O fenômeno é fácil de observar nas ruas das cidades brasileiras. Tapumes, caminhões, poeira e barulho mostram que o setor imobiliário está operando a plena carga. E a percepção é confirmada pelos dados. Segundo o Secovi-SP, sindicato das empresas imobiliárias da capital paulista, nos 12 meses até novembro de 2020 foram lançadas 50 mil novas habitações. Para comparar, a média anual de lançamentos entre 2016 e 2019 foi de 22 mil unidades por ano. “Havia uma demanda reprimida e o mercado está buscando tirar esse atraso provocado pela crise econômica”, disse o sócio fundador da Empírica Real Estate, Roberto Sampaio (leia mais à página 65).

Assim como o número de lançamentos, o total de empréstimos concedidos pelos bancos também se expandiu. A carteira de financiamentos imobiliários encerrou 2020 a R$ 712,8 bilhões, ante R$ 638,3 bilhões no fim de 2019. O avanço foi de 11,7%, o maior desde 2015, após quatro anos com crescimentos a taxas de um dígito.

As perspectivas são otimistas. A Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), que representa os financiadores, projeta alta de 27% na concessão de crédito para a casa própria neste ano. Nesse passo, já em 2022 o total de empréstimos imobiliários poderá superar a marca de R$ 1 trilhão, algo inédito nas finanças nacionais e considerado pelo mercado como um marco no caminho da maturidade.

Os números não só aumentam, como também se diversificam. A maior parte dos empréstimos, cerca de 91% do total, ainda depende da fonte mais tradicional do financiamento imobiliário, a caderneta de poupança. No entanto, recursos de outras origens começam a se fazer presentes. “Os bancos começaram a conceder empréstimos corrigidos por índices de inflação como o IPCA”, disse o presidente da incorporadora Mitre Realty, Fabrício Mitre. “Isso permitiu que eles securitizassem essas carteiras e as vendessem para fundos de investimento, liberando os recursos para novos créditos.”

MAIS CLIENTES Fabrício Mitre diz que a baixa de juros triplicou o número de clientes interessados nos apartamentos de sua incorporadora. (Crédito:Anna Carolina Negri)

Dizer que 2020 foi um ano desafiador é um eufemismo. Como explicar, então, o avanço dos financiamentos e dos lançamentos imobiliários? Os especialistas têm uma explicação simples: a taxa de juros. Segundo Mitre, a taxa referencial Selic nos atuais 2% ao ano gerou um manancial de novos clientes. “Para conceder empréstimo imobiliário, o banco faz um cálculo do percentual que a parcela representa da renda mensal do tomador”, disse ele. A queda na Selic reduziu o valor individual das prestações, e fez com que elas coubessem em clientes cuja renda estava um pouco mais abaixo na pirâmide. O crédito mais tradicional, indexado à Taxa Referencial (TR) mais juros ficou mais barato. Em média, esses financiamentos exigiam um prêmio de 11% a 12% ao ano acima da TR, que está em zero há tempos. Atualmente, esse prêmio caiu para cerca de 7% ao ano, baixando o valor das parcelas.

BASE DA PIRÂMIDE Os números da própria incorporadora são um bom exemplo. Os apartamentos mais baratos produzidos pela empresa são vendidos com financiamentos que variam de R$ 250 mil a R$ 300 mil. “Antes da queda dos juros, o comprador precisava ter uma renda familiar de R$ 13 mil, mas agora ele pode obter esse empréstimo com uma renda menor, de R$ 9 mil”, disse Mitre. “A pirâmide de renda no Brasil tem uma base muito larga, e uma pequena redução nas parcelas torna uma multidão de clientes elegíveis para obter empréstimos.” Ele afirmou que o número de candidatos em potencial triplicou.

Outro fator, mais subjetivo, foram as mudanças nas relações de trabalho devido à pandemia. Os brasileiros perceberam que ficava difícil para um casal com dois filhos e um pet manter um home office eficiente em um apartamento de 60m2 em um edifício com poucas opções de lazer. Por isso, em dezembro, numa pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), ligada à Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo, 60% dos entrevistados informaram que pretendiam comprar um imóvel nos próximos 12 meses, algo inédito. “A crise fez o consumidor dar mais importância a morar bem”, disse Mitre. “Ter um apartamento bom e moderno tornou-se mais importante do que viajar ou trocar de carro.”