Quando a filial brasileira da montadora italiana Fiat decidiu convidar os internautas para criar o carro Mio (Meu, em italiano), ela rompeu com uma tradição fortemente enraizada na indústria automobilística. Tradicionalmente, as empresas do setor escondem a sete chaves o desenvolvimento de um novo modelo, que só é revelado com toda a pompa no seu lançamento. “Estamos invertendo esse processo”, afirma João Ciaco, diretor de marketing da companhia no Brasil e um dos idealizadores do projeto. A empresa foi buscar fora de seus muros a inspiração para o difícil processo de inovar. A conclusão desse projeto poderá ser vista no Salão Internacional do Automóvel, que começa em 27 de outubro, em São Paulo. 

 

Na ocasião, a empresa mostrará um carro- conceito desenvolvido com mais de dez mil ideias e sugestões dos consumidores. “O desafio foi interpretar de maneira coerente o que era sugerido”, diz Júnia Cerceau, gestora de produtos Fiat. O que a Fiat fez foi usar o poder da multidão para ajudar a desenvolver um produto. Essa é uma tática cada vez mais utilizada por grandes companhias para conseguir entender o que vai pela cabeça de seus consumidores. 

 

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João Ciaco: no próximo Salão do Automóvel, em SP, o Mio será apresentado. 
O carro rompe com uma tradição de segredos da indústria automobilística

 

O método é chamado em inglês de crowdsourcing. A prática já existia antes da internet, mas foi graças à rede e a seus quase dois bilhões de usuários, que ela encontrou terreno fértil para se popularizar. “Qualquer empresa que busca inovar pode usar o crowdsourcing”, afirma Anderson Rossi, pesquisador do Núcleo de Inovação da Fundação Dom Cabral. “As empresas que melhor souberem tirar proveito dessa ferramenta terão capacidade de inovação infinita.” 

 

Outra vantagem do crowdsourcing é que boa parte das empresas que recorre à estratégia não remunera os participantes, como é o caso da Fiat. Já outras companhias premiam as melhores sugestões, mas sabem que esse é um caminho mais econômico do que a manutenção de grandes equipes internas ou a contratação de uma consultoria. 

 

O termo crowdsourcing foi cunhado, em 2006, pelo jornalista Jeff Howe, da revista norte-americana Wired, uma das mais respeitadas na cobertura de tendências e tecnologia. “Uma profunda mudança está a caminho”, profetizava Howe. Passados quatro anos, a adesão de empresas ao crowdsourcing só cresceu, bem como os resultados obtidos são mais claros. 

 

O desafio no caso da Fiat será provar que o legado do Mio é maior do que apenas um carro-conceito moderninho. Ela terá também que desmentir o fundador da Ford, Henry Ford, que disse que se tivesse perguntado, no início do século XX, o que os consumidores queriam, ele teria feito “um cavalo mais rápido”. Ao contrário, criou o modelo T e mudou a história da indústria automobilística.

 

 

Por dentro do Mio:

 

Depois de analisar mais de dez mil sugestões, a Fiat chegou a um carro urbano, compacto, com convergência de mídias, fácil de estacionar e com emissão zero de poluentes

 

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Vidros: com intensidade variável, para escurecer ou clarear de acordo com a luz ambiente

 

Estacionar: além de pequeno, o veículo trará tecnologias que facilitarão 

o estacionamento

 

Ponto cego: o design é minimalista, com uma grande área envidraçada que 

evita pontos cegos

 

Direção passiva: piloto automático para o motorista aproveitar melhor o tempo no carro. A direção é retrátil

 

Poluentes: o motor elétrico foi escolhido para garantir a baixa emissão de gases

 

Energia própria: capacidade de gerar energia (via captação solar, eólica ou KERS, igual ao da F-1) não está descartada

 

 

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Empresas que estão obtendo bons resultados com o poder das multidões

 

Camisetaria – qualquer um pode criar uma estampa de camiseta e enviar para o site. Um concurso permanente escolhe as melhores. A empresa remunera os designers eleitos. Como são os próprios clientes que decidem, poucas são as peças não vendidas.

 

Facebook – a rede social pediu a ajuda de seus usuários para traduzi-lo. Em um ano lançou versões em mais de 70 idiomas diferentes, inclusive o português, sem gastar um tostão.

 

Netflix – a locadora online americana entregou um prêmio de US$ 1 milhão aos vencedores do concurso que tinha como objetivo analisar o histórico de 500 mil assinantes e melhorar a precisão do software de recomendação da empresa em pelo menos 10%.

 

Starbucks – a rede de cafés criou uma comunidade online para que os consumidores fizessem sugestões. Um café gelado à base de soja, que já está nas lojas, foi um dos conselhos.

 

Whirlpool – a filial brasileira organiza um concurso de inovação para estudantes de design e engenharia. No ano passado, o primeiro lugar foi para uma tecnologia capaz de trazer economia de até 50% na quantidade de água utilizada pelas máquinas de lavar.