A era digital está transformando a indústria de uma forma mais profunda do que a maioria imagina. A opinião é de Rafael Santana, presidente da GE na América Latina, um colosso com operação em segmentos como aviação, energia e transporte. A possibilidade de extrair da tecnologia uma quantidade absurda de dados, aliada à capacidade de processamento dessas informações, trazem, segundo ele, imensos desafios e oportunidades. Em relação aos negócios, essa nova realidade promove um realinhamento da indústria, a partir de novos modelos de operação. “Nesse sentido, governo e iniciativa privada precisam repensar seu relacionamento e imaginar uma maneira diferente de comprar ativos e medir os resultados”, afirma o executivo. “Nessa nova ordem mundial, muitas empresas e até mercados inteiros ficarão pelo caminho, como os fabricantes de carroças do início do século 20, que viram seu negócio afundar em pouco mais de uma década diante da ascensão do motor a combustão e do veículo automotor.” No Brasil, há, ainda, uma questão a mais a ser pensada – como estancar os gargalos de infraestrutura e oferecer segurança jurídica aos empresários. Não será fácil, na opinião do executivo. Confira, a seguir, sua entrevista:

DINHEIRO – Qual é a expectativa da GE para a economia brasileira neste ano?

RAFAEL SANTANA – Continua ainda sendo um ano desafiador. Dentro disso, tentamos também desafiar a macroeconomia. A despeito de todos os obstáculos, conseguimos crescer 5% no ano passado, e estamos, de novo, com uma agenda positiva. A gente depende bastante de projetos de outras empresas. E, hoje, isso passa por participar do projeto com o cliente, e ajudar a criá-los. Estamos trabalhando duro para repensar nossos modelos de negócios de várias formas, em sintonia com os nossos clientes.

DINHEIRO – E como a GE tem conseguido ajudar clientes a criar soluções e projetos?

SANTANA – De infinitas formas. Nós temos mais de US$ 2 trilhões em ativos, em todo o mundo. Esses ativos são vendidos, por exemplo, com softwares e sensores. Temos, também, US$ 250 bilhões em contratos de serviços. Tudo, de alguma forma, ajuda a reduzir custos e otimizar processsos. Há alguns números que gosto de mencionar. Num voo comercial, apenas duas turbinas de um avião são capazes de gerar um terabyte de informações. E informação é riqueza. Agora, imagine isso num contexto de US$ 2 trilhões em ativos.

DINHEIRO – Pensando nos projetos de infraestrutura no Brasil, como aproximar essa nova realidade industrial das demandas do País?

SANTANA – Isso não vai acontecer de uma maneira retilínea e uniforme. É um pouco complexo, mas posso dar um exemplo. Numa planta de geração de energia, em que a gente costuma garantir um equipamento específico que opera 99,9% do tempo, é preciso entender que essa eficiência depende mais do que apenas um bom equipamento. Nesse ponto, você precisa repensar todos os modelos. Unir bons equipamentos com bons serviços. O cliente compra força e disponibilidade de energia, e não equipamento. E esse conceito, cujo exemplo que estou usando é de geração de energia, vale para diversos outros setores. Um ultrassom pode ser avaliado por números de exames. A ideia é chegar a um modelo no qual se paga pela utilização e as empresas são cobradas pela eficiência.

DINHEIRO – Isso se deve ao fato de que, por conta da revolução digital, é preciso medir a eficiência em tempo real?

SANTANA – Sim. Hoje eu tenho capacidade de monitorar o desempenho com diversos sensores e capacidade computacional para entender esses dados e sugerir mudanças nos processos. É preciso ter mais profundidade do que abrangência.

DINHEIRO – O sr. mencionou a quantidade enorme de dados que está sendo gerada por esses sensores. Como se processa essa informação?

SANTANA – É importante ter uma plataforma, um sistema operacional, que permita coletar e colocar esses dados numa mesma base. Outro ponto é ter a inteligência para desenvolver os algoritmos necessários para tratar essas informações. Vai chegar um ponto em que esse processo será automatizado. Hoje, não se tem tudo conectado de uma maneira que permita fazer isso.

DINHEIRO – Como incluir temas regulatórios, como sociais e ambientais?

SANTANA – Essa parte regulatória é um desafio. Precisamos fazer um trabalho com os governos e reguladores para que se tenha clareza e previsibilidade. Esse desafio não é exclusivo do Brasil. É comum à maioria dos países em que atuamos.

DINHEIRO – E como criar uma agenda conjunta entre indústria, ambientalistas e ativistas sociais?

SANTANA – A gente tem situações melhores ou piores dentro dos segmentos em que operamos. Trata-se de um desafio e de uma oportunidade para alinhar a cadeia em torno dos objetivos. A sociedade e os reguladores fazem parte dessa cadeia, que é bastante ampla.

DINHEIRO – E hoje se tem cada vez mais informações…

PASTORE – Perfeito. Dentro desse conceito, quando falamos de geração de energia, por exemplo, possuímos um portfólio bastante amplo para dar à sociedade uma perspectiva dos prós e contras de determinados tipos de soluções, visando satisfazer alguma demanda, qualquer que seja ela. Seja uma solução com térmica a gás, seja com eólica, que passe por hidro geração ou por nuclear, eu diria que temos um portfólio que permite traduzir de maneira bastante clara cada um dos benefícios e desafios das tecnologias.

Opinião do presidente da GE sobre os efeitos da operação Lava Jato, liderada pelo juiz Sérgio Moro (acima)
Opinião do presidente da GE sobre os efeitos da operação Lava Jato, liderada pelo juiz Sérgio Moro (Crédito:Guilherme Pupo)

DINHEIRO – Essa revolução industrial também não está causando uma revolução social, já que muitos empregos vão deixar de existir?

SANTANA – Uma revolução social positiva. Existe tanto espaço para tornar as pessoas mais produtivas que, acredito, ainda estamos a décadas de chegar ao ponto de, por exemplo, uma entrevista como esta ser feita por robôs, se que é isso um dia acontecerá. Seja como for, o aumento da produtividade é necessário e a gente vai ter de ter a inteligência para poder pensar essa transformação. Negar os benefícios disso, quando estamos tão atrasados no quesito competitividade, é um desserviço à sociedade.

DINHEIRO – Mas há um movimento, principalmente nos Estados Unidos, de barrar essa transformação…

SANTANA – Toda vez que a gente se depara com mudanças tecnológicas significativas, a resistência acontece. Trinta anos atrás, eu me lembro, havia o medo de que, com o computador, teríamos uma situação não administrável. Hoje, verificamos vários ganhos de produtividade. Na década de 1990, falávamos de 4% a 5% de ganho de produtividade anual na indústria. Nos últimos anos, estivemos na casa do 1%. Quanto se tem tecnologias melhores, como agora, isso se torna uma surpresa.

DINHEIRO – Estamos usando a tecnologia de forma errada, então?

SANTANA – Não acredito. Na verdade, estamos diante da quarta revolução industrial. É uma oportunidade para tornar pessoas e ativos mais produtivos e caminhar para outro patamar.

DINHEIRO – Isso vai acontecer em quanto tempo? Quando veremos os resultados dessa revolução?

SANTANA – Já está acontecendo. Gostaria de mostrar duas fotos. (Neste momento, o executivo apresenta duas imagens de Nova York. A primeira, em 1900, mostra o trânsito de carroças na cidade. Na segunda, 13 anos depois, no mesmo lugar, as carroças foram substituídas por automóveis). O que vamos observar é que a tecnologia vai mudar e nos surpreenderemos com a velocidade dessa transformação. Em 1900, um dos principais desafios de Nova York era como lidar com os dejetos dos cavalos. Existia toda uma cadeia que suportava esse ecossistema. Treze anos depois, essa cadeia era diferente. Garanto que ninguém, em 1900, imaginava esse cenário.

DINHEIRO – O sr. quer dizer que se não prestarmos atenção às transformações, quando perceber, será tarde demais?

SANTANA – Correto. Quando eu falo que liderar a inovação está no DNA da empresa, está bastante associado a isso. Se não formos capazes de liderar essa inovação, não seremos capazes de manter a empresa desse tamanho, como acontece há mais de um século. Esse processo não é perfeito e, muitas vezes, quando deparamos com a transformação, ela já aconteceu.

DINHEIRO – Quem são, hoje, os fabricantes de carroças?

SANTANA – Tem vários. Não vou citar nomes. Sendo humilde, nós mesmos somos, atualmente, fabricantes de carroças. Isso não está limitado ao equipamento. Ela é um modelo de negócio. É preciso entender o ecossistema e liderar essa transformação. Por isso, existem, hoje, vários fabricantes de carroças.

Presidente americano Donald Trump, eleito ao ouvir questões que há muito tempo não eram ouvidas nos EUA
Presidente americano Donald Trump, eleito ao ouvir questões que há muito tempo não eram ouvidas nos EUA (Crédito:AFP Photo/Jim Watson)

DINHEIRO – Isso está mais relacionado a um modo de pensar do que a produtos específicos?

SANTANA – Isso mesmo. É um modo de pensar e de desafiar modelos que tiveram muito sucesso por várias décadas e que têm de ser repensados e reconsiderados.

DINHEIRO – A eleição de Donald Trump é uma reação a essa quarta revolução industrial?

SANTANA – Acho que é um questionamento do ‘mais do mesmo’. A eleição de Trump é uma prova de que as pessoas estão sempre esperando por mudanças. Existe uma ansiedade para ser ouvido. Nos Estados Unidos, algumas questões econômicas e sociais não foram ouvidas durante um tempo significativo. É importante estarmos atentos a elas.

DINHEIRO – Isso faz a GE se repensar, de alguma forma?

SANTANA – Sim. Estamos aprendendo a ser globais, não deixando de ser locais, ao mesmo tempo. Quando olhamos para os últimos 15 anos, uma das grandes transformações foi como a gente se preparar para ter um modelo mais global, dentro desse contexto. Então, somos muito mais locais no Brasil. A gente é local, também, no México, na China, na Europa e nos Estados Unidos. É preciso se antecipar a essas transformações.

DINHEIRO – Como Trump afetou a GE?

SANTANA – Ainda está muito cedo para avaliar. Temos procurado trabalhar de forma pró-ativa com ele. Nossa abrangência dá uma boa perspectiva de como as mudanças vão afetar os ambientes em que operamos. Do ponto de vista de pessoas, a América Latina é uma das regiões mais importantes para a GE. Então, estamos bastante engajados em dar suporte aos governos na implementação das suas resoluções, quaisquer que sejam elas. Estamos muito engajados. Somos a favor da globalização.

DINHEIRO – A GE acredita em uma nova crise global nos próximos anos?

SANTANA – Está claro para nós um ambiente com taxas de crescimento menores do que no passado e uma volatilidade muito maior. Essa é a realidade, o que tem trazido diversos desafios econômicos e políticos. Estarmos preparados é o que a gente preza.

DINHEIRO – No Brasil, parece que o empresário, quando quer fazer negócios de forma correta, tem de remar contra a maré. Como mudar essa realidade, politicamente?

SANTANA – Devemos olhar para setores que temos interesse e nos dedicar a eles. Temos de ter foco. É fundamental pensar em setores, como o da aviação, e em como melhorar a competitividade nele, antes de pensar em todos os setores. E ter esse pensamento setorizado, estudando legislações mais eficientes, sejam fiscais ou trabalhistas, que permitam trabalhar um ecossistema em longo prazo, de maneira sustentável.

DINHEIRO – O sr. diria que o Brasil está sendo repensado em suas várias esferas, política, empresarial e social?

SANTANA – Com certeza. Existe uma questão de ética e compliance, que só temos a contribuir com o processo. Com o tamanho da GE, caso não existiram pilares muito fortes nesses temas, fica inviável. A honestidade tem de ser parte da cultura das empresas. Caso contrário, será inviável trabalhar. Fazemos negócios em mais de 180 países e encontramos níveis de maturidade diferentes na maioria deles. O que requer um controle ainda maior da nossa parte. Agora, quando se fala em repensar o Brasil, um dos esforços que temos feito é na questão da competitividade. Estamos passando por uma transformação digital global, que deve resultar em uma taxa de crescimento menor, muito mais volatilidade, instabilidade social, política e econômica. Mas, no final, toda essa mudança trará um resultado positivo.