A Suprema Corte dos Estados Unidos desferiu um duro golpe na segunda-feira (6) a um princípio do direito penal americano, o segredo de deliberação, ao decidir que um veredicto pode ser anulado se um dos integrantes do júri for racista.

Muito dividida sobre a questão, a Suprema Corte deu sua sentença por uma estreia maioria de cinco jurados contra três.

A decisão cria uma exceção a uma regra considerada absoluta durante séculos, em nome da imparcialidade e da equidade da Justiça.

O caso considerado pelas magistrados se refere ao hispânico Miguel Ángel Peña Rodríguez, acusado em 2007 de tentar abusar sexualmente de duas adolescentes em um hipódromo de Denver, no Colorado.

O homem compareceu diante de um júri clássico, constituído por 12 cidadãos escolhidos aleatoriamente, que prometeu tomar sua decisão unicamente com base nos fatos denunciados. O júri considerou Peña Rodríguez parcialmente culpado e o condenou a dois anos de liberdade condicional.

Em teoria, a opinião pública deveria ignorar o que conversaram com os juízes após se retirarem para deliberar. E estas discussões não deveriam ser usadas para questionar o veredicto.

Entretanto, dois membros do júri, impactados pelo que haviam ouvido de outro membro, um ex-policial, traíram este “segredo” e informaram o advogado de Peña Rodríguez sobre os comentários abertamente racistas.

“É um mexicano”

“Creio que ele (Peña Rodríguez) tenha feito isto porque é um mexicano e os homens mexicanos agem como querem”, disse este jurado, entre outras coisas, na presença de seus colegas.

Exigindo um novo julgamento por causa destas declarações, o advogado de Peña Rodróguez recorreu à Justiça do Colorado, mas foi recusado em primeira instância e na apelação.

A Suprema Corte examinou o caso em outubro em última instância para avaliar se a obrigação de julgar sem preconceitos raciais, prevista na Sexta Emenda da Constituição dos Estados Unidos, deve prevalecer sobre o segredo de deliberação do júri.

O mais alto tribunal dos Estados Unidos sentenciou de forma afirmativa, em um texto elaborado pelo juiz conservador moderado Anthony Kennedy, que se uniu ao bloco dos quatro juízes progressistas do tribunal.

“Os preconceitos raciais despertam preocupações sem precedentes no plano histórico, constitucional e institucional”, disse o juiz.

“Um esforço para fazer frente aos preconceitos raciais mais graves não é tentar melhorar um jurado, mas assegurar que nosso sistema de Justiça continue sendo fiel à sua missão de igualdade diante da lei, tão fundamental para o bom funcionamento de uma democracia”, escreveu.

Os três magistrados mais conservadores da Suprema Corte mostraram seu desacordo e se manifestaram, alarmados, por uma vulnerabilidade do intocável júri criminal.

“Porta entreaberta”

Um deles, o juiz Samuel Alito, recordou que os membros do júri “são pessoas comuns”. “É de se esperar que falem, discutam, argumentem e decidam da mesma forma que fazem as pessoas comuns em sua vida cotidiana”.

“Para proteger este direito, a porta da sala de deliberações se mantém hermeticamente fechada e o segredo de deliberação do júri está bem protegido”, acrescentou, criticando o fato da sentença ter deixado a “porta entreaberta”.

Nada impede agora que outros veredictos sejam postos em xeque por outras “intromissões” por diferentes motivos, sustentou Alito.

Esta foi a segunda vez em duas semanas que a Suprema Corte abordou o sensível tema do racismo, que permeia o sistema judiciário do país.

Em 22 de fevereiro, este tribunal suspendeu a execução prevista no Texas de um condenado à morte, que foi apresentado durante seu julgamento como potencialmente mais perigoso por ser negro.