Uma das lideranças da MRV, incorporadora mineira com valor de mercado de R$ 8,7 bilhões, Eduardo Fischer investe em imóveis que atendem às novas tendências de consumo, com áreas verdes, conectividade e fontes de energia renováveis

Aos 46 anos, Eduardo Fischer é um dos principais nomes por trás do sucesso da incorporadora mineira MRV Engenharia. Desde março de 2014, o executivo divide a gestão da empresa com seu primo, Rafael Menin. Formado em engenharia civil e com MBA em finanças pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), Fischer iniciou sua atuação na construtora como estagiário e posteriormente ocupou os cargos de engenheiro de obras, coordenador de obras e diretor de produção. Hoje, ele é o principal responsável pela estratégia de expansão da companhia em São Paulo e no Sul do País. Para Fischer, estamos prestes a viver um novo boom imobiliário. “Estamos preparando a companhia para explorar a explosão de demanda que virá no mercado brasileiro de imóveis”, diz.

DINHEIRO ­— Fatores como a liberação do FGTS inativo, baixa taxa de juros e retomada do emprego devem ajudar na retomada do consumo em diversos setores. Isso pode favorecer também
o mercado imobiliário?
Eduardo fischer – Sim. Já está acontecendo, mas em São Paulo primeiro. Volta e meia, me perguntam como está a demanda no Brasil. Eu digo que o problema nunca foi demanda de imóveis. O crédito é o problema, não a demanda. Vivemos, hoje, um momento histórico no Brasil. Acho que ainda não entendemos a magnitude disso. Naquele famoso boom imobiliário de 2010, a taxa de juros girava acima de 10%, mas a demanda era tão grande que, mesmo assim, o mercado explodiu. Imagina essa mesma situação com a taxa de juros que nós temos hoje. O potencial desse negócio é enorme, porque existe uma demanda muito forte. A cada dez anos, formam-se mais de 1 milhão de famílias no Brasil. Existe um buraco de demanda, fora o déficit habitacional de 7,7 milhões de pessoas que não têm uma casa própria. Ou seja, se traçarmos esse paralelo com o que aconteceu há nove anos no setor imobiliário, com uma taxa de juros mais alta, o mercado tem tudo para ser um caminhão sem freio.

Em setembro, a MRV finalizou a aquisição da incorporadora americana AHS Residential, por US$ 235 milhões. Como será a expansão dessa marca?
A AHS é uma companhia fundada pelo Rubens Menin, em 2012. Ela tem o jeitão MRV de ser e atua num mercado que nós chamamos de workforce, que seria o segmento de imóveis para a população de baixa renda. Mas ela tem uma diferenciação importante, que é trabalhar forte com locação, algo que nós começamos a trazer para o Brasil, por meio da bandeira Luggo. Ela compra o terreno, constrói e aluga. Estamos importando esse conceito. A AHS nasceu na Flórida e agora, com o suporte da MRV, está expandindo para o Texas e para a Georgia. Inicialmente, vamos investir nas regiões onde há maior demanda habitacional. Assim como no Brasil, a habitação virou um grande problema social nos Estados Unidos. Hoje,
a classe média americana já não tem mais o poder de compra necessário para adquirir um imóvel ou, até mesmo, para alugar em determinadas regiões. Califórnia
e Nova York são bons exemplos disso.

A MRV e a AHS Residential trabalham em segmentos parecidos. Isso ajuda?
Muito. O processo construtivo é semelhante. O produto é igual. O DNA é o mesmo. Nós já estamos começando a fazer transferências de pessoas para lá, para aproveitar um dos nossos principais ativos, que são as pessoas. Ou seja, um negócio ajuda o outro. A AHS também ganha cada vez mais robustez nos Estados Unidos e cresce a uma velocidade muito mais rápida do que antes. Estamos contribuindo com o nosso conhecimento de trabalhar em escala e em diferentes regiões, como fazemos no Brasil.

“Valorizar áreas verdes é uma das nossas iniciativas. Investimos para ajudar o meio ambiente e gerar economia para o cliente” (Crédito:Divulgação)

Como a lei do distrato ajudou os negócios da MRV ao longo de 2019?
A lei do distrato não influencia diretamente a MRV, porque nós atuamos com o mercado de habitação para a população de baixa renda. Apesar disso, o distrato devastou o nosso setor nos últimos anos. Enquanto o incorporador pegava financiamento em bancos para poder construir, pagando juros que, no início da década, estavam em 12%, o comprador muitas vezes investia 20% do valor do apartamento, pagava isso durante três anos, e aproveitava a valorização do empreendimento para revender depois. Muitos se deram bem atuando dessa forma, entre 2009 e 2011. Mas quando a curva virou, a partir de 2014, o comprador muitas vezes desistia do imóvel e solicitava o reembolso à vista e com valores corrigidos. Isso acabou desmontando o mercado e quebrou empresas. O que o setor exigia era mudar esse mecanismo perverso. Agora, o mercado está regulamentado. E essa questão foi muito bem lembrada, porque nós temos indicadores macroeconômicos melhores, uma condição de crédito nunca antes vista no Brasil e um marco regulatório justo. Ou seja, o mercado tem tudo para decolar. A demanda está gigante em todas as áreas, tanto no mercado para população de baixa renda quanto para a população de média ou de alta renda. Estou otimista.

A falta de segurança e as casas irregulares acabam ajudando o seu negócio?
A segurança no Brasil é sempre uma demanda, infelizmente. Todos se sentem inseguros. Hoje, as pessoas têm receio até de deixar os filhos na escola. Não há quem não sofra com isso no Brasil. Vimos casos de pessoas que moram em periferias e pagam aluguel de R$ 300 a R$ 400 ao mês para viver em uma situação precária, num ambiente que muitas vezes é insalubre. Muitos nem sabem que podem pagar R$ 500 ou R$ 600 de prestação para morar num imóvel regular, dentro do meio urbano, com acesso a transporte. Eu acho que a população vai buscar mais isso. É um movimento inescapável.

A MRV cresceu 18,9% em receita e 9,5% no lucro bruto, de janeiro a setembro, mas viu indicadores, como margem de lucro e geração de caixa, diminuírem. O que houve?
Investimos muito em terreno, pensando em crescimento. Fizemos isso para poder aumentar o volume de lançamentos de produtos com funding do SBPE e para a Luggo. Basicamente, é isso.

Quais serão os planos da MRV para fazer a startup de locação Luggo ganhar mercado?
A Luggo surgiu de uma inquietação nossa. Estamos olhando para a mudança de comportamento do consumidor. O que irá acontecer em 2030? Será que uma boa parte da população vai querer só locar? Se for isso, nós vamos ter muito mais lucro do que imaginávamos quando começamos esse negócio. Estamos à frente da concorrência, com um negócio verticalizado e que oferece para o cliente o melhor serviço de experiência possível. Acredito que a Luggo tem o potencial para ser o nosso negócio que terá a curva de crescimento mais rápida.

Hoje, uma das tendências do setor imobiliário é trabalhar com empreendimentos que valorizem áreas verdes. Nesse sentido, a MRV conta com as linhas Bio e Garden. Quais são os planos de expansão para elas?
A MRV faz parte do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3 há quatro anos. Valorizar as áreas verdes é uma das nossas iniciativas, mas há outras também, como a economia de água e de resíduos na construção. Hoje, os clientes estão começando a exigir isso. Também estamos investindo em energia solar e fotovoltaica, o que vai nos permitir ajudar o meio ambiente e gerar economia na ponta para o consumidor. E toda a indústria deve caminhar para essa direção. Esse será o novo normal.

O investimento em energias renováveis é um caminho sem volta?
O Brasil está há cinco anos sem crescer. Há alguns anos, passamos por momentos em que se falava até em apagão de energia. Isso era ainda na época do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Apesar de ter sido feita a Usina de Belo Monte, a população continua crescendo, a indústria voltará a crescer e nós vamos precisar de mais energia para suportar isso. Temos feito dois tipos de esforços. O primeiro é investir em energia fotovoltaica. Além disso, já temos contratadas cinco plantas de energia solar. A primeira será inaugurada daqui a dois meses, em Uberaba (MG). Teremos outras em Sertãozinho (SP), em Curitiba (PR), na Bahia e no Centro-Oeste. Com isso, nós vamos gerar energia para os empreendimentos e para os nossos estandes de venda. Ou seja, vamos zerar o consumo de energia. Para nós, esse é um investimento que faz todo o sentido, tanto é que estamos investindo dezenas de milhões de reais nesses parques e em nossos prédios. Então, sim, esse é um caminho sem volta.

“Vamos investir em energia fotovoltaica e já temos contratadas cinco plantas de energia solar. Esse é um caminho sem volta” (Crédito:Divulgação)

Como serão as cidades inteligentes do futuro no Brasil?
A fiação vai acabar. O saneamento básico ainda é um problema sério e que demanda investimento público pesado. Agora, com as PPPs de saneamento, começa a se abrir uma janela para o futuro. Você pega um estado que hoje não tem uma situação fiscal que lhe permite investimento e traz alguém do setor privado para fazer isso.
É uma excelente solução. Pensando em smart cities, um pouco do que nós trabalhamos é em bairros projetados inteiramente com cabeamento subterrâneo, além de Wi-Fi em áreas públicas e energia fotovoltaica. Além disso, conforme
a tecnologia for melhorando, com o 5G, teremos uma evolução muito rápida e que será guiada pela iniciativa privada. A Luggo já nasce com essa mentalidade.

O que a MRV faz para valorizar mais a relação com clientes?
Percebemos que, depois de construir e entregar as chaves para os clientes, nossa relação começava a se desgastar. Mas isso não pode acontecer, porque ele ainda tem de usar o meu produto por 15 a 20 anos. Antigamente, esse cliente sumia da nossa vida. Ocorre que o cliente da MRV não é apenas uma pessoa. É uma família inteira, que tem um poder de consumo muito grande. É um cliente que pode usar o meu produto 12 horas ao dia. E nós não explorávamos isso. Por isso, buscamos alternativas, como a criação de um marketplace próprio. Hoje, já temos 21 parceiros. Nós lançamos há um ano e ele está crescendo. Investimentos em energia solar para que todos tenham um mecanismo para abater suas contas, além de poupar o meio ambiente. Com isso, nós conseguimos criar um relacionamento importante. Hoje, eu não estou preocupado com impressão 3D de projetos. A tecnologia é algo importante. Mas estamos mais preocupados com a mudança de comportamento do cliente do que com a mudança de tecnologia na construção.

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