Ao escolher o neologismo “pós-verdade” (post-truth, em inglês) como a palavra do ano de 2016, a Universidade de Oxford justificou que o adjetivo – que define que os fatos objetivos são menos importantes na formação da opinião pública do que o apelo emocional e as crenças pessoais – tornou-se altamente conhecido por explicar informações distorcidas veiculadas previamente ao referendo do Brexit e das eleições americanas, ambas no ano passado.

Chinesa utiliza centenas de celulares para manipular redes sociais e rankeamento de aplicativos – Divulgação/Weibo

O seu uso passou a ser constante para caracterizar a onda de notícias infundadas que envolveram esses dois eventos – as conhecidas Fake News (em tradução literal, notícias falsas).

A consultoria de segurança cibernética Trend Micro investigou esse mercado e publicou recentemente a pesquisa “The Fake News Machine” (A Máquina das Notícias Falsas), na qual destrincha a indústria da pós-verdade em todo o mundo.

Para a confecção do estudo, os custos das campanhas de Fake News foram baseados nos preços mínimos estipulados por sites encontrados em língua inglesa de acordo com os objetivos da campanha.  A Trend Micro listou 30 sites no total, sendo 10 russos, 10 chineses, 5 americanos, 2 indianos, 2 árabes (não ficou claro o País de origem dos sites) e 1 peruano.

O estudo conclui que com orçamentos que começam por US$ 2,6 mil e podem chegar a US$ 400 mil é possível criar uma celebridade digital e até manipular um processo de decisão.

“É um mercado que já está consolidado”, afirma André Alves, consultor da Trend Micro. “Há toda uma rede de robôs que ajudam a elevar a reputação de um site ou uma empresa, colocando suas páginas ou aplicativos em posições melhores, seja no Google, ou na Apple Store.”

Alves afirma que as grandes empresas, como Google, Facebook e Apple tentam desenvolver algoritmos para barrar esse abuso. “Mas é um jogo de gato e rato. Como em todo o meio tecnológico, novas formas de burlar esses sistemas são criadas. Há muita demanda para isso e o interesse econômico é enorme”, diz Alves.

O foco do estudo da Trend Micro foi identificar como funciona a máquina de falsificar notícias em três segmentos. O primeiro é o mercado de Digital Influencers (Influenciadores Digitais), celebridades das redes sociais que nascem da noite para o dia e que são especialistas em determinado assunto, mas que dão opinião sobre tudo. Depois, esmiuçou os serviços para manipular a opinião pública a fim de provocar uma manifestação. Por fim, a manipulação de uma ação em curso por meio de criação de sites e campanhas.

Segundo a consultoria, é possível, em um mês, criar uma celebridade com mais de 300 mil seguidores utilizando robôs e perfis falsos para criar um séquito de seguidores por US$ 2,6 mil. “Popularidade é o nome do jogo nas mídias sociais”, ressalta o estudo. “Quanto mais visível for o perfil, mais ele terá o aspecto de autoridade, o que rapidamente amplifica o efeito de tudo o que é postado por ele”, afirma a consultoria.

Manipular a opinião pública, segundo a Trend Micro, custa aproximadamente US$ 200 mil. Por essa bagatela, a campanha envolveria a criação e disseminação de conteúdo falso por meio de redes sociais, além dos custos com a organização do protesto. “Mesmo que apenas 1% da audiência alcançada com esta campanha se solidarize com o protesto, isso já seria um número impactante”, diz o relatório.

O último caso, que envolve manipulação de uma ação em curso por meio de criação de sites e campanhas, é mais complexo. Os custos sobem para US$ 400 mil. Para atingir os objetivos, sites inteiros são criados, pessoas que produzem e disseminam informações falsas precisam ser contratadas, e um grande orçamento é gasto em distribuição de material publicitário, online e físico.

Para Benjamin Rosenthal, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), apesar dos esforços das empresas de tecnologia, os leitores ainda estão muito suscetíveis às Fake News. De acordo com o professor, a polarização política tem favorecido as notícias falsas.

“Existe um fator chamado dissonância cognitiva. As pessoas tendem a rejeitar informações contrárias a sua opinião e acolhem as que confirmam”, afirma Rosenthal. “Assim, o conteúdo falso que é propagado torna-se poderoso, pois as informações são direcionadas a determinado público e reiteram o que aquelas pessoas querem acreditar.”