Atento, empresa de call center, é a terceira maior empregadora do País, atrás apenas dos Correios e da rival Contax. São 75 mil funcionários no Brasil, metade do seu contingente global – ela atua em 13 países. O número corresponde à população de uma cidade média, como Arujá, na Grande São Paulo. “Não faz sentido eu deslocar todo esse pessoal pela cidade, se quase tudo hoje é digital”, afirma Mário Câmara, presidente da companhia no Brasil. O trabalho remoto, popularmente conhecido como home office, que resolveria esse problema da empresa, é uma das medidas que está sendo estabelecida na reforma trabalhista, aprovada na Câmara dos Deputados, na quarta-feira 26.

Com isso, os funcionários poderão utilizar seus próprios computadores e telefones, em casa, com os custos cobertos pela empresa. Segundo o executivo, trata-se de um ponto essencial para a sobrevivência do seu negócio, que vem passando por grandes transformações, nos últimos anos, graças ao avanço da tecnologia. “Por isso, a reforma é fundamental”, diz Câmara. Com as regras do jogo sendo alteradas em seu principal mercado, a Atento espera um sinal verde do governo para se modernizar. Nesse sentido, há boas e más notícias para o trabalhador.

Por um lado, a vida do operador de telemarketing, que não é nada fácil, tende a melhorar. “Geralmente, o pessoal não liga para elogiar”, diz Câmara. É aí que está uma das principais agruras desse profissional: invariavelmente, ele é o contato principal, se não único, entre o cliente e a empresa. Mas tem pouca margem para, de fato, resolver o problema. “Muitas vezes, nosso atendente precisa navegar por dezenas de páginas para encontrar o que o consumidor quer”, diz Câmara. De interface, o operador é rebaixado ao nível de receptáculo da raiva do reclamante, que ainda acaba frustrado por não ter sua demanda atendida. As novas tecnologias estão mudando esse cenário. Novas tecnologias de reconhecimento de voz e inteligência artificial devem desafogar as linhas e dar mais agilidade ao atendimento.

A má notícia, para o trabalhador, é que, por conta disso, seu emprego está em risco. Para a Atento, a tendência é ter operações sofisticadas, com menos profissionais e mais tecnologia. O atendimento telefônico deve ficar restrito a situações complicadas e, por isso, o atendente terá de ser mais qualificado. A maioria das demandas será resolvida em sistemas eletrônicos, sem a necessidade de interação humana. Dois movimentos recentes da empresa mostram a direção em que ela está caminhando. Em março deste ano, a Atento comprou a Interfile, empresa brasileira do setor de BPO (business process outsourcing), que foca na terceirização de processos de negócios.

O objetivo é fortalecer a oferta desse tipo de serviço. Em vez de cuidar apenas do atendimento, a companhia quer assumir departamentos inteiros de seus clientes, como vendas, recursos humanos e contabilidade. O segundo movimento foi a aquisição de bots, como são chamados os robôs de atendimento no universo da TI, com tecnologia desenvolvida pela Microsoft. Os bots, de acordo com cálculos da empresa, são cinco vezes mais rápidos, três vezes mais econômicos e 20% mais produtivos em comparação aos seus colegas humanos. Essa é uma tendência irreversível. Mesmo sem perceber, cada vez mais as pessoas interagem com máquinas, mesmo pelo telefone.

Estimativas da empresa de pesquisas Gartner, especializada em tecnologia, apontam que 30% de toda a navegação na internet será feita sem o uso de uma tela, ou seja, apenas com comandos de voz, até 2020. Nos EUA, metade dos adolescentes já utilizam a busca por voz diariamente. Em breve, falar com uma máquina será tão comum que as pessoas farão isso enquanto dirigem, cozinham se exercitam ou trabalham, diz o analista Noah Elkin, do Gartner. Atualmente, 12% do faturamento global da Atento, que foi de US$ 1,75 bilhão no ano passado, vem da área de digital. Um recente estudo realizado pelo Facebook mostra que 85% dos atendimentos ao consumidor serão realizados eletronicamente até 2030. Mas, segundo Câmara, não haverá demissões na Atento por conta dos robôs. “O que vai acontecer é uma transformação dos empregos”, diz.

No lugar de atuarem como interface entre cliente e empresa, boa parte dos 150 mil funcionários da Atento no mundo será deslocada para funções mais analíticas. Uma consequência dessa revolução digital é que o volume de informações disponíveis a respeito dos consumidores deve crescer exponencialmente. Este ano, a companhia está investindo R$ 25 milhões em programas de análises de dados. Nessa transformação, Câmara enxerga alguns obstáculos. O primeiro é o treinamento. A Atento é a maior geradora de primeiros empregos do Brasil. No ano passado, ela contratou mais de 15 mil jovens sem nenhuma experiência.

No mesmo período, foram realizados mais de 4 milhões de treinamentos. “Muitos desses jovens saem da escola sem conhecimentos básicos”, diz o executivo. Outro obstáculo é, justamente, a legislação trabalhista. O setor de call center é campeão em processos. Um levantamento feito pela Pro Juris aponta que esse segmento concentrou 21% das reclamações trabalhistas no ano passado. Tudo o que a Atento quer é segurança jurídica para fazer essas mudanças. Conciliar a reforma com os anseios do trabalhador é o desafio. O caminho está dado. Só não há garantias de tranquilidade.

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