sustentabilidade e nas práticas e planos de negócios subjacentes a elas”. Ou seja, o cerco está se fechando.

 

A economia circular é uma alternativa atraente que busca redefinir a noção de crescimento, com foco em benefícios para toda a sociedade. “Precisamos mudar para um negócio circular”, disse Marc Engel, diretor de cadeia de suprimentos da Unilever, em um painel da Bloomberg Live em Davos. Esse conceito promove que a vida útil do produto seja estendida, podendo ser recuperados, reutilizados e remanufaturados. A BlackRock iniciou um fundo focado exclusivamente na economia circular, ao lado da Ellen MacArthur Foundation, que tem nesse seu maior propósito.

 

Mais do que uma iniciativa, esta é uma mudança de perspectiva, de valores e de práticas da sociedade que podem contribuir na reversão de uma trajetória que, independente da falta de consenso em torno dos prazos envolvidos, todos concordam que é negativa para a existência humana. Será que as empresas, os Estados e seus administradores estão preparados para lidar com esse paradoxo? Apesar da dimensão do desafio, temos que começar com o que está imediatamente diante de nós. Não há mais tempo a perder.

Cecília Andreucci é conselheira de administração, mercadologista, mestre em consumo e doutora em comunicação.