Ninguém lê. Não é verdade. Ninguém compra livros. Também não é verdade. Mas toda vez que uma livraria fecha, ou está prestes a fechar, esse é o sentimento preponderante – e essas são afirmações tão absurdas quanto incontestáveis. Hoje, quem está às voltas com a falta de leitores/compradores é o escritor e ativista cultural Alessandro Buzo, de 47 anos.

Buzo é o dono da única livraria especializada em literatura marginal de São Paulo, a Suburbano Convicto. Mas dívidas de aluguel, que não somam mais de R$ 5 mil, e a falta de perspectiva conseguiram o que parecia impossível: minar suas forças. “Já tentamos vaquinha, mobilização online… Não estou com ânimo para fazer tudo isso de novo. Precisa acontecer alguma coisa pra que a livraria continue. Os R$ 5 mil só são irrisórios se você tem de onde tirar”, falou. “Ainda assim, ela não vai fechar porque o aluguel é caro. Ela pode fechar porque ninguém compra nada.”

A Suburbano Convicto fica na Rua 13 de Maio, na Bela Vista, no segundo andar de um prédio. Para ir à livraria é preciso tocar a campainha de número 3, se identificar e subir dois lances de escada. Além das obras do próprio Buzo, também é possível encontrar por lá livros de Ferréz, Sérgio Vaz, Paulo Lins, MV Bill e muitos outros. “Nós estamos tentando vender para especialistas, universidades… Claro, fechando ou não, vamos criar um site para continuar vendendo”, disse Buzo.

A história da livraria se confunde com a do seu idealizador. Há quase 13 anos, em 2007, Buzo andava pelas ruas do Itaim Paulista, na zona leste. A fase era difícil, ele estava desempregado, sem grana, e com poucas perspectivas de ver os livros chegando a qualquer leitor. No caminho para casa, viu um brechó que tinha acabado de fechar – e uma placa de aluga-se pendurada. “Bati palmas e conversei com uma velhinha que era dona. Ela pediu R$ 200 de aluguel e mais a conta de água, que tinha valor fixo de R$ 50”, disse. A proprietária só fez uma exigência: o lugar não podia se transformar em um bar.

Buzo considerou o valor bastante razoável, mas… “Eu não tinha nem essa grana”, confessou. Como morava nos fundos da casa da sogra, foi conversar com ela sobre os planos. “Ela conseguiu o dinheiro emprestado com o vizinho e eu montei a livraria no dia seguinte”, lembrou. “Todos os livros que estavam em bom estado e eram novos. Nunca quis um sebo.”

Foi assim que nasceu a Suburbano Convicto – também nome do segundo livro de Buzo. Por três anos, a livraria realizou conversas com autores, saraus e eventos de divulgação da literatura das periferias. “Um amigo com comércio patrocinava uma cerveja e um refrigerante grátis para os eventos. A gente não sabia se enchia pelo convidado ou pela cerveja.”

Apesar dos eventos e cervejas, foram três anos em que a livraria ficou no vermelho. Antes do carnaval de 2010, Buzo estava prestes a fechar. Naquele período, ele foi realizar uma trabalho em uma produtora de vídeo em um prédio na Treze de Maio. “As pessoas de outras quebradas não iam até o Itaim Paulista. Pensei que, se a livraria estivesse em uma região central, ela podia ser frequentada por gente de todas as regiões de São Paulo”, disse. Como o dono da produtora também era o dono do prédio, Buzo conseguiu negociar a ocupação de uma das salas por um aluguel camarada, abaixo do custo.

Começou então a segunda fase do Suburbano Convicto, no bairro do Bexiga. Por lá, já aconteceram saraus semanais com a participação de Ed Rock (Racionais), Emicida, Criolo, Leci Brandão e outros. No Bexiga, a livraria também teve altos e baixos, mas como, em boa parte do tempo Buzo estava empregado (na TV Cultura, no programa Manos e Minas; e no SPTV, da Globo), “o dinheiro que faltava de um lado era tirado de outro”.

Nos últimos tempos a situação apertou. Os leitores rarearam. E Buzo “deu uma desanimada”. Mas ele não quer fechar e encerrar uma história de 13 anos. Está tentando realizar vendas maiores (para universidades e pesquisadores) e esperando uma resposta dos leitores.

Trem

Buzo tem 14 livros escritos, dirigiu dois filmes e é uma figura ativa nas rodas culturais da periferia. A relação dele com a literatura começou de pequeno, quando a mãe, que trabalhava em um hospital público, comprava gibis da Mônica e alguns livros no caminho para casa.

O primeiro livro (O Trem – Baseado em Fatos Reais) nasceu da rotina das composições que tomava para sair da zona leste para o centro da cidade – onde trabalhava na zona cerealista. No começo, era um panfleto contando sobre os “perrengues” de quem precisava pegar o trem todos os dias. Tentou publicar o texto nos jornais, mas não teve resposta. Transformou o seu desabafo em um livro e, de forma independente, conseguiu lançá-lo no ano 2000.

Os livros seguintes seriam financiados pelos alimentos que vendia na zona cerealista. A partir do seu esforço, Buzo foi conquistando espaços, conheceu muita gente, promoveu muitos trabalhos e, desde que largou o “trampo” na zona cerealista, vive de fomentar a cultura. Ou seja, ele sempre deu um jeito. Quem sabe não é o caso de tentar dar um jeito de novo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.