A linha que divide as ambições políticas do presidente Jair Bolsonaro e os planos liberais do ministro da Economia Paulo Guedes foi reforçada na última semana. Em conversas internas, Guedes disse que teria chegado o momento de o presidente fazer escolhas, já que não há espaço no Orçamento de 2022 para tudo que Bolsonaro deseja, sendo necessário escolher entre o aumento do Bolsa Família, a reativação de obras de infraestrutura ou o reajuste dos servidores — em especial da ala militar. As medidas, que possuem potencial de alavancar a popularidade do presidente em ano eleitoral, seriam um veneno para as contas públicas. A estimativa da equipe de Guedes é que, ao viabilizar todas as demandas, seria impossível manter o teto de gastos no próximo ano. Pelas contas iniciais, o governo teria um espaço entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões (a depender da inflação) para gastar livremente ano que vem.

Uma solução, então, seria jogar nas mãos do Congresso os recursos a serem escoados para obras. Em 2021, os deputados conseguiram quase R$ 30 bilhões para usar por meio de emendas parlamentares, sendo que R$ 17,5 bilhões foram sob custódia do relator do Orçamento. O problema é que isso pode gerar um problema ainda maior que o teto. No dia 30 de junho, o Tribunal de Contas da União (TCU) informou que a condução dessas emendas de relator fere a Constituição, e que precisaria ser revista no próximo ciclo orçamentário. Neste ano, o recurso foi repassado pelo chamado Orçamento paralelo, uma dinheirama usada para (e por) aliados políticos do presidente.

E os problemas não param por aí. Segundo o desenho inicial do Orçamento, o governo quer instituir uma espécie de gatilho que garanta a execução de investimentos em estatais, obras viárias e de saneamento mesmo que haja atraso na aprovação das contas do ano pelo Congresso. Em junho, em audiência pública, Guedes falou sobre a pressão do presidente. “Nós até podemos arrumar o dinheiro, mas dois minutos depois outro ministro vai me ligar dizendo que perdeu Orçamento. Não existe mágica”, disse.

ALIADOS DO PRESIDENTE Mesmo a contragosto de Paulo Guedes o presidente Bolsonaro prometeu reajuste no salário dos militares também no ano que vem. (Crédito:Isac Nóbrega/PR)

Outro desejo do presidente é reformular (e turbinar) o Bolsa Família. A estimativa é que o aumento do número de beneficiários e do valor total do auxílio custem cerca mais R$ 18 bilhões ao ano. Também está na mesa o reajuste dos servidores federais. Segundo Guedes, a cada 1% de reajuste salarial, haverá gasto adicional de R$ 3 bilhões ao ano. O ministro ainda precisa fazer caber eventuais gastos (entre R$ 2 bilhões e R$ 5 bilhões) caso o voto impresso avance no Congresso. Em junho Bolsonaro disse ter alertado Guedes. “Se passar [o voto impresso], você vai arranjar o recurso.”

PROBLEMAS IMEDIATOS Mas para chegar com condições de disputar a eleição em 2022, Bolsonaro precisa primeiro desviar das denúncias de corrupção que o cercam. E a melhor forma de reverter uma imagem negativa é, para o desespero de Guedes, liberar dinheiro. Na última semana Bolsonaro disponibilizou, via orçamento secreto, repasse de R$ 2,1 bilhões em emendas do relator-geral do Orçamento para fundos municipais de saúde. A transferência das verbas está prevista em 28 portarias assinadas na semana passada, entre 28 e 30 de junho, pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

E foi no mesmo dia 30 de junho que o ministro do TCU Benjamin Zymler disse que “claramente” essas emendas se contrapõem aos princípios orçamentários de transparência e universalidade. A fala se deu na aprovação das contas de 2020, com a ressalva da necessidade de maior publicidade das informações sobre como os repasses acontecem. Para se ter uma ideia, 26 % dos R$ 7,8 bilhões destinados à Saúde vão vir do Orçamento paralelo.

E se o TCU pede uma revisão, o Congresso segue seu curso, tanto que dois deputados envolvidos no orçamento secreto devem comandar a destinação das verbas federais de 2022. O deputado Juscelino Filho (DEM-MA) foi direcionado para a relatoria da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Hugo Leal (PSD-RJ) será o relator-geral da Lei Orçamentária Anual (LOA) do próximo ano. Mas eles não querem parar por aí. Em 2020 o presidente Bolsonaro vetou um dispositivo da LDO que dava ao Congresso livre arbítrio no destino das emendas do relator. Agora, os deputados devem voltar com a sugestão, mas desta vez diante de um Bolsonaro que precisa ainda mais de apoio político nas Casas.