Yasmin Martinez não tinha mais do que 10 anos quando foi à internet para buscar dietas radicais. “Já tinha decidido que queria ser magra, achava que seria aceita”, conta a jovem, que sofria bullying na escola por causa do peso. Entre restrições e compulsões, chegou aos 36 quilos quando tinha 15 anos. Viu o cabelo cair e esqueceu como se escrevia algumas palavras. “Parecia uma morta-viva, desmaiava o tempo todo e tinha o lábio roxo de frio enquanto todo mundo morria de calor.”

Hoje, com 17 anos e recuperada da anorexia que quase lhe custou a vida, se lembra do que encontrou nas redes: apoio e inspiração para perder peso sem parar. “Quando estava mal, entrava nos grupos para ver fotos de meninas muito magras.” O conteúdo é diverso. Basta uma busca rápida nas redes para identificar mensagens de incentivo a dietas rígidas e fotos de corpos “perfeitos” que só existem nas telas.

Os efeitos do acesso a conteúdos sobre magreza por meninos e meninas batem à porta de consultórios e preocupam especialistas. “Vemos crianças cada vez mais novas com sintomas de transtorno alimentar ou transtornos propriamente ditos. A partir de 8, 9 anos, eu mesma já vi. Como chegamos ao ponto em que crianças de 8 anos têm obsessão por magreza? De onde veio isso?”, questiona a nutricionista Ana Carolina Costa, do Ambulim, o Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

O Ambulim oferece tratamento, entre outros distúrbios, para anorexia e bulimia, transtornos alimentares caracterizados pela intensa preocupação com o peso e a percepção distorcida do corpo. Quem tem anorexia come muito pouco ou nada. Já o bulímico tem compulsões seguidas de arrependimento, com indução ao vômito ou uso de laxantes. A anorexia mata em até 15% dos casos.

Embora os distúrbios tenham múltiplas causas, dietas que prometem perda de peso com rapidez e fome, como as divulgadas pelas blogueiras fitness e até por nutricionistas na web, podem ser o gatilho, dizem especialistas. “(Elas) vão ao celular e acessam todos tipo de dieta, sem controle nenhum de nutricionista. Têm esse comportamento de risco por dois, três meses até passarem mal”, diz Evelyn Eisenstein, do Departamento de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Uma em cada quatro meninas de 11 a 17 anos disse já ter tido contato na internet com formas para ficar muito magras, segundo a pesquisa TIC Kids Online, divulgada no fim do ano passado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. O porcentual cresceu se comparado com o resultado obtido há quatro anos. A pesquisa, que entrevistou 3.102 crianças e adolescentes brasileiros de 9 a 17 anos, também identificou que 93% usam o celular para acessar a internet e 73% estão nas redes sociais.

Referências

No Instagram, fotos de “inspirações magras” – jovens com as costelas à mostra – fazem sucesso, e hashtags associadas à magreza extrema acumulam milhares de publicações todos os dias. Já no Twitter, perfis secretos compartilham dicas de como enganar a família sobre as refeições e narram, em códigos, a saga para perder peso, o que inclui vômitos, o uso de laxantes e remédios emagrecedores – todas essas práticas prejudiciais à saúde.

Grupos ligados à anorexia e bulimia no WhatsApp promovem mutirões de jejuns de longas horas. “Todas unidas com um único propósito, foco no NF (no food), foco na beleza, rumo à magreza extrema. Rumo à perfeição”, dizia a descrição de um deles, com 257 participantes de várias partes do Brasil e até do exterior. “Tenho 12 anos. Já fico preocupada com meu peso há um tempo”, disse uma delas. “No meu caso, (a anorexia) começou bem cedo, tipo com 9, 10 anos”, comentou outra.

Para a psicóloga e psicanalista Patrícia Jacobsohn, que pesquisa a interface dos transtornos com a internet, likes na rede funcionam como recompensas. “Sites pró-anorexia reforçam condutas inadequadas e perigosas, postuladas como estilos de vida, o que retarda o diagnóstico e prejudica o bom prognóstico.” Casos de transtornos alimentares, diz, têm chegado mais graves ao consultório.

Contra a propagação de dietas que prometem resultados rápidos, o Conselho Federal de Nutrição (CFN) proibiu em 2018 fotos de “antes e depois” de pacientes e profissionais. “Os corpos são diferentes e fatores influenciam a estrutura – da genética até onde você mora. Não pode padronizar”, diz a conselheira Vanille Pessoa. “Quando vemos um corpo magro (em fotos), não sabemos o percurso.” O CFN recebe denúncias de propagandas de nutricionistas nas redes.

Já o controle sobre o que é divulgado por pessoas sem formação fica a cargo de usuários e plataformas. Em nota, Twitter e Instagram disseram que o conteúdo que promove distúrbios alimentares viola regras de uso das redes. “Usamos ferramentas e tecnologias, desde o botão de denúncia de conteúdo no próprio aplicativo até inteligência artificial, para ajudar a identificá-los e removê-los”, diz o Instagram. Procurados, Google e WhatsApp não se manifestaram.

Preste Atenção

Sinais

Os pais devem ficar atentos a mudanças bruscas no comportamento, quando a criança fica retraída e há perda radical de peso.

Comida no prato

É importante observar mudanças nas refeições, como cortar a comida em pedaços muito pequenos ou espalhá-la no prato.

Críticas

Comentários críticos sobre o corpo do filho ou dos pais podem aumentar a insatisfação corporal.

Evite dietas

Se há preocupação com o ganho de peso, o ideal é buscar orientação médica e nutricional e evitar impor dietas restritivas.

Vida digital

Acompanhe a vida digital da criança e do adolescente. É importante conhecer quem eles seguem e orientá-los sobre referências que julgar prejudiciais.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.