Não há outra prioridade na Esplanada dos Ministérios, nos corredores do Planalto e nas cercanias brasilienses do poder que não a de aumentar gastos para atender ao insaciável apetite do mandatário e de seus aliados na conquista de eleitores para vencer a disputa nas urnas em 2022. Nesse sentido, vale tudo. Até deixar o mais tremendo rombo fiscal e de calotes que se tem notícia em história recente da República. E o arranjo com esse objetivo já está em plena execução. Como última artimanha que amplia o curto cobertor dos recursos, o governo fez uma ardilosa atualização das projeções do que considera “espaço fiscal” para torrar o dinheiro público. Chegou à conclusão de que há R$ 106,1 bilhões em verbas extras — caso, naturalmente, a PEC dos Precatórios passe no Senado, como é o esperado. A estimativa anterior era de R$ 91,5 bilhões, mas nada como uma espécie de nova pedalagem para rearrumar os números. E vamos a eles: pelas contas do Ministério da Economia, existirá recurso suficiente para destinar os R$ 51,1 bilhões necessários ao novo Auxílio Brasil. E como isso será possível? Via atualização da expectativa de inflação sobre o rendimento do dinheiro alocado, algo na casa (sempre pelo cálculo dos técnicos do Executivo) de 9,7%. O secretário especial de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago, disse em uma audiência pública do Senado dias atrás que a gambiarra no teto de gastos garantirá sim espaço fiscal da ordem de R$ 62,2 bilhões, somado ao adiamento do pagamento de precatórios na casa de R$ 43,9 bilhões. É sabido que a lei do teto estabelece como premissa que a despesa de cada ano deve se limitar à do ano anterior, mais a correção inflacionária acumulada até o fim do semestre (entre junho e julho). O governo, apesar disso, viu uma brecha legal e quer alterar esse período, alargando seu prazo e considerando o acumulado entre janeiro e dezembro do ano em exercício. Com a virada, o governo almeja usar cerca de R$ 48,6 bilhões para bancar o aumento de despesas primárias obrigatórias. Sendo R$ 33,2 bilhões em benefícios previdenciários, abono salarial e seguro desemprego. Outros R$ 6,8 bilhões na correção dos valores da Saúde e da Educação. Mais R$ 4,4 bilhões a serem destinados a emendas impositivas e despesas extras. R$ 2,7 bilhões para demais poderes e — como cereja do bolo — uma continha de R$ 1,5 bilhão para cobrir aumento com despesas de pessoal. Nesse aporte está considerada uma eventual correção para servidores públicos — preferencialmente militares, como deseja o presidente Bolsonaro. É o que se pode chamar efetivamente de farra com o dinheiro alheio. Um montante inicialmente já comprometido com pendências junto a credores é desviado para outros fins, incorporando inclusive mudanças sugeridas por congressistas aliados. Em paralelo, o governo reduziu as projeções estimadas de rombo nas contas públicas — de R$ 139,4 bilhões para R$ 95,8 bilhões em 2021. Também não era para menos. Com a tungada nos recursos alheios, a dívida pública deve chegar a 81,7% até o final do ano. O resultado primário ficará negativo em R$ 49,6 bilhões. Tudo faz parte da contabilidade criativa, para “inglês ver”. No fundo, a realidade dos números é bem menos alvissareira. O Ministério da Economia está em uma verdadeira batalha de expectativas com o mercado em torno do cenário esperado para o PIB no ano que vem. Enquanto o time do ministro Paulo Guedes insiste numa previsão de crescimento na casa de 2% (fez apenas um tímido ajuste na expectativa, de 2,5% para 2,1%), a mediana coletada no Focus do Banco Central já caiu para 0,7% e muitos enxergam risco de recessão no ano eleitoral. Guedes contesta veementemente o que chama de “negativismo interesseiro”. Saindo do campo meramente técnico para o político, o ministro tem reclamado que muitas instituições, com essas apostas em viés de baixa, estão buscando “afetar as eleições” e erram ao projetar uma paralisia econômica. O momento atual lembra o que ocorreu em meados do ano passado, quando o boletim Focus migrou para projeções de quedas maiores e a pasta do “Posto Ipiranga” saiu a apagar incêndios. Resta ver agora quem irá ganhar a queda de braço das estimativas. É notório que o nível da atividade econômica está perdendo ritmo. A grande incógnita é sobre o tamanho da desaceleração daqui por diante e se ela levará a um quadro recessivo. Mas que a queda é inevitável, disso não pairam dúvidas.

Carlos José Marques Diretor editorial