A recessão e a estagnação econômica dos últimos sete anos vão cobrar um preço alto dos brasileiros de todas as camadas sociais. De 2014 a 2020 o Produto Interno Bruto (PIB) per capita deve encolher 11,3% — indo de cerca de R$ 8,5 mil anuais para perto de R$ 7,5 mil. Os dados fazem parte de uma pesquisa da LCA Consultoria e evidenciam que, mais do que a recessão de 2015-16, a falta de capacidade de reação da atividade brasileira após 2016 travou qualquer ascensão de classe social e colocou como única opção para brasileiros de diversas faixas de renda descer na pirâmide econômica.

Responsável pelo estudo, o economista da LCA Cosmo Donato lembra que essa queda no PIB per capita se deu no mesmo período em que a média mundial de crescimento foi de 4%. “É preciso levar em conta também o que o País deixou de crescer, sobretudo na comparação com os emergentes. O buraco é mais embaixo”, disse. Para chegar a esse número a LCA usou como base os dados de produção de riqueza do Brasil, compilado pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), divididos pela população.

E muito foram os vilões que contribuíram para que esse dado tão negativo se formasse. No triênio 2014 (+0,5%), 2015 (-3,5%) e 2016 (-3,3%) o Brasil mergulhou em uma recessão econômica que envolvia disfunções macroeconômicas graves da gestão da presidente Dilma Rousseff e um conturbado período político que impedia qualquer chance de reação no curto prazo. Após o impeachment em 2016, esperava-se que uma reação pujante visse pelas mãos da equipe econômica montada pelo então presidente Michel Temer, que tinha como ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Só que o PIB não cresceu. Após dois anos de avanço pífio (de 1,3% em 2017 e novamente 1,3% em 2018), o atual presidente Jair Bolsonaro assumiu a direção de um carro que andava pouco. Em 2019 a tão esperada elevação ficou inferior ao biênio Temer: 1,1%. O que não estava nos planos era uma pandemia que derrubasse a atividade e tirasse a capacidade de produção de riquezas dos cidadãos e das empresas.

Para Carlos Santóia, economista e professor de gestão de políticas públicas da Universidade Federal do ABC, o tombo entre 2014 e 2016 no PIB – que girou em torno de 7% – só foi parcialmente recuperado até 2019, o que torna o ano de 2020 ainda problemático. “É possível que voltemos ao patamar de quatro ou cinco anos atrás”, afirmou. Ele tem razão. Segundo o relatório Focus, do Banco Central, o PIB brasileiro deve encolher 5,77% neste ano, levando as riquezas brasileiras ao nível de 2016.

Divulgação

“O País deixou de crescer nos últimos anos, principalmente quando comparamos com os outros emergentes. No Brasil, o buraco é mais embaixo” Cosmo Donato Economista da LCA.

O economista Fernando Vasconcellos, que integrava a equipe econômica que formulou o Bolsa Família durante o governo Lula entende que a transferência de renda, por si só, não diminui a desigualdade social do Brasil nem sustenta um avanço mais bruto do PIB. “É preciso entender o contexto de um beneficio social. Se for motor para o desenvolvimento humano, e ajudar a incluir mais pessoas no mercado consumidor e de trabalho, ele funciona”, disse. “Se for para alimentação, ele é só uma medida paliativa para evitar que as pessoas morram de fome.”

Dentro desse cenário, o auxílio emergencial de R$ 600 pago pelo governo federal aos brasileiros que perderam renda durante a pandemia precisa ter um caráter temporário, a menos que sua extensão seja acompanhada de outras políticas públicas. “É preciso estimular o emprego, a formação de mão de obra, o crédito imobiliário”, disse. “Quando oferecemos um recurso para a base da pirâmide social precisamos dar condições para que ela suba.”

Esse trânsito social, que entre 2002 e 2013 era reforçado por programas como o Minha Casa Minha Vida, o Fies (educação) e a liberação excessiva de crédito fez com que o número de brasileiros que integrassem a classe média saltasse de 38% para 52% da população – inclusão de cerca de 35 milhões de pessoas à nova classe média.

Como resultado, parte da classe C consolidada desde os anos 1990 conseguiu migrar para as classes A e B se apoiando em um mercado consumidor em franca expansão. Com essa nova dinâmica social, o número de pessoas nas classes mais abastadas também subiu, de 24,2% em 2009 para 27,5% em 2014. Essa alta era sustentada apenas no consumo, sem uma base sólida. Quando ele recuou, o tombo veio para todos. Os novos ricos voltaram para a classe média, e parte da classe dela retornou à base da pirâmide.

TRABALHO E o que divide a classe E da pobreza é algo que está em falta no Brasil: emprego. Ainda que em 2019 uma leve melhora do mercado de trabalho tenha indicado que a retomada econômica estivesse em curso, a pandemia afastou qualquer otimismo. Na última semana de junho, 12,4 milhões de brasileiros estavam em busca de emprego, alta de 624 mil trabalhadores sem colocação na comparação com a semana imediatamente anterior. Para Maria Lúcia Vieira, coordenadora da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) o número revela a atual fragilidade econômica e acerta em cheio os brasileiros que mais necessitam de renda. “A população desocupada e em busca de ocupação aumentou 26%, em relação à primeira semana de maio”, afirmou. Com menos oferta de emprego, menor renda e mais receoso em contrair dívidas, o brasileiro de todas as classes sociais está mais pobre. Nenhuma pirâmide se sustenta sem base. Quando a parte de baixo se desintegra, o topo vai junto.