Defensores retumbantes do presidente Jair Bolsonaro, os empresários do setor sucroalcooleiro passaram os últimos dias com estranho sorriso amarelo. Em um novo afago nada patriota do governo brasileiro ao líder americano Donald Trump, o País abriu as fronteiras para a entrada de mais 187,5 milhões de litros de etanol de milho dos Estados Unidos, sem qualquer contrapartida e isento de imposto pelos próximos 90 dias. Para o presidente da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), Evandro Gussi, a decisão de renovar a cota de importação vai causar um grande sacrifício à atividade, visto que a queda na circulação de veículos durante a pandemia resultou em uma disparada dos estoques de etanol, que estão 43% acima do mesmo período do ano passado. “É um problema a mais para o setor”, afirmou Gussi.

Atualmente, 1,6 bilhão de litros de etanol entram no Brasil por ano. As usinas brasileiras têm produzido cerca de 30 bilhões de litros anualmente, quantidade equivalente ao consumo. No entanto, o economista Ranulfo Ribeiro, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que o combustível do exterior é mais competitivo em regiões distantes das áreas produtoras do Sudeste, especialmente no Nordeste e Norte do Brasil. “A importação sem tarifas cria uma concorrência predatória para o setor, que neste momento vinha buscando recuperar a sua rentabilidade”, disse Ribeiro. Há quem enxergue a medida como um gesto do governo para conseguir alguma redução das tarifas cobradas aos produtos brasileiros, especialmente sobre o açúcar, hoje em 140%. Na avaliação do ex-presidente da Unica e professor de agronegócio global do Insper, Marcos Jank, é preciso reduzir o protecionismo ao etanol para aumentar a vantagem do produto frente ao diesel e à gasolina.Mas o setor espera alguma troca. “Espero que isso seja visto como um sinal para que os americanos compensem o Brasil num futuro breve na questão do açúcar”, disse Gussi. De acordo com a Unica, a tonelada do açúcar custa US$ 266, mas, com a tarifa aplicada pelos Estados Unidos, pode chegar a US$ 605. Além disso, o Brasil exporta apenas 150 mil toneladas do produto para o mercado americano, o limite permitido sem a aplicação dessa tarifa.

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COTA AMPLIADA A isenção sobre parte do etanol importado foi adotada em 2010 e valia para os primeiros 600 milhões de litros a entrar no Brasil por ano. A partir desse ponto, passava a incidir a tarifa de 20%. Em 2019, a cota foi ampliada para 750 milhões – pouco mais da metade do 1,4 bilhão de litros que o Brasil importou do combustível em todo o ano. Do total importado, 90,6% (1,3 bilhão de litros) vieram dos Estados Unidos. Sob ameaça de perder a vantagem comercial com a expiração do acordo, Trump sinalizou que poderia reataliar o Brasil, caso a taxa não fosse novamente reduzida.

Como resultado, os produtores norte-americanos de etanol de milho agradecem ao presidente Donald Trump, que conseguiu ganhar pontos com a indústria nacional às vésperas da eleição presidencial nos Estados Unidos. No Brasil, o retorno é, no mínimo, incerto. No começo de setembro o governo Trump reduziu a quantidade de aço brasileiro importado sob tarifa diferenciada, dificultando a entrada do produto nos Estados Unidos. A decisão foi vista como um problema por empresários do ramo da indústria extrativista brasileira. Diante da cessão e da falta de retorno, o embaixador americano no Brasil, Todd Chapman, não pisou em ovos, e não falou em contrapartidas com a extensão do acordo. Agora, os empresários brasileiros aguardam atentos o discurso sobre patriotismo do presidente da República. Até o momento, está muito claro que Trump dá as ordens e Bolsonaro obedece.