Após a debacle mundial, causada pelo novo coronavírus, os países começam a desenhar como será o dia seguinte. E se na Europa, onde o pior momento da pandemia parece ter passado, os governos já fazem planos de recuperação com investimentos massivos em economia “verde”, no Brasil essa ainda parece ser uma realidade bem distante.

No começo de julho, a Comissão Europeia previa uma queda de 8,7% para a economia da zona do euro. Parte do plano da União Europeia, então, para se recuperar e incentivar a economia verde é injetar bastante dinheiro em setores que ajudem na redução de emissões de poluentes.

Em maio, os europeus anunciaram que o fundo proposto para ajudar o bloco terá linhas verdes, com financiamentos direcionados. Estão previstos, por exemplo, € 91 bilhões por ano para melhorar a eficiência energética e de aquecimento nas residências, € 25 bilhões em energia renovável e € 20 bilhões para modelos de veículos limpos e instalação de pontos de carregamento em cinco anos. Também estão previstos até € 60 bilhões destinados para investimentos em trens que não poluem.

A expectativa das autoridades europeias é que ao menos um milhão de empregos sejam criados, também com a transferência de trabalhadores de indústrias poluidoras para setores sustentáveis. Países que mais usam carvão como uma das fontes de energia, como Polônia e Romênia, também receberão mais incentivos para investir em opções limpas.

No Brasil, a oportunidade de recuperação da economia pela via sustentável acontece no momento em que o País está na mira de investidores estrangeiros e empresários locais. Eles cobram uma gestão mais responsável do meio ambiente e o controle do desmatamento, após os recordes consecutivos batidos sob a gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do ministro da pasta, Ricardo Salles.

Na última semana, foi a vez de um grupo de 17 ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central divulgar uma carta em que pressionam o governo por conta da questão ambiental. Eles cobraram ações para que o desmatamento, tanto da Amazônia quanto do cerrado, caia para zero e propuseram caminhos para o alcance da chamada economia de baixo carbono, como o investimento em novas tecnologias e o aumento da cooperação internacional.

“A Europa está dando sinais concretos agora, aproveitando este momento de ruptura para apostar no meio ambiente. No Brasil, infelizmente temos um governo de absurdos, que sempre agiu contra a sustentabilidade”, avalia André Lima, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).

Ele ressalta que as mobilizações de especialistas na questão ambiental e de empresários e ex-agentes públicos também acontecem para que o País não concentre os esforços de recuperação da economia em setores tradicionais, como a exploração de petróleo, mineração em larga escala e pecuária extensiva.

Oportunidade

A janela para que o Brasil aproveite os investimentos necessários para a reconstrução da economia para reforçar o apoio a projetos sustentáveis passa pela discussão da reforma tributária, que foi interrompida pela pandemia, mas que precisará ser retomada pelo Congresso Nacional.

No começo deste mês, em um debate da Frente Parlamentar Ambientalista, da Câmara dos Deputados, o presidente da Fundação SOS Mata Atlântica, Pedro Passos, sugeriu a criação de um imposto para onerar produtos que têm origem ou são ligados ao petróleo. “Isso estimularia nesse período de transição que outras fontes alternativas ganhem competitividade e se estabeleçam, como energia solar, eólica e motores eletrificados, em vez de motores à combustão.”

De acordo com Bernard Appy, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, a questão ambiental deve fazer parte do redesenho de um sistema tributário eficiente para o País. “A adoção de uma alíquota uniforme para todos os bens e serviços e a eliminação de todos os benefícios fiscais vai eliminar os incentivos distorcivos do sistema atual, inclusive no caso de setores poluidores.”

Para o economista, que também é diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), é possível incluir na reforma tributária a discussão de impostos ambientais, embora o tema tenha de ser amadurecido.

Appy ainda cita exemplos de incentivos que poderiam ser revistos pelo governo, “como o subsídio dado para a produção, na Zona Franca de Manaus, de condicionadores de ar extremamente ineficientes do ponto de vista energético.”

‘Fiz carta como capitalista, não ambientalista’

No início de 2020, em sua carta anual aos dirigentes de empresas que estão no seu portfólio de investimentos, Larry Fink, presidente da BlackRock, maior gestora de recursos do mundo, chamou a atenção para a questão ambiental.

“A consciência está se modificando rapidamente, e acredito que nós estamos prestes a reformular fundamentalmente as finanças”, escreveu. “A evidência do risco para o clima leva os investidores a reavaliar os pressupostos básicos das modernas finanças”.

Na sexta-feira, em um painel do evento Expert XP, Fink disse que, apesar de ser um ambientalista, não redigiu a carta nesta condição, mas sim como um capitalista. “Nas conversas com clientes em todas as partes do mundo, vimos cada vez mais perguntas de como eles deveriam incorporar as mudanças climáticas em suas carteiras. O risco climático existe e nossa busca era prover informações estatísticas para que os clientes pudessem investir melhor.”

Não é apenas retórica

Na semana passada, a BlackRock anunciou ter votado contra a administração de 53 empresas, dentre elas a ExxonMobil, a Chevron e a Volvo, nas últimas assembleias ou em reuniões de conselhos de administração, por identificar falta de compromisso com questões climáticas.

‘Queremos ver os resultados reais no combate às queimadas’

O KLP, maior fundo de pensão da Noruega, com US$ 80 bilhões em ativos, avalia como positiva a mudança de tom do governo brasileiro sobre o desmatamento na Amazônia. Mas, para além das conversas oficiais, a chefe da área de investimentos responsáveis do KLP, Jeanett Bergan, disse ao Estadão/Broadcast que o que mais interessa é ver resultados reais, e a redução concreta das queimadas seria um deles.

O fundo ameaça não apenas retirar aportes de empresas brasileiras que desrespeitam o meio ambiente, mas também de multinacionais que operam no País e desrespeitam questões ambientais. Abaixo, principais trechos da entrevista:

A sra. participou da reunião feita recentemente com o governo brasileiro para discutir o desmatamento na Amazônia. O que achou das conversas?

Fiquei muito encorajada pela rápida resposta do governo do Brasil à nossa carta (entregue no final de junho a embaixadas do Brasil alertando sobre o desmatamento). Foi uma primeira reunião, que contou com o primeiro escalão. Foi bom ver que o governo divide nossa ambição de parar o desmatamento na Amazônia, de defender os direitos dos povos indígenas e os compromissos com normas e acordos.

Como resultado da reunião, o presidente Jair Bolsonaro anunciou uma parada temporária das queimadas na Amazônia. O que achou da decisão?

Vamos continuar avaliando o progresso daqui para a frente. Para nós, são os resultados reais que importam. Uma redução no número de incêndios seria desenvolvimento positivo.

O KLP anunciou que estava conversando com grandes empresas internacionais de commodities, como Archer Daniels Midland (ADM), Cargill e Bunge, que operam no Brasil, para ver se suas políticas ambientais são adequadas, pois caso não sejam, o fundo retiraria investimentos dessas companhias. Como estão essas conversas? Esse plano ainda está de pé?

Sim. Tivemos vários diálogos com essas companhias e ainda estamos esperando pelas repostas. Atualmente, estamos avaliando se esses investimentos violam nossas diretrizes. Até agora, ainda não concluímos a avaliação.

Quantas empresas brasileiras o KLP tem em sua carteira?

Investimos em 58 companhias, um valor ao redor de 500 milhões de coroas norueguesas (US$ 55 milhões).

O KLP já baniu empresas como Vale e Eletrobrás de sua carteira. Práticas de investimentos sustentáveis e boa governança (ESG, na sigla em inglês) são um fator decisivo para o fundo resolver comprar papéis de uma empresa?

De fato, estamos continuamente monitorando todos os nossos investimentos. Se houver algum risco inaceitável, de corrupção, de contribuição para violação de direitos humanos ou de degradação do meio ambiente, tomamos a decisão de desinvestir dessas empresas. Temos regras bem restritas de investimento e, atualmente, ao redor de 600 empresas estão excluídas de nosso investimento por diversas razões, incluindo critérios baseados na produção da companhias, como aquelas que fazem tabaco, carvão e armas controversas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.