Exatamente às 13h32 (GMT) de 16 de julho deste ano, a população global chegou a 7.676.853.564 pessoas, de acordo com o contador em tempo real The World Population Project, do World Data Lab. Dessa gente toda, somente quatro homens são tecnicamente lunáticos: Buzz Aldrin (de 89 anos), Charles Duke (83), David Scott (87) e Harrison Schmitt (84). Eles formam o exclusivo time de humanos vivos a pisar o solo lunar. Os outros oito que foram à Lua — Neil Armstrong, Alan Bean, Eugene Cernan, Pete Conrad, James Irwin, Edgar Mitchell, Alan Shepard e John Young — já morreram. O horário das 13h32 (GMT) foi o momento preciso em que entrou em ação a bola de fogo que impulsionou a Apollo 11 da costa leste americana. Quatro dias depois, 20 de julho, a espaçonave tornou-se a primeira missão tripulada a pousar na Lua (às 20h17 GMT).

Aos olhos brasileiros, a data que completa meio século no sábado não parece despertar todo o simbolismo que carrega. Não chega a causar estranheza num País em que 7% das pessoas com mais de 16 anos (11 milhões) afirmam que a Terra é plana e 26% (41 milhões) não acreditam que o homem foi à Lua, segundo pesquisa feita na primeira semana do mês pelo DataFolha. É uma Bélgica de terraplanistas e quase uma Argentina de descrentes da missão Apollo 11. Nesse caso, porém, o Brasil não passa um vexame solitário. Entre os britânicos, 16% afirmam, de acordo com pesquisa da YouGov, que o pouso humano na Lua foi encenado. Nos Estados Unidos, dependendo da fonte, o percentual varia de 6% a 20% — fora os que se declaram indecisos sobre o tema.

À parte esse universo considerável de pessoas, a corrida espacial, cujo ápice até aqui foram justamente os pioneiros saltos hesitantes de Armstrong e Aldrin feitos na Lua, é uma página feliz da nossa história. E moldou o que conhecemos como mundo contemporâneo. A começar por ter tornado pop uma palavra que hoje é mais comum que água: tecnologia. Uma busca em português no Google traz 1,7 bilhão de resultados (para tecnologia) contra 1,6 bilhão (para água, grafada com e sem acento). Em inglês a ordem se mantém, mas ampliada, e fica em 11,7 bilhões (technology) contra 8,9 bilhões (water). No mundo pré Apollo não era assim.

Em abril de 1965, quatro anos antes da missão número 11, a revista Time publicou um censo de computadores nos Estados Unidos. Havia 22,5 mil no país todo, 1.767 deles em órgãos do governo. Hoje, no planeta, são vendidos 29 mil por hora. Entre as revoluções consagradas dos anos 60 — na política, na música, na sexualidade e na luta das chamadas minorias — deve-se incluir a tecnologia como fenômeno cultural. Até então, as pessoas começavam a possuir eletrodomésticos, mas não computadores. A partir dali, em duas décadas o computador pessoal se tornou obrigatório. Em três, móvel e compacto.

IMPACTO CULTURAL O turning point que tornou a palavra tecnologia tão necessária e incorporada ao dia a dia de qualquer pessoa, foi lá nos anos 60. Eric Schatzberg, autor do livro Tech-nol-o-gy (2018), que estuda o conceito e como o uso da palavra mudou, diz que não havia uma ideia cotidiana de “tecnologia”, da maneira como se usa agora, e que nesse contexto as missões da Nasa tiveram poderoso impacto cultural. Nos Estados Unidos daquele período, foram lançados cinco grandes atrações na TV tendo o espaço como ambientação: The Jetsons, Lost in Space, I Dream of Jeannie, My Favorite Martian e Star Trek. Todas passaram no Brasil. A influência cultural, vale ressaltar, não se limitou aos americanos.

Mesmo num momento de Guerra Fria, as missões soviéticas já haviam alcançado os trópicos. Laika, cadela que foi o primeiro ser vivo colocado no espaço (1957), virou nome comum de pets nas casas do País. Num âmbito menor, mas igualmente simbólico, havia 87 brasileiros chamados Yuri (ou Iuri/Iury) em 1950. Saltou mais de 20 vezes, para 1.863, no Censo de 1970. Homenagem ao cosmonauta russo Yuri Gagarin, primeiro homem a entrar em órbita (1961).

Seis semanas depois do feito de Gagarin, o presidente americano John F. Kennedy fez um histórico discurso, dia 25 de maio, no Congresso, pedindo que seu país — até ali humilhado pela então União Soviética, que em quatro anos havia colocado satélite, cadela e homem em órbita — tivesse como objetivo de nação mandar um homem para Lua e trazê-lo em segurança para a Terra até o fim da década. O primeiro passo da Nasa não foi pensar nos foguetes propulsores, na engenharia da cápsula ou nos uniformes e alimentos dos astronautas. Foi pensar num computador. A cúpula da agência sabia que a missão só teria sucesso com instrumentos de navegação de alta precisão. Tanto que o primeiro grande contrato da missão foi assinado dia 10 de agosto, apenas 11 semanas após o discurso de Kennedy, com o Instrumentation Lab, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), divisão dirigida por um homem chamado Charles Stark Draper.

Passos épicos: a caminho do embarque na Apollo 11: os computadores a bordo tinham uma fração da capacidade de processamento de um iPhone

O administrador da Nasa à época, James Webb, e seu adjunto, Robert Seamans Jr, que havia feito mestrado e doutorado no próprio MIT, procuraram Draper. O diálogo entre eles foi publicado pela revista anual AeroAstro, do Departamento de Aeronáutica e Astronáutica da instituição. Depois de umas explicações preliminares ao professor, a Nasa quis saber se o que buscava seria viável para ser concluído ainda na década de 1960.

Dissemos a eles que sim, disse Draper.
Aí a agência espacial questionou se o Instrumentation Lab se responsabilizaria pelo sistema de navegação da espaçonave.
Nós novamente dissemos sim.
Foi perguntado então quando o computador ficaria pronto.
Antes que vocês precisem.
Finalmente Webb e Seamans questionaram: “Como saberemos que você está falando a verdade?”
Eu vou junto e navego isso, disse Draper.

O contrato foi assinado.

Para o autor do recém-lançado One Giant Leap, Charles Fishman, a corrida para a Lua nos anos 60 é frequentemente narrada como um esforço de engenharia. É fato. Mas a Apollo exigiu literalmente milhares de inovações, do design de roupas a novas formas de processar alimentos. Em especial, demandou um salto na área computacional, algo que as histórias sobre a conquista deixam de lado. Naqueles tempos, computadores pequenos variavam entre o tamanho de um grande refrigerador e um Fusca. O da Apollo precisaria equivaler a uma pasta. Antes de pensar em software era fundamental focar na usabilidade do hardware. Como teclar com luvas de astronauta? Até então, computadores exigiam que alguém enviasse pilhas de cartões perfurados e esperasse horas ou dias para obter respostas.

O da Apollo precisaria funcionar em tempo real. A máquina desenvolvida pelo Instrumentation Lab recolheria dados de sensores, do radar e da Terra, processaria e “conversaria” com os tripulantes. Resumidamente, ele não precisava apenas operar. Precisava operar à perfeição. Pensar isso agora é desproporcional. Hoje, até smartphones tomam dezenas de decisões a cada segundo sobre qual tarefa fazer e em que ordem. Mas a solução que embarcou em 1969 era algo único e épico.

MEMÓRIA DE 73 Kb Projetar e programar o computador exigiu esforço de centenas de pessoas por mais de oito anos. Pensado no MIT, ele foi fabricado pela Raytheon. Tinha apenas 73 kB de memória. Havia dois a bordo, e eles poderiam lidar com 85 mil instruções por segundo — um iPhone X lida com 5 trilhões por segundo. À frente da equipe que desenvolvia o software estava Margareth Hamilton, a quem é creditada a popularização do termo engenharia de software. Durante o Projeto Apollo, com 11 missões, nove delas para a Lua, houve 2.504 horas de voo. E sem um só erro de software registrado ou falha de hardware. Não era apenas o menor, mais rápido e mais ágil computador de sua época. Era também o mais confiável. E Margareth, com sua equipe, foram diretamente responsáveis pela performance irrepreensível.

Charles Fishman diz que em seu auge, 410 mil pessos atuaram para levar astronautas à Lua. “Apollo foi o maior projeto de paz já realizado”, afirma. Porém, como colocar o homem na Lua durou poucas temporadas, de 1969 a 1972 — menos que Suits, MadMen e Game of Thrones –, para muitos parece frustrante não haver mais missões tripuladas ao satélite. O sempre polemista Peter Thiel, bilionário investidor e fundador do PayPal, é autor de uma clássica frase questionando o que ele credita como morosidade disruptiva dos anos 2000: “Queríamos carros voadores, nos deram 140 caracteres”, disse.

Provavelmente porque o Projeto Apollo é visto apenas como uma espaçonave. Para deixar as coisas numa perspectiva mais honesta e equilibrada é preciso lembrar que até agora apenas três países realizaram missões lunares — além dos Estados Unidos, a Rússia/União Soviética (Missão Luna) e a China (Missão Chang’e 4). Aliás, o país de Xi Jinping alcançou em janeiro deste ano o notável e inédito feito de pousar uma espaçonave no lado oculto da Lua, que nunca é visto da Terra. Daqui a dois meses, a Índia (Missão Chandrayaan-2) deve se juntar ao clube. São herdeiros do Projeto Apollo, que foi muito mais que uma missão espacial. Foi o marco de um Novo Mundo. E acelerou o que passamos a conceber como Era Digital.


Missão marcou telecomunicações no Brasil

Em 1964 nasceu a Organização Internacional de Telecomunicações por Satélite, tendo o Brasil como signatário. Era um passo decisivo para a criação, no ano seguinte, da Embratel – hoje Embratel Star One. Entre o surgimento da empresa e a inauguração da estação de Tanguá (RJ) não demorou quatro anos. E foi dali que aconteceu a primeira transmissão comercial de TV via satélite, o lançamento da Apollo 9, dia 3 de março. A estação, no entanto, ficaria definitivamente marcada pela missão 11, no dia 20 de julho: a imagem do homem pisando na Lua.

O diretor-geral da Embratel Star One, Lincoln Oliveira, diz que do ponto de vista técnico as transmissões feitas pela missão Apollo não fogem do modelo de qualquer outra num sistema de telecomunicação. “O princípio é o mesmo: você codifica um pacote de informações que segue até o destino final, onde é decodificado e distribuído”, afirma. “A imagem do homem na Lua era enviada até Houston (foto) e de lá seguia para outras estações similares à de Tanguá.”

O que houve de inovador é que não aconteciam transmissões transcontinentais ao vivo. Por meio de satélites é que foi possível a realização desse tipo de evento. Permitiu que se assistisse à Apollo levar o homem à lua, ou ver Pelé e companhia levarem o Brasil ao tricampeonato mundial em 1970. “A estação de Tanguá tinha a melhor tecnologia que o mundo oferecia na época”, diz Oliveira. “E o delay, o retardo, era ínfimo.” A distância da Lua até a Terra (384 mil km) era vencida numa fração de segundo.


Corrida espacial agora é privada

Aeroclube: os bilionários Elon Musk (à esq.), Jeff Bezos (centro) e Richard Branson e suas máquinas para voos espaciais

Por Gabriel Bosa

Meio século depois da conquista da Lua, o mundo assiste a uma nova corrida espacial. Se antes os Estados Unidos e a extinta União Soviética mediam forças pela influência na geopolítica global, a atual disputa tem como foco o turismo e a exploração comercial fora da órbita terrestre. Com motivações e meios diferentes, a competição é centralizada pela Blue Origin, de Jeff Bezos (Amazon), SpaceX, de Elon Musk (Tesla), e Virgin Galactic, de Richard Branson (Virgin).

A SpaceX foi a primeira a revelar os planos concretos de enviar turistas ao espaço. Em setembro do ano passado, a companhia confirmou o nome do bilionário japonês Yusaku Maezawa como o primeiro cliente a decolar a bordo do Big Falcon Rocket, com lançamento previsto para setembro de 2023. Segundo Musk, este será o primeiro passo para voos mais ambiciosos, como o envio dos primeiros humanos a Marte.

A empresa completou uma série de lançamentos de satélites e cargas nos últimos meses, mas o sucesso foi ofuscado pela explosão da cápsula Crew Dragon, em abril, segundos antes da decolagem. O projeto, em parceria com a Nasa, previa levar astronautas à Estação Espacial Internacional para este mês. Hans Koenigsmann, um dos executivos da SpaceX, afirmou que é “cada vez mais difícil” que um voo tripulado seja realizado este ano.

Por quase duas décadas, pouco se soube da Blue Origin, a companhia espacial de Jeff Bezos. Com investimento de US$ 1 bilhão ao ano, o homem mais rico do mundo projeta na exploração espacial uma saída aos problemas da Terra. “Nós, seres humanos, temos que ir ao espaço se quisermos continuar a ter uma civilização próspera”, afirmou à CBS nesta semana.

A Blue Origin projeta fazer a primeira viagem à Lua até 2024. Com planos menos ambiciosos, a Virgin Galactic, do bilionário australiano Richard Branson, tem como foco o envio de turistas ao espaço. Em fevereiro, a SpaceShipTwo completou com sucesso um voo a 80 quilômetros da Terra, considerado o limite da fronteira com o espaço. O mesmo feito já havia sido alcançado em dezembro de 2018. A companhia afirma ter mais de 600 clientes interessados e que já angariou US$ 80 milhões em depósitos dos futuros passageiros. A previsão é levar o primeiro grupo de turistas, com Branson entre eles, até o fim do próximo ano, com passagem a US$ 250 mil.