EDITORIAL SEM IMAG.jpg

Seja em encontros empresariais, nas raras aparições públicas ou até mesmo nos campos de pólo ? esporte que ele pratica com freqüência na cidade de Indaiatuba (SP) ?, há sempre alguém disposto, ainda hoje, a fazer o inevitável comentário: ?Lá vai o irmão do Ricardo Mansur?. Pronto. É a senha para tirar Carlos Alberto do sério. Durante boa parte de sua trajetória, o irmão mais novo de Ricardo teve de aceitar o papel de coadjuvante no clã. Ricardo era visto pela família como habilidoso negociador, homem de visão privilegiada e contatos preciosos. E Carlinhos? Ah, Carlinhos era o parceiro ideal para o irmão: discreto, cuidadoso, alguém que ficaria à sombra sem rivalizar com Ricardo. Passados mais de 30 anos do primeiro negócio ? uma papelaria herdada do pai no centro de São Paulo ?, o figurante acabou levando o papel principal. Ricardo, hoje, coleciona pilhas de processos judiciais e por precaução vive fora do Brasil ? resultado das trapalhadas no varejo e da sua frustrada tentativa de montar um império unindo Mappin e Mesbla. Carlos Alberto, ao contrário, preferiu a cautela à megalomania e trabalhou firme na expansão da Vigor, empresa do setor de laticínios, conseguindo se destacar num ambiente dominado por multinacionais. Resultado: atraiu a cobiça de companhias internacionais. No momento, o empresário costura um milionário contrato com a maior exportadora de leite do mundo, a New Zealand Dairy Board. Os neozelandeses querem o controle da Vigor e estão dispostos a pagar R$ 150 milhões, segundo avaliação de analistas de mercado.

?Estamos negociando com a empresa?, disse Neville Maatin, gerente global de comunicação da New Zealand, em entrevista à DINHEIRO. ?Nossa estratégia envolve aquisições em alguns países selecionados dentro da América Latina. E o Brasil é um deles.? Não é à toa que a companhia vem, nos últimos anos, conquistando territórios na região. Já comprou no Chile uma empresa que pertencia à Nestlé, adquiriu na Venezuela a Cadipro e está negociando a Conaprole no Uruguai. ?Estamos entrando com força?, afirmou Maatin. No negócio com a Vigor, o grupo neozelandês levaria o controle, ao adquirir 51% de participação. Carlos Alberto detém, atualmente, 75% da empresa brasileira, através da holding CM Indústria e Comércio. Os R$ 150 milhões englobariam o valor de mercado da companhia, além da parte da dívida de longo prazo, estimada em R$ 100 milhões. Cacife a NZBD tem. É uma cooperativa formada por oito produtores da Oceania e fatura US$ 4 bilhões anuais, sendo US$ 2,5 bilhões somente com exportações (leia quadro).

Apesar dos planos da companhia neozelandesa, Carlos Alberto Mansur prefere, como sempre, o silêncio. Procurado pela DINHEIRO, o empresário recusou-se a comentar a negociação e privou qualquer executivo do grupo de falar em nome da Vigor. Trabalhando dessa forma, mineiramente, este descendente de libaneses transformou a companhia em uma concorrente respeitada por gigantes como Parmalat, Nestlé e Danone. Carlos Alberto fez corretamente o que os analistas chamam de lição de casa. Investiu na ampliação de fábricas, modernizou a distribuição, reforçou o marketing e diversificou a linha de produtos. As empresas do grupo, Vigor, Leco, Danúbio, Flor da Nata e a ROB (Refino de Óleos Brasil), produzem desde leite pasteurizado, iogurtes, queijos e manteiga até vitaminas e derivados de soja. Carlos Alberto também montou um banco, o Industrial Brasileiro. A instituição nasceu em 1998 e já no ano seguinte registrou lucro de R$ 15 milhões e rentabilidade de 20%, dentro da média do sistema financeiro. O banco de Carlos tem apenas uma agência, mas já acumula ativos de R$ 343 milhões. ?Instituições como essa, se bem geridas, costumam ser muito rentáveis?, diz Alberto Borges Matias, sócio da Austin Risk, especializada em análise financeira. Para os clientes que ousavam perguntar, Carlos Alberto sempre fez questão de dizer que não sabia dos negócios do irmão. Boa medida. Os bancos United e Crefisul que pertenceram a Ricardo foram liquidados pelo Banco Central.

Além da saúde do banco, os números da Vigor também animam o mercado. ?A empresa está, digamos, porreta?, resume, sem a menor cerimônia, Maria Ângela Conrado, sócia-diretora da Simonsen Consultoria Empresarial. O entusiasmo começa com as vendas. A companhia que era dona, em 1998, de um faturamento de R$ 438 milhões, chegou ao patamar de R$ 503 milhões no ano passado. No primeiro semestre de 2000, já ultrapassou a marca dos R$ 250 milhões. Em 1999, a empresa entrou na seleta lista de companhias que obtêm o aval dos Estados Unidos para o lançamento de ADRs. Além dela, conseguiram o mesmo feito nomes como Gerdau, Embraer e Suzano. ?Só uma companhia com situação financeira confortável poderia conseguir isso?, avalia a consultora.

Os elogios também passam pelo alto índice de liqüidez. O endividamento da Vigor chega a R$ 100 milhões, mas os ativos circulantes (a soma de capital disponível, duplicatas a receber e estoque) totalizam R$ 205 milhões. ?Quer dizer, para cada R$ 1,00 que deve, ela tem R$ 2,00 em caixa para pagar?, explica Maria Ângela. As dívidas nasceram do ímpeto com que a Vigor se lançou aos investimentos. Nos últimos cinco anos, a empresa aplicou mais de R$ 100 milhões na parte industrial e no lançamento de produtos. Grande parte deste capital veio do mercado financeiro internacional. Mas convencer os banqueiros a repassar recursos para a Vigor não foi nada fácil. ?O sobrenome atrapalha, pois os grandes credores consideram que o risco é maior?, conta um ex-executivo da área de laticínios. ?O custo do crédito concedido à Vigor sempre foi mais alto do que para os demais.?

Mesmo os prejuízos registrados em 1999, de R$ 8 milhões, e nos primeiros seis meses de 2000, R$ 4,6 milhões, não comprometem o desempenho da Vigor. Essa é a opinião de Flávio Batistella, analista da consultoria financeira Lafis. ?A empresa tende a se recuperar rapidamente.? A companhia considera que os resultados negativos foram conseqüência de uma situação conjuntural desfavorável, que deverá se reverter no segundo semestre de 2000. No ano passado, a justificativa foi a desvalorização cambial. Já neste ano, a escassez de leite em virtude da seca que atingiu os pastos do Sudeste, principal região de atuação da Vigor, atrapalhou os planos de ampliação da produção.

A história de Carlos Alberto se distancia cada vez mais da trajetória do irmão. Os dois começaram juntos na papelaria herdada do pai no centro de São Paulo, e continuaram unidos em outros pequenos negócios. Durante muitos anos, alimentaram a fome de vencer comprando e vendendo empresas. Até que adquiriram a Vigor da família Jordan em 1968. Carlos Alberto preferiu parar ali, construindo uma empresa sólida. Ricardo queria mais, se aventurou no varejo e deu no que deu. Hoje, entre os concorrentes, a percepção em relação aos dois é clara. ?Não há confusão. O presidente da Vigor é competente?, relata um ex-empresário do setor de laticínios, que preferiu não se identificar. Até a negociação com uma companhia internacional é encarada pelos rivais como prêmio ao desempenho da Vigor. O irmão mais novo de Ricardo, que nunca quis provar nada a ninguém, saboreia, sempre em silêncio, o título de ?Mansur que deu certo?. Pelo menos até o momento.