A Supercopa da Europa, que marca a abertura do calendário oficial do futebol no Velho Continente, serviu como prova de fogo para o Esporte Interativo (EI). A partida entre os espanhóis Real Madrid, campeão da Liga dos Campeões, e Atlético de Madrid, vencedor da Liga Europa, disputada na quarta-feira 15, foi transmitida na página do Facebook do grupo de mídia brasileiro, que pertence à americana Turner. A vitória por 4 x 2 do Atlético também foi comemorada pelo EI, que alcançou o recorde de 160 mil visualizações simultâneas pela rede social.

Coincidência ou não, o jogo aconteceu seis dias após o anúncio do fim dos dois canais de TV, que serão desativados até o fim de setembro. A partir de agora, a estratégia é concentrar as transmissões nas plataformas digitais e migrar a programação da Liga dos Campeões deste ano e do Campeonato Brasileiro (a partir de maio de 2019) para os canais de filmes e séries TNT e Space, que pertencem à Turner. Essa decisão custou o emprego de, aproximadamente, 160 profissionais de um total de 300 que trabalhavam na casa. “O EI não acabou. Ele continua vivo”, diz Gilberto Corazza, vice-presidente de vendas publicitárias. “Mas com uma forma e linguagem diferenciada de distribuição de conteúdo, sem um canal específico e linear.”

As primeiras informações diziam que a mudança seria uma forma que os controladores encontraram de se antecipar a um possível veto pelos órgãos reguladores do Brasil. Explica-se: a Time Warner, dona da Turner, foi adquirida pela AT&T, em junho deste ano, em uma transação de US$ 85 bilhões. Com a fusão das operações nos EUA, uniu-se uma telecom com uma produtora de conteúdo. A legislação brasileira não permite que isso aconteça. O conflito existe porque a AT&T é dona da DirecTV na América Latina, que é acionista da SKY, e a Turner produz conteúdo com o EI.

Troca de canal: com o fim do Esporte Interativo, as transmissões de partidas da Liga dos Campeões (à dir.) e do Campeonato Brasileiro, a partir de 2019, serão feitas pelos canais TNT e Space, também da Turner

Mas esse negócio caiu como uma luva para uma decisão que a Turner vinha amadurecendo desde que adquiriu a totalidade das ações do grupo brasileiro de mídia, em janeiro de 2015. Os americanos nunca esconderam a preferência pelo modelo de ter uma programação variada em um canal, mesclando transmissões esportivas e entretenimento, ao invés de um canal com dedicação exclusiva aos esportes. Nos EUA, a TNT funciona dessa maneira, com uma grade que contempla tanto as partidas da NBA, a liga americana de basquete, com séries, filmes e talk shows – o que vai ser replicado no Brasil. A ideia é trabalhar evento a evento em vez de se preocupar com a compra de direitos e a produção de conteúdo para ocupar as 24 horas de um canal. Essa proposta, no entanto, nunca teve adesão enquanto Edgar Diniz, um dos sócios-fundadores do EI, permaneceu como executivo da operação.

A saída dele, em maio de 2016, fez com que esse plano começasse a tomar forma. “Foi uma decisão ruim, que não faz sentido do jeito que foi e nunca fez sentido para a realidade brasileira”, diz um executivo do setor, que pediu anonimato. “Como a empresa vai lidar com a perda da principal alavanca de receita?” Corazza, do EI, tenta responder.“A essência do EI, há muitos anos, é o digital e as redes sociais. Então, não é novidade para nós monetizar esse conteúdo”, afirma ele. “A indústria está em transformação e esse foi um movimento ousado e disruptivo da Turner.” O que ainda não tem explicação é o que acontecerá com os outros direitos adquiridos pela empresa, como a Copa do Nordeste, a Liga das Nações da UEFA, a transmissão de jogos da Federação Internacional de Basquete, entre outros.

Embora essa mudança esteja sendo tratada como natural pelo EI, há um descontentamento que a empresa terá de lidar nas próximas semanas. Os clubes que assinaram contrato para a transmissão de seus jogos do Campeonato Brasileiro na TV paga foram pegos de surpresa: Bahia, Santos, Atlético-PR, Ceará, Internacional, Palmeiras e Paraná, que disputam a Série A, além dos outros sete que estão na B. Para conquistá-los, o canal da Turner se inspirou no modelo do futebol inglês e utilizou critérios técnicos e de resultados em campo: 50% do valor será repartido igualmente entre todos eles, 25% por critério técnico e 25% pela audiência. Foi uma maneira de desbancar o monopólio da Globo. Se naquele momento a mudança fez sentido, agora ela está em xeque. O Bahia se manifestou a favor do rompimento do acordo.

Santos, Atlético-PR e Palmeiras disseram que vão esperar uma reunião com o EI e uma análise do contrato. “Fiz uma conta que me mostrava um potencial de receita entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões ante R$ 700 mil do contrato antigo”, diz um dirigente. “Mas a única cláusula de risco que tinha era se a Globo não aceitasse renovar o contrato na TV aberta, o EI daria uma indenização.” Ivan Rizzo, coordenador do MBA de gestão e marketing esportivo da Trevisan Escola de Negócios, afirma que nenhuma agremiação se preocupou com barreiras e cláusulas de saída. “Do ponto de vista do negócio, a decisão do EI faz sentido. Por isso, os clubes deveriam ter se preocupado com um novo entrante”, afirma ele. “Uma coisa é negociar com a Globo e o histórico de 40 anos, outra com alguém que estava testando o mercado.” O sinal do EI tem prazo para acabar. A dúvida é se o novo modelo vai ser suficiente para convencer e agradar a todos os participantes.