Por Marcelo Teixeira e Maytaal Angel

NOVA YORK/LONDRES (Reuters) – Tradings de commodities, incluindo Louis Dreyfus, Olam e Volcafe, estão processando centenas de cafeicultores brasileiros, uma vez que o não cumprimento das vendas pré-acordadas deixou os comerciantes expostos a perdas, segundo fontes e documentos vistos pela Reuters.

Os preços do café arábica subiram cerca de 60% este ano devido à turbulência climática no Brasil. A alta de preços tem levado os agricultores a não cumprir os contratos, restringindo a oferta de uma commodity que, como muitas outras, foi afetada por atrasos no transporte e disponibilidade reduzida de mão de obra.

Todos os três maiores produtores de arábica do mundo –Brasil, Colômbia e Etiópia– estão enfrentando um aumento nas taxas de inadimplência, com os agricultores deixando de entregar o café a preços acordados para que possam tentar revendê-lo aos preços atuais mais altos.

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Advogados disseram à Reuters que esta é a primeira vez em décadas que dezenas de cafeicultores estão inadimplentes no Brasil, que cultiva cerca de metade dos grãos de arábica do mundo. A inadimplência ocorreu em outras commodities, como a soja, em que os comerciantes recorreram ao uso de satélites e contrataram advogados para buscar os agricultores que tentavam revender safras já garantidas, uma vez que os preços naquele mercado também dispararam.

Muitos processos judiciais no Brasil não são públicos

A Volcafe, braço comercial de café da ED&F Man, uma das maiores tradings mundiais de commodities, teve problemas com cerca de 5% de seus contratos no Brasil, segundo o diretor da empresa para as Américas do Norte e do Sul, Nicolas Rueda.

“Conseguimos negociar e encontrar uma solução na maioria dos casos. Só nos casos em que as negociações foram encerradas recorremos à Justiça”, disse ele, sem identificar a quantidade de casos em que a empresa estava trabalhando.

A Olam confirmou casos de não conformidade e ações judiciais, mas disse que não são generalizados. Louis Dreyfus não retornou um pedido de comentário.

Os agricultores também estão inadimplentes na Colômbia e na Etiópia, segundo e terceiro maiores produtores de arábica do mundo. Com o Brasil, os três países respondem por mais de dois terços da produção global de arábica.

“O incentivo para a inadimplência nunca foi tão alto, esses caras não estão apenas inadimplentes em uma safra (da temporada). Você está olhando para a ponta de um iceberg aqui. Vai piorar nos próximos 12 meses ou mais”, afirmou um trader com sede na Europa em um dos maiores comerciantes de café do mundo, que não estava autorizado a falar oficialmente.

Os volumes de vendas futuras no Brasil caíram devido à inadimplência e aos atrasos graves de embarque, disseram dois outros traders, complicando os já restritos fornecimentos globais de café.

A inadimplência pode sustentar os contratos futuros, que já estão próximos de máximas de sete anos, uma vez que o mercado depende da venda futura do Brasil para moderar os aumentos de preços, disse um segundo trader europeu em um comerciante global.

“Deveria haver um fluxo contínuo (de vendas) do Brasil, mas está tudo fechado. É assustador como está quieto. Não podemos comprar café. Nosso intermediário não consegue pegar o café”, declarou.

“Juntamente com os problemas (de envio), as negligências significam que a disponibilidade de café nos EUA, Europa e Japão está ficando cada vez mais tênue”, disse ele.

A evidência do aperto já pode ser vista nos estoques da bolsa ICE, que caíram cerca de 11% apenas no mês passado.

O escritório Santos Neto Advogados está trabalhando em cerca de 30 ações judiciais relacionadas à inadimplência do café, segundo Fernando Bilotti Ferreira, sócio do escritório. Ele afirmou que está agindo em nome de quatro corretoras, mas se recusou a mencioná-las.

O tamanho das inadimplências varia de 500 sacas até 4.500 sacas. A preços de mercado atuais, um contrato de 4.500 sacas valeria cerca de 5,8 milhões de reais.

Muitos comerciantes envolvidos em processos judiciais têm aceitado pedidos de agricultores para adiar as entregas até 2022, disse Cristiano Zauli, advogado que trabalha em Minas Gerais, o maior Estado produtor de café do Brasil.

Ele esteve envolvido em cerca de 100 processos judiciais sobre o café este ano e atuou como mediador em centenas de conversas, disse ele.

Zauli se recusou a identificar seus clientes.

EM BUSCA DE CAFÉ

Compradores que entraram com ações judiciais estão tentando ordens judiciais que lhes permitam obter seu café nas fazendas com a ajuda de policiais, de acordo com documentos judiciais nos Estados de São Paulo e Minas Gerais.

Em um caso, Olam teve que ir a dois locais diferentes para encontrar as 750 sacas que havia comprado de um fazendeiro em Alfenas, Minas Gerais.

Em outro, Louis Dreyfus estava tentando buscar 1.000 sacas que comprou de um fazendeiro em Patrocínio, outro município de Minas. O advogado da trading disse ao juiz que o fazendeiro revendeu o café a um comerciante local, onde foi entregue, de acordo com os autos.

Dois corretores de café brasileiros disseram à Reuters que a inadimplência atingiu praticamente todos os participantes do mercado, incluindo a cooperativa de café Cooxupé, maior exportadora do país.

A Cooxupé afirmou que normalmente negocia com agricultores que enfrentam problemas, mas acrescentou que não pode “tratar os agricultores associados de maneira diferente”, o que significa que as regras se aplicam a todos.

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