Alta capacidade de mediação, empatia e equilíbrio. Essas três palavras, segundo um estudo divulgado em setembro pela Universidade Harvard, foram as mais citadas por empregados que possuem líderes femininas. Agora, com a certeza de que o cargo mais alto da Organização Mundial do Comércio (OMC) será ocupado por uma mulher, tais substantivos serão essenciais para enfrentar um período de avanço do protecionismo, desglobalização em massa e tensões ideológicas mundo afora. Na disputa estão a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala e a sul-coreana Yoo Myung-hee, ambas com ampla capacidade de articulação e a promessa de retomar o antigo prestígio do órgão na conciliação comercial entre nações. Algo elevadamente em falta.

A divulgação do nome da nova comandante da OMC será revelado em novembro, e segundo o porta-voz da entidade, Keith Rockwell, a nomeação marca um novo momento do órgão, que precisou aceitar, em agosto, a renúncia do brasileiro Roberto Azevêdo da presidência. A saída repentina, um ano antes do previsto, se deu sob forte pressão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que não concordava com as decisões do órgão na mediação de conflitos comerciais. Com apoio da União Europeia, onde fica a sede da OMC, a primeira tensão a ser enfrentada pela nova dirigente reside na eleição, também em novembro, do próximo presidente norte-americano. Caso Trump se reeleja, é possível que a dificuldade de diálogo continue pelos próximos quatro anos.

Segundo Rockwell, as duas postulantes ao cargo carregam em si qualidades que podem inovar as relações comerciais do mundo e trazer novas soluções para “velhos problemas”. Desde que foi criada, em 1995, a entidade lida com as mesmas tensões. Sendo a mais proeminente delas a que tem China e Estados Unidos como protagonistas. Segundo Meredith Rachael Jones, professora da Universidade de Londres e especialista em cenários globalizados, as indicações pressupõem um novo momento para a organização. “A habilidade de negociação dos homens foi se esvaindo no passar dos anos e acelerada nas crises. Agora teremos uma nova forma de diálogo”, disse a pesquisadora à DINHEIRO.

Na visão da acadêmica, a OMC perde prestígio desde a crise de 2008, e recebe duras críticas pela falta de atuação no diálogo mundial. “O problema mais notório, para mim, foi a falta de capacidade de levar adiante a Rodada Doha”, disse. A Rodada Doha, que teve início em 2001, era uma articulação global para incentivar o livre comércio dos países em desenvolvimento, mas que causou enorme tensão com as nações mais desenvolvidas.

PALCO DA DISCÓRDIA Hoje a OMC tem 164 membros, que são escolhidos por cotas e visam trazer pluralidade nas negociações. Na prática, no entanto, os agentes se tornaram barreiras ideológicas para seguir orientações dos respectivos mandatários do país que representam. “A OMC perdeu muito ao se tornar só um palco de discursos inflados e negociações frustradas”, disse Meredith. O resultado, segundo ela, é que o espaço neutro que a organização oferecia para arbitragem se transformou em mais uma barreira burocrática. “O mecanismo de apelações está parado, desde o ano passado, porque os Estados Unidos barraram a indicação de juízes, impossibilitando qualquer mediação.”

Outro desafio adiante são as relações de trabalho e comércio internacional em um mundo pós-pandemia. Com novos protocolos de saneamento e obrigações trabalhistas modificadas, a OMC precisará dar mais atenção para questões como sustentabilidade, relações de trabalho e transparência sanitária. “Há grande expectativa dos membros de chegar a uma conclusão sobre o posicionamento da OMC com relação a esses temas”, disse Meredith.