Desde o fim de setembro, os dias têm sido intensos no 18º andar do prédio comercial instalado na Avenida das Nações Unidas, zona Oeste de São Paulo. Nas salas e corredores que abrigam a sede da Gafisa, um novo condômino, velho conhecido do mercado financeiro, está por trás desse alvoroço. O sul-coreano Mu Hak You, colecionador de polêmicas como investidor em empresas como Saraiva e Marfrig, se tornou acionista majoritário da incorporadora, por meio de sua gestora de investimentos, a GWI. E passou a ditar as regras na operação. Depois de destituir o Conselho de Administração e assumir a presidência do colegiado, ele chegou a suspender o pagamento de fornecedores, fechou a filial do Rio de Janeiro e promoveu, entre outras medidas, uma severa onda de demissões. No processo, nenhum executivo do alto escalão foi poupado. Agora, ao que tudo indica, os reflexos dessa movimentação já estão alcançando os canteiros da Gafisa. Conforme apurou a DINHEIRO, a companhia está paralisando boa parte de suas obras na capital paulista, nos municípios do ABC e na região metropolitana de São Paulo. A suspensão, por prazo indeterminado, envolve dez dos quinze empreendimentos em construção do seu portfólio.

A lista inclui os seguintes projetos: Moov Freguesia, Moov Vila Prudente, Moov Brás, Like Alto da Boa Vista, Upside Pinheiros, Square Ipiranga, J330 Jardins, MN15 Ibirapuera, Moov Cerâmica (São Caetano do Sul) e Moov Parque Maia (Guarulhos). As cinco obras poupadas envolvem prédios residenciais que estão sendo construídos em parceria com sócios como a GTIS ou que estão em fase final de entrega. Essa relação compreende empreendimentos nos bairros paulistanos da Barra Funda, Santo Amaro e Aclimação, além de outros dois em Santos e Curitiba. Procurada, a Gafisa não quis se pronunciar.

Internamente, a comunicação oficial sobre as paralisações aconteceu na manhã da terça-feira 29. “A justificativa dada foi à falta de dinheiro em caixa”, diz uma fonte próxima à empresa, que ressalta o clima de incertezas na Gafisa. “Todos estão esperando o que vai acontecer. O mercado está aquecendo. Quem tem alguma proposta de emprego, não vai ficar na companhia.” Segundo Antonio de Sousa Ramalho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP), a informação já foi repassada ao pessoal da incorporadora nos canteiros e aos empreiteiros terceirizados. “Mas não há nada oficial, por escrito. Isso é simplesmente falado”, afirma. “Uma situação como essa tem um efeito cascata e traz riscos para toda a cadeia.” Ele estima que, entre vagas diretas e indiretas, cerca de 3 mil trabalhadores sejam afetados. O plano do sindicato é aguardar até o quinto dia útil de fevereiro para averiguar se os pagamentos referentes a janeiro serão realizados. Caso isso não aconteça, uma das alternativas na mesa é uma movimentação para que toda a mão de obra envolvida nos empreendimentos restantes cruze os braços.

ABAIXO DAS ESTIMATIVAS O cenário crítico para a Gafisa tem como pano de fundo a divulgação da prévia dos resultados referentes ao quarto trimestre de 2018 – o primeiro da nova gestão. Sob uma perspectiva de reaquecimento do setor, os números vieram abaixo das estimativas de analistas. Um dos pontos negativos ressaltados foram as vendas líquidas no período, no valor de R$ 95 milhões, o pior trimestre da companhia nesse indicador nos últimos dois anos, com uma queda de 22% na comparação com igual período de 2017. “Ainda consideramos a companhia uma opção de alto risco e vemos alternativas no setor com bom potencial e perfil de risco mais moderado”, escreveu a corretora Coinvalores, em relatório. Além de destacar as vendas moderadas de estoque, a alavancagem acima da média do segmento e a “reviravolta complexa” pela qual passa a empresa, o BTG Pactual ressaltou, o fato de a incorporadora ter lançado apenas um empreendimento entre outubro e dezembro. Ao mesmo tempo, outros três projetos foram adiados. “A empresa está praticamente parada, a parte de incorporação não anda e não houve nenhuma compra recente de terreno”, afirma uma fonte do setor.

Nos pouco mais de quatro meses à frente da Gafisa, boa parte do foco da nova gestão tem sido direcionada à redução de custos. Uma das medidas iniciais, os cortes na equipe diminuíram o quadro de 724 para 375 funcionários. Com essa frente, a expectativa é gerar uma economia anual de R$ 36 milhões. A partir da estrutura mais enxuta e em busca de um local mais barato, a empresa também prepara a mudança de sua sede, o que deve acontecer em abril. Segundo apurou a DINHEIRO, o Condomínio São Luiz, localizado no bairro da Vila Olímpia, em São Paulo, deve ser o novo endereço. O escritório atual, por sua vez, está no centro de outro problema.

Em risco?: ilustração artística da fachada do Upside Pinheiros, um dos empreendimentos do portfólio da Gafisa incluídos na lista de paralisações

A incorporadora enfrenta uma ação de despejo, no valor de R$ 3,9 milhões, por não pagar, deste outubro, o aluguel e o condomínio do imóvel. O processo envolve ainda uma indenização e a rescisão do contrato de locação. Mais do que um caso pontual, o imbróglio é fruto de uma política implementada por Mu Hak: a revisão de contratos e a eventual interrupção de pagamentos. Em 15 de outubro, a empresa suspendeu, por exemplo, os pagamentos de fornecedores. A medida, prevista para durar até 26 de novembro, foi cancelada em uma semana, depois de o Sintracon-SP ameaçar parar todos os canteiros da companhia.

Em meio às estratégias agressivas de corte de custos e das dificuldades financeiras, dois pontos, no entanto, despertaram a atenção do mercado. O primeiro deles é um programa de recompra de ações, aprovado no fim de setembro e praticamente já cumprido. Ou outro componente é o fato de a GWI ter elevado sua fatia na operação para 50,17%, em 22 de janeiro, o que abriu a possibilidade para que a gestora fizesse uma oferta pública de aquisição (OPA). Em resposta ao questionamento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o tema, a companhia afirmou que o processo não foi planejado e que aconteceu devido “às últimas movimentações do mercado”.

Na terça-feira 29, em novo fato relevante, a direção da incorporadora informou que a GWI reduziu sua participação para 49,94%. Diante do estilo polêmico de gestão de Mu Hak, o cenário ainda parece pouco claro para projetar qual será o futuro da Gafisa. “Ele parece ser uma versão sul-coreana do Jorge Paulo Lemann, que chega para cortar custos, enxugar a empresa, valorizá-la e vendê-la. No longo prazo, essas estratégias podem fazer sentido”, diz Shin Lai, analista da Upside Investor. “Mas essa postura muito agressiva e o fato dele ser um novato nesse mercado, assusta. E é um grande ponto de atenção.”