Na Avenida Wiscosin, um dos principais corredores de Washington D.C., um retrato acabado da mais renhida eleição americana desde 1960 pode ser visto num restaurante de carne gorda e molho apimentado. Num grande placar pendurado logo à entrada, o Clyde?s registrava no domingo, 29, que 53 freqüentadores da noite anterior votaram no republicano George W. Bush, contra 48 opções para o democrata Al Gore. Um dia depois, porém, Gore levaria a melhor, com 38 a 15 sobre Bush. Este tipo de enquete, sempre com resultados apertados e alternados, vai se repetir em milhares de estabelecimentos públicos até a terca-feira, 7, quando finalmente os americanos escolherão seu novo presidente. A divisão espetacular da sociedade levou o The Washington Post a abrir espaço para uma especulação inédita: e se a eleição terminar empatada no Colégio Eleitoral, com 289 delegados para cada lado?

?O mais engraçado é que essa é uma eleição sem surpresas?, disse à DINHEIRO o embaixador Rubens Barbosa. Freqüentador de todas as rodas diplomáticas da capital americana, no início da semana passada, ele não arriscava palpites. ?Gore ou Bush, nenhum deles é favorito ou azarão. Qualquer um tem chances reais de ganhar.? Se o atual vice-presidente conseguir suceder Bill Clinton, o cenário aponta para mais protecionismo sobre o mercado americano e imposição de obediência a rigorosos preceitos trabalhistas e ambientais na hora de comprar artigos estrangeiros. De Gore também se espera menor empenho na aprovação do Fast Track, uma licença do Congresso que pemitiria ao Executivo implementar rapidamente acordos de livre comércio ? potencialmente capazes de alargar ainda mais o déficit comercial americano, de US$ 300 bilhões por ano. Com Bush, ao contrário, haveria um país mais aberto à produção estrangeira, com a vantagem de ele ter sido o único a citar a América Latina num debate de tevê.

Junto a um deles, porém, os americanos estarão elegendo um novo Congresso. A propaganda desses candidatos sobe pelos postes das cidades em forma de discretíssimos cartazetes plásticos que não podem ser colados, mas apenas presos por ligas de alumínio. Pelos padrões brasileiros de abuso e vandalismo eleitoral, nem parece que há eleições. A tendência é de avanço dos democratas sobre a estreita maioria republicana de 7 votos na Câmara e 5 no Senado. Se Bush vencer, terá de governar monitorando acordos e concessões. ?Gore pode parecer à primeira vista ruim para os interesses comerciais brasileiros, mas apesar de sua base trabalhista, ele se empenhou pela aprovação de um acordo comercial permanente com a China que beneficia aos chineses?, lembra à DINHEIRO o americano Mark Smith, diretor-executivo do Conselho de Negócios Brasil-Estados Unidos. ?Quanto a Bush, ele tem o apoio de pequenos e médios empresários que não vão gostar de novos gestos de abertura econômica. Além do que, quando fala em América Latina está se referindo exatamente ao México, com o qual o Texas que ele governa tem larga fronteira.? Smith recomenda aos empresários brasileiros olhar as oportunidades de negócio independentemente do vencedor: ?No setor de manufaturados, por exemplo, existe legislação aprovada de tarifa de importação zero para os produtos brasileiros?.

 

Para o Brasil estatal, a equação é outra. ?Achamos que uma vitória republicana pode elevar as pressões sobre organismos multilaterais de financiamento para aumentar os juros cobrados de países em desenvolvimento como o Brasil?, adianta o diretor executivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Daniel Andrade de Oliveira. Ele vê como base dessas pressões o chamado Relatório Meldzer, elaborado este ano por uma comissão de notáveis de maioria republicana, que concluiu pelo aumento de juros para países de médio porte. ?Nao significa que Bush, se eleito, vá guiar-se por este relatório. Mas que o documento desperta idéias contrárias aos interesses brasileiros, isso desperta.? O comércio exterior não entrou na agenda dos candidatos. Eles discutiram cortes de impostos e destinação de verbas sociais, bem ao sabor do apetite do eleitorado. Bush garantiu poder reduzir em até US$ 1,3 trilhão os impostos dos mais endinheirados, sem, no entanto, prejudicar os pobres. Chamado de mentiroso por Gore, respondeu com uma blague na segunda-feira, 30. No programa de entrevistas Tonight Show, do apresentador Jay Leno, vestiu a máscara de Gore e fez o gesto de sua campanha, com três dedos esticados. O vice-presidente, por sua vez, deu boas gargalhadas ao ver um operador de câmera num comício usar a máscara de Bush e uma camiseta com os dizeres ?1+1=3?. A tradição diz que o candidato cuja máscara vende mais no 31 de outubro, Dia das Bruxas, costuma vencer as eleições. Bush vendeu mais.

De Nova York, um dos mais experientes diplomatas brasileiros, o embaixador Gelson Barbosa, chefe da missão brasileira permanente na ONU, acha que pouca coisa vai mudar qualquer que seja o novo presidente. ?Num país avançado como esse, quem manda é a burocracia?, julga. Acelerar a agenda que prevê a implantação da Alca, o tratado de livre comércio das Américas, em 2005, e dar pouca importância ao Mercosul, são pontos em que Bush e Gore têm planos semelhantes. ?Da campanha restaram apenas indícios do que um ou outro pretende fazer.? O certo mesmo é que não se via uma corrida eleitoral americana tão acirrada desde que John Kennedy bateu Richard Nixon, em 1960, por cerca de 50 mil sufrágios, ou 1 por cento dos votos em jogo. Nas pesquisas nacionais, antes do último final de semana, Bush liderava sem, no entanto, conseguir abrir uma margem segura para além das margens de erro de 2%. Na capital americana de céu sem nuvens nunca houve tanta nebulosidade nos negócios de ocasião como agora. Bufês especializados em grandes banquetes, por exemplo, estão sem as encomendas esperadas, porque, afinal, ninguém sabe de quem será a festa. No ramo imobiliário, corretores reclamam. O tradicional aumento no movimento de locação e compra de imóveis também está parado. É que só mesmo a partir desta terca-feira se saberá de qual time, democrata ou republicano, sairão os novos moradores da Avenida Constitution, onde, no meio de uma quadra em que é proibido estacionar, fica a Casa Branca.