A pandemia tem feito muita gente mudar hábitos, entre eles o consumo frequente de comida caseira e fresca. É o que mostram as primeiras análises do Estudo NutriNet Brasil, que envolveram 10 mil participantes e indicam aumento generalizado na frequência de consumo de frutas, hortaliças e feijão (de 40,2% para 44,6%) durante a pandemia.

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Segundo o professor Carlos Monteiro, coordenador do NutriNet Brasil, essa mudança positiva no comportamento alimentar pode ser explicada por alguns fatores. “As novas configurações causadas pela pandemia na rotina das pessoas podem tê-las estimulado a cozinhar mais e a consumir mais refeições dentro de casa. Além disso, uma eventual preocupação em melhorar a alimentação e, consequentemente, as defesas imunológicas do organismo, podem ser consideradas”. O Estudo NutriNet é executado pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP).

A evolução positiva na alimentação, no entanto, foi acompanhada por um aumento no consumo de alimentos ultraprocessados nas regiões Norte e Nordeste e entre as pessoas de escolaridade mais baixa. Esses resultados sugerem desigualdades sociais na resposta do comportamento alimentar à pandemia.

O consumo de alimentos in natura ou minimamente processados fortalece os mecanismos de defesa do organismo, já a ingestão de comidas ultraprocessadas favorece o aparecimento de doenças crônicas que aumentam a letalidade da covid-19. Refrigerantes, bolachas, pratos congelados, salgadinhos, bolos prontos e mistura para bolos, cereais matinais, macarrão instantâneo, pães de forma, sorvetes e bebidas com sabor de frutas fazem parte do grupo de alimentos ultraprocessados.

“Uma das razões pelas quais o consumo de alimentos ultraprocessados piora as defesas do organismo é que eles são pobres em vitaminas e minerais, nutrientes essenciais para a resposta imunológica. Já foi demonstrado, em pesquisa realizada no Brasil, que indivíduos que consomem mais ultraprocessados têm um consumo menor desses nutrientes”, explica a pesquisadora do Estudo NutriNet Brasil, Kamila Gabe.

Outra razão, segundo Kamila, é que o consumo de alimentos ultraprocessados aumenta o risco de desenvolver condições como obesidade, diabetes e hipertensão. “Estudos realizados em diferentes países, como Estados Unidos, Itália e China, observaram que a presença dessas condições está associada à ocorrência de formas mais severas da covid-19, aumentando a necessidade de internação hospitalar e o risco de mortalidade”.

Para essa análise, o Estudo NutriNet Brasil aplicou o mesmo questionário alimentar em dois momentos: entre 26 de janeiro e 15 de fevereiro (antes da pandemia) e entre 10 e 19 de maio (durante a pandemia). Foi questionado o consumo de uma série de alimentos no dia anterior ao preenchimento do formulário. A amostra, composta pelos 10 mil primeiros participantes, é representada, em sua maioria, por jovens adultos, de 18 a 39 anos (51,1%), mulheres (78%), residentes da Região Sudeste do Brasil (61%) e com nível de escolaridade superior a 12 anos de estudo (85,1%).

Hábitos pós-pandemia

Na opinião da pesquisadora, não é possível afirmar que essa tendência de alimentação saudável será mantida após a quarentena. “Os dados do estudo NutriNet  Brasil não nos permitem concluir se há essa tendência no pós-pandemia, já que a análise comparou dados de consumo alimentar obtidos em janeiro, imediatamente antes do início da chegada do novo coronavírus ao Brasil, e em maio, no auge da adesão às medidas de distanciamento físico”.

Para Kamila, é possível que o retorno das pessoas às suas rotinas de trabalho e lazer, e até mesmo o relaxamento dos cuidados com a saúde, façam com que os indivíduos retornem aos seus hábitos praticados antes da pandemia. “Por outro lado, também é plausível pensar que esse período tenha proporcionado às pessoas oportunidade para a aquisição de hábitos saudáveis que venham a ser ganhos permanentes, como passar a comer mais frutas, verduras e legumes ou a cozinhar em casa com maior frequência. Com o Nutrinet acompanhando esses participantes, nós teremos a opção de investigar isso em novos estudos futuramente”.

Estudo

O objetivo da análise foi conhecer o impacto da pandemia de covid-19 sobre o comportamento alimentar da população. O recorte faz parte do Estudo NutriNet Brasil, lançado em janeiro de 2020, para investigar a relação entre padrões de alimentação e o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis no Brasil. A pesquisa tem duração de dez anos e vai acompanhar 200 mil pessoas. Os interessados em participar voluntariamente do estudo podem se inscrever no site nutrinetbrasil.fsp.usp.br .

O Estudo NutriNet Brasil é um dos maiores sobre alimentação e saúde do país. Os resultados vão contribuir para a elaboração de políticas públicas que promovam a saúde e a qualidade de vida da população brasileira.