A Justiça francesa reconheceu nesta quinta-feira (2), pela primeira vez, a responsabilidade do Estado no escândalo do medicamento Depakene e o condenou a indenizar três famílias, cujos filhos nasceram portadores de severas deficiências, após serem expostos a este antiepiléptico no período da gravidez.

O tribunal administrativo de Montreuil, ao leste de Paris, considerou que a empresa farmacêutica francesa Sanofi e os médicos que prescreveram esta medicação a mulheres grávidas também são responsáveis, ainda que em menor grau.

O Estado francês “não cumpriu seu dever de controle, ao não tomar as medidas apropriadas”, afirmou o tribunal, em uma declaração.

Com isso, o Estado francês deverá pagar uma indenização, com valores de cerca de 200.000 euros, 290.000 euros e 20.000 euros, a cada uma das três famílias que recorreram à Justiça para terem o reconhecimento da responsabilidade do Estado e das autoridades sanitárias que agem em seu nome.

As cinco crianças em questão, hoje com idades entre 11 e 35 anos, nasceram com má-formação, autismo, ou estrabismo, ou tiveram atrasos de desenvolvimento.

O valor da indenização varia em função da idade dos afetados.

Segundo diferentes estudos, de 15.000 a 30.000 crianças nasceram na França portadoras de deficiências por causa do valproato de sódio, uma molécula presente no Depakene e usada contra epilepsia e transtornos bipolares.

Quando uma mulher grávida toma esse medicamento, seu filho corre um alto risco –da ordem de 10%– de nascer com má formação, além de um risco maior de autismo e atrasos intelectuais e/ou motores, que podem afetar até 40% dos fetos.

– As famílias recorrerão –

“O erro do Estado foi apontado. Cometeu um erro na aplicação de sua política de saúde”, declarou Charles Joseph-Oudin, advogado das famílias, que recorrerão da decisão.

O motivo de sua insatisfação diz respeito ao caso de uma criança nascida em 1985, pela qual o tribunal considerou que o Estado francês não poderia ser responsável pelo seu transtorno de desenvolvimento neurológico, já que esse risco não era conhecido na época.

No entanto, o Estado foi declarado responsável pelos transtornos de desenvolvimento neurológico e pelas malformações de gravidez entre 2005 e 2008, quando os riscos do antiepiléptico já eram suficientemente conhecidos, explicou o advogado.

Durante uma audiência na quarta-feira passada, o assessor especialista do tribunal disse que o Estado conhecia os riscos de má formação desde 1983, assim como os problemas de aprendizagem e autismo desde 2004.

A Sanofi enfrenta acusações separadas de fraude agravada e de lesões involuntárias, embora no sistema jurídico francês as acusações não signifiquem automaticamente que o caso será levado ao tribunal, já que os promotores podem decidir não ir a julgamento.

A empresa farmacêutica, que não respondeu aos pedidos da AFP para comentar a sentença, negou qualquer ato ilícito, afirmando que alertou as autoridades de saúde sobre os riscos do medicamento desde a década de 1980.