Faltam 4 meses para o Reino Unido, de fato, deixar a União Europeia. Em 29 de março de 2019, o bloco perderá a quinta maior economia do mundo, com um PIB de US$ 2,8 trilhões, como um de seus membros. O Brexit representa o desafio máximo para o grupo: necessidade de coesão e união entre seus integrantes. Trata-se da primeira saída de um país, desde a fundação da aliança, em 1993. E o risco é que não seja a única. A Itália protagoniza uma rebelião. Movido por um forte sentimento anti-europeu, o governo local negou rever suas previsões de déficit, conforme indicado pela Comissão Europeia, iniciando um perigoso cabo de guerra. O aumento de incertezas volta a ameaçar a economia europeia e coloca em xeque a frágil recuperação do bloco, numa nova frente de desaceleração para o ritmo do PIB mundial. As consequências dos impasses políticas já aparecem nos números. No mês passado, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reduziu de 2,2% para 2,0% a previsão de crescimento do bloco neste ano, abaixo da expectativa para os Estados Unidos, que continuou em 2,9% (veja quadro ao final da reportagem).

O caso do Brexit é complexo e nem mesmo os ingleses entendem muito bem o que está acontecendo. Depois da votação de junho de 2016, que definiu que o Reino Unido sairia do grupo, o governo britânico e a Comissão Europeia passaram a discutir um tratado que esclarecesse exatamente como seria o “divórcio”. O chamado Acordo de Separação foi divulgado em julho deste ano, pela administração da primeira-ministra Theresa May. Agora, o Parlamento inglês tem até dezembro para votar se aprova as medidas. Segundo o acordo, entre março de 2019 e até pelo menos dezembro de 2020, haverá um período de transição, no qual o Reino Unido continuará seguindo as regras de comércio e fronteiras da União Europeia e cidadãos de ambas as partes poderão continuar a viver onde quiserem. Durante esse tempo, será acertado se um acordo comercial definitivo entre as duas partes deve ser criado e sob que condições.

Controverso: o plano de separação do governo britânico gerou revolta, entre apoiadores e detratores do Brexit. Na foto, manifestantes protestam contra a saída do país do bloco

O acordo, mesmo que temporário, provocou polêmica. Britânicos que são contra a saída da União Europeia iriam se opor de qualquer forma. Mesmo aqueles favoráveis ao Brexit acreditam que o país seguirá as regras da UE por tempo demais, sem ter poder de voto, já que o Reino Unido não ocupará mais assentos no Parlamento ou na Comissão Europeia. A revolta foi tanta, que inimigos políticos de May chegaram a se movimentar pela saída da primeira-ministra. “O Acordo não é o que britânicos gostariam, mas é a única escolha no momento”, diz Martin Martill, cientista político da London School of Economics. “Se o Reino Unido sair sem acordo nenhum, aviões ficarão impedidos de voar, produtos não atravessarão fronteiras e negócios serão interrompidos. A queda do PIB seria de 6,5%”, destaca Martill.

Para o resto da Europa, os efeitos econômicos do Brexit, via acordo ou não, são até suaves – quaisquer efeitos negativos para as economias locais passariam depois de cerca de 6 meses, segundo especialistas. O problema maior é o efeito simbólico da desunião do bloco, já que reforça o ceticismo em outros países, onde partidos – geralmente de direita – têm aumentado sua influência e, em alguns casos, chegado ao poder. A Itália é o exemplo mais perigoso. Com uma dívida de 131% do PIB, os italianos elegeram, em março, a coalizão dos partidos Liga do Norte e Cinco Estrelas, com a promessa de maior independência e poder de decisão. Nas projeções de orçamento repassadas à União Europeia, o novo governo indicou que esse número cairia para 129,2% em 2019, sem antes ter apresentado um plano de cortes e redução de gastos. O bloco considerou esse cenário inviável. As projeções foram reenviadas a Roma, com o pedido de que fossem mais realistas. O governo, liderado pelos vice-premiês Matteo Salvini e Luigi Di Maio, no entanto, não concordou e deverá sofrer sanções.

Rebeldes: Matteo Salvini, vice-premiê da Itália, lidera o movimento contra as interferências da União Europeia na gestão fiscal do país

A fragilidade fiscal italiana é observada com atenção, porque poderia, potencialmente, contaminar bancos e economias por todo o mundo e ameaçar a unidade monetária do bloco, exatamente como a Grécia, na crise de 2008, mas numa escala ainda maior. “O problema do déficit parece restrito à Itália, e, em curto prazo, os próprios italianos seriam os prejudicados pelo problema”, afirma Frederick Heinemann, do Centro de Pesquisa Econômica Europeia. “Mas, eventualmente, se o país seguir esse padrão, poderá dar o calote, o que teria efeitos catastróficos para todo o mundo, de modo similar ao visto em 2008”, acrescenta. Seja com Brexit ou insubordinação italiana, a situação interna europeia gera incertezas e ascende ao posto de riscos centrais, em meio à onda crescente de dúvidas que pairam sobre a economia mundial.

“Há um sentimento de antiglobalização, de desgaste de acordos multilaterais, que é péssimo para o comércio internacional”, afirma Amâncio Nunes de Oliveira, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP. Projeções da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgadas na quarta-feira 21, apontaram para uma desaceleração do PIB mundial em 2019, devido a tensões comerciais. A nova expectativa é de um crescimento de 3,5%, ante previsão anterior de 3,7%. Trata-se da mesma intensidade da desaceleração esperada para a Europa neste ano. E mostra que os problemas na região podem vislumbrar uma questão maior de perda de confiança e a reversão da tendência recente de crescimento mundial.