O suíço Stephan Schmidheiny, conhecido como o magnata do amianto, e o barão belga Jean-Louis Marie Ghislain de Cartier de Marchienne, sócios da Eternit na Itália, foram condenados a 18 anos de prisão e obrigados a pagar € 95 milhões em indenizações, em 2012. Os dirigentes foram considerados culpados pela morte de três mil pessoas, que foram expostas ao amianto na unidade da empresa em Casale Monferrato, na região do Piemonte. A matéria-prima utilizada para a fabricação de telhas é uma substância reconhecida como cancerígena pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Apesar de a Eternit ter fechado as portas em 1986, oito anos antes de o minério ter sido banido pelas autoridades italianas, a Justiça manteve o processo.

O amianto, que foi o vilão para a empresa na Itália, também está levando a Eternit no Brasil, que hoje não tem nenhuma ligação com a italiana, à bancarrota. Na segunda-feira 19, a empresa ingressou com pedido de recuperação judicial. Os motivos são o cenário ruim no setor da construção civil e a proibição do Supremo Tribunal Federal, em novembro do ano passado, da extração, industrialização e comercialização da matéria-prima no País. “A Eternit do Brasil pode ter o mesmo futuro da empresa italiana se não aproveitar o processo judicial para se reinventar”, diz Rina Pereira, coordenadora de soluções coorporativas do Ibmec.

De braços atados: presidente da Eternit, Luís Augusto Barbosa, tem pouco tempo para apresentar um plano para a empresa (Crédito:Claudio Belli/Valor )

O objetivo da empresa com a recuperação judicial é proteger seu caixa, que contava com apenas R$ 26,7 milhões em 30 de novembro. Além de uma dívida de R$ 300 milhões, a Eternit foi condenada a pagar uma multa de R$ 500 milhões pela exposição de trabalhadores ao amianto da mina de São Felix, operada por sua subsidiária Mineração Associados (Sama), que era responsável por 20% da receita líquida de R$ 501 milhões até o terceiro trimestre do ano passado. “A Eternit tomou a medida correta”, avalia Edemilson Wirthmann, presidente da comissão de direito falimentar e recuperação judicial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Mas vai levar tempo para a empresa colher os frutos de uma reestruturação, e a recuperação pode proporcionar este tempo.”

Enquanto a Eternit ganha tempo para renegociar sua dívida, protestos ao redor do mundo por conta do amianto ganham força. Em janeiro, coreanos foram às ruas contra a exportação brasileira dessa matéria-prima. O Brasil é o terceiro maior exportador global, com uma produção média de 250 mil toneladas anuais. Com a redução do uso no mercado interno, o excedente (cerca de 65%) passou a ter a Ásia como destino, segundo a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea). Atualmente, 69 países no mundo já baniram o amianto. “No Brasil a restrição ao produto existe desde a década de 1990”, diz Luis Paiva, presidente da Corpore Consulting, empresa responsável pela reestruturação empresarial da Imbralit, que baniu o amianto da fábrica em 2016. “As empresas que não buscaram por soluções vão sofrer agora que a restrição se tornou proibição.”

Italianos protestam em favor da punição dos executivos da Eternit pelo uso do amianto durante 80 anos (Crédito:Stringer/Italy)

A Eternit vinha tentando diversificar seu portfólio para ficar menos dependente do amianto. A companhia investiu R$ 100 milhões na fábrica de Manaus para produzir telhas de polipropileno e adquiriu 60% da companhia de louças sanitárias CSC. Essa estratégia foi determinante para rachar o conselho de administração. Os investidores Luiz Barsi Filho, com 14,6% de participação, e Lírio Parisotto, com 6,6%, discordaram do caminho a seguir. Parisotto pedia a ampliação dos negócios, ao contrário de Barsi. “Deca e Roca lideram o mercado de louças e produzem 22 milhões de peças por ano. Não faz sentido produzir só 1,5 milhão”, disse Barsi, que foi voto vencido.

No acumulado de 2017, até o terceiro trimestre, o prejuízo era de R$ 18,8 milhões nesse segmento. Procurado pela DINHEIRO, o presidente da Eternit, Luís Augusto Barbosa declinou a entrevista. Agora, a Eternit tem três meses para convencer os credores a aceitar seu plano de recuperação judicial. A empresa espera que em dois anos, quando completará 80 anos de operação no Brasil, essa página de sua história esteja virada. Se a previsão da companhia estiver correta, ela poderá ultrapassar o tempo de vida da co-irmã italiana. Mas, para isso, terá de correr contra o tempo para não ser esmagada pelo amianto.