Como inovar numa indústria que tem 8 mil anos? Josko Gravner teve a resposta. Na versão resumida (com spoiler): olhe para o essencial. Na versão estendida (igualmente com spoiler): olhe para o essencial e saiba que as respostas inovadoras não necessariamente serão encontradas ao se mirar para o tal de futuro, e sim ao se voltar para seu passado e sua história. Gravner é um vitivinicultor. Se dedica igualmente às uvas e ao vinho. Ele é tido como sinônimo e pai do chamado vinho laranja — termo que ele odeia e despreza, aliás. “É âmbar!” A fazenda de sua família nasceu bem no começo do século 20, e fica na parte de cima do mapa da Itália, na região de Friuli-Venezia Giulia. Fica a passos da fronteira com a Eslovênia. Depois de fazer a faculdade, ele liderou a propriedade que era tocada por seu pai e seu tio. E produzia vinhos, especialmente brancos, de alta qualidade.

Isso até a segunda metade dos anos 80, quando viajou para a Califórnia — normalmente as publicações americanas relacionadas ao mundo do vinho suavizam ou ignoram essa parte da história. O fato é que Gravner odiou o que viu. A tecnologia era usada para corrigiria a vinificação, padronizar e dar aos vinhos sabores que os críticos apreciariam. Uma espécie de algoritmo para agradar os influencers, antes de o mundo falar em algoritmos e influencers. Gravner voltou horrorizado e disse para a mulher que a viagem havia servido só para uma coisa: “Saber o que não quero fazer”.

E foi a partir disso que decidiu buscar uma saída para o futuro. Olhando para o passado.
Dez anos depois da incursão à Califórnia, ele viajou para seu oposto, a Geórgia, pequeno e pobre país de menos de 4 milhões de habitantes, ao norte do Irã e da fronteira turca, um antigo território da então União Soviética, a mais de 3 mil km de sua fazenda. Era 1997. Escolheu a Georgia porque lá foram encontrados os mais antigos vestígios de produção de vinho: 6 mil anos antes de Cristo. Gravner mergulhou.

Descobriu que os processos de se fazer vinho na região estavam preservados. Uma cultura biodinâmica, lastreada nas fases da Lua, usando ânforas gigantes enterradas, vinificando uvas brancas sem retirar a casca, sem correções, respeitando engarrafamentos em fases de sete anos. Ele simplesmente criou uma máquina do tempo e retornou milhares de anos no jeito de fazer vinhos, abrindo mão de fama e marca.

Era também um resgate a seu pai e a seu tio, que ele havia enfrentado anos antes para fazer os vinhos brancos premiados. Numa reportagem da WineSpectator, Gravner recordou alguns desses momentos.
— “Meu pai sempre dizia: ‘Para fazer vinho de qualidade, você precisa fazer pouco vinho’.”
— “Não. Tem de fazer mais”, dizia Gravner.
“Eu estava errado”, afirmou na entrevista.
(Como em toda grande jornada, a dor faz parte. Em 2009, seu filho mais velho, Miha, de 27 anos, que atuava como seu sucessor, morreu num acidente. Hoje, a filha Mateja e o filho Gregor atuam com ele.)
As primeiras safras foram “enterradas” há 20 anos. Gravner havia acabado de passar dos 50 anos. Os vinhos de uvas brancas vinificados com a casca geram exemplares turvos, em cor, e de certa forma ‘distorcidos’ em aroma, acidez, complexidade. Uma espécie de punk wine. São mais ‘sujos’, mais autênticos. Ganharam o nome de vinhos laranja. Sim… ele não gosta do termo e chama de “âmbar”. Muitos acham que é modinha. Outros viraram fãs. O fato é que já são aclamados e se tornaram exemplos para produtores do mundo todo. Gravner não liga. Ele r-e-a-l-m-e-n-t-e não liga. Quer fazer vinho de que se orgulhe. Não quer o aplauso. Quer a essência de ser autor de uma obra tenha o seu dna. E busca apenas uma interlocução: a que aproxima o que ele pensa do que ele diz e do que ele faz.

Pensando assim, Gravner é a saída para o momento de país que vivemos. Em que os atos descolam das palavras num distanciamento abissal. O Brasil precisa olhar para trás, e buscar o essencial. Pode ser até somente duas décadas para trás. Desde que não perca o foco no essencial.