Durante muito tempo a Natura, maior fabricante brasileira de cosméticos e produtos de cuidados pessoais com receita anual de R$ 4,2 bilhões, atuou sozinha no palco da biodiversidade. Bem antes de o termo se tornar mania, a empresa não só desenvolvia trabalhos em parceria com comunidades da Amazônia como colocava no mercado a primeira linha de produtos com insumos daquela região, a Ekos, com mais de dez anos de existência.

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Nos últimos tempos, entretanto, empresas como, por exemplo, a Jequiti, do Grupo Silvio Santos, passaram a lançar produtos ecológicos e explorar o selo “by Amazônia”. Nos bastidores da indústria de higiene e beleza os comentários são de que os executivos da Natura não ficaram nada felizes.

E não é difícil entender o porquê, já que não é só na indústria da beleza que o conceito tem se expandido. A AmBev, fabricante do tradicional guaraná Antarctica, que já usa o conceito há décadas, resolveu ampliar ainda mais a identificação de seu produto (a fruta guaraná é típica da região) e acaba de lançar a versão guaraná com açaí (também natural da Amazônia).
 

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Mercado da biodiversidade: além da Natura (acima), as “biojoias” e cosméticos da Jequiti,
o Guaraná Antarctica e a Chamma da Amazônia usam o apelo da sustentabilidade

 

A Mundo Verde, especializada na venda de produtos naturais e orgânicos, utiliza insumos como mel e cupuaçu da Amazônia em seus produtos desde sua fundação, em 1987. A Chamma da Amazônia,  além de utilizar matéria-prima da região, estabeleceu lá sua sede e fábrica. Toda essa movimentação leva a uma pergunta: a “marca” Amazônia tem dono?

A julgar pelo que mostra o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), é difícil responder a essa questão. Responsável pelo registro de marcas e patentes no Brasil, o banco de dados do INPI tem mais de 1.187 registros com o nome Amazônia. Técnicos do instituto explicam que o nome pode compor uma marca, mas não ser utilizado isoladamente.

Discussões à parte, o que atrai essa legião de empresas são os atributos que o nome Amazônia traz naturalmente, com perdão do trocadilho. “A Amazônia funciona como um grande diferencial, como se fosse um símbolo de qualidade”, diz Sérgio Esteves, diretor de marketing do Guaraná Antarctica. “A oferta de produtos com o apelo amazônico é cada vez maior porque a Amazônia está na moda.

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Só que as propostas de valor são muito diferentes. Eu poderia comprar castanha-do-pará no Ceagesp, mas, como respeitamos os preceitos de sustentabilidade, compramos das comunidades ribeirinhas lá do Amapá”, diz Marcos Vaz, diretor de sustentabilidade da Natura. Segundo ele, a empresa não está preocupada com o avanço da concorrência numa seara em que, curiosamente, a Natura esteve sozinha por tanto tempo.

“O consumidor sabe diferenciar”, acrescenta Vaz. Não é tão simples assim. “Mesmo que um produto passe por um processo industrial, a presença  do selo Amazônia o torna natural aos olhos do consumidor”, afirma o consultor Augusto Nascimento, sócio-diretor da BBN Brasil.

“Muitas empresas passaram a ter acesso às matérias-primas vindas da Amazônia e exploram a região de forma sustentável”, afirma Lásaro do Carmo Júnior, CEO da SS Cosméticos, dona da marca Jequiti. E prossegue. “Todo monopólio é burro.” Nascida em 2006, a empresa tem tido um crescimento vertiginoso nesses quatro anos.

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Faturou R$ 209 milhões em 2009 e, segundo o executivo, deve chegar a R$ 1 bilhão até 2013. Quando Silvio Santos pensou na marca com produtos inspirados na beleza e nos elementos da natureza, ele queria um produto que tornasse a vida das pessoas, especialmente a das mulheres brasileiras, mais bonita e agradável. Curiosamente, é o mesmo receituário difundido por Luiz Seabra, um dos fundadores da Natura.

 “A marca Amazônia é muito forte. Acredito que 80% das empresas do setor de cosméticos tentam se associar a ela de alguma forma porque remete a algo natural”, afirma o CEO da Jequiti. Toda a produção da marca Jequiti, diz ele, é terceirizada, mas a empresa pretende abrir sua própria fábrica.

A inauguração está prevista para janeiro de 2013, mas, ao contrário do que se poderia supor, a unidade ficará em São Paulo mesmo. “Infelizmente, é inviável produzir na Amazônia, por conta do custo dos insumos básicos, como o álcool”, comenta o executivo, acrescentando que fabricar produtos naturais da Amazônia no Sudeste é muito melhor pela infraestrutura.

Há quem veja nessa estratégia um artifício conhecido como Greenwashing (“lavagem ecológica”, em uma tradução livre). O termo foi criado para designar produtos e serviços que passaram por um “banho” de marketing para ganhar apelo ecológico.

“São poucas as empresas que entregam o que prometem e o consumidor sabe muito bem quem está apenas se aproveitando da valorização de um conceito e dessa marca tão poderosa como é a Amazônia”, diz Roberto Nascimento, professor da ESPM. “É muito fácil produzir em Guarulhos e botar no rótulo que o produto é natural da Amazônia”, diz Fátima Chamma, sócia-diretora da Chamma da Amazônia, indústria de cosméticos com sede e fábrica em Belém do Pará, há mais de 50 anos.

“Nós não usamos a marca Amazônia. Nós somos a Amazônia”, resume Fátima. Para ela, a floresta não pode ser tratada como uma marca que pertença a um ou outro. “Mas o mercado, principalmente o de cosméticos, está atraindo muitos aventureiros e isso é tão grave quanto sério.” Para uma empresa do porte da Natura, diz ela, a chegada desses “aventureiros” pode não ter maiores consequências.

“Mas, para nós, que somos uma empresa de pequeno porte, é bastante complicado. O consumidor começa a comparar o preço e não quer saber se para produzir aqui sai muito mais caro.” A estratégia da Mundo Verde, rede com 158 lojas e faturamento de R$ 150 milhões, é investir na conscientização do seu cliente. “Tentamos educar o nosso consumidor para que ele possa fazer melhor as suas escolhas”, diz Donato Ramos, diretor de marketing da empresa.