O recente lançamento do Chat GPT, com sua potência revolucionária do uso da inteligência artificial, mostra como evoluímos nos últimos anos. Já somos capazes de produzir energia a partir do lixo urbano e proteger transações financeiras por blockchain. A despeito de tanta disrupção, parte da humanidade vive uma realidade arcaica na qual o debate sobre a inclusão de mulheres na economia ainda se faz necessário. A igualdade de gênero ainda é um ponto longínquo no futuro. Até lá, gerações e gerações de mulheres ainda terão de lutar todos os dias por direitos elementares. A mesma humanidade que precisou de apenas 14 meses para criar uma vacina eficaz contra a Covid-19 levará séculos para colocar homens e mulheres em real pé de igualdade. Quem disse isso foi António Guterres, secretário-geral da ONU. Na abertura da Comissão sobre o Status da Mulher, em Nova York, ele afirmou que o mundo ideal sob o ponto de vista de gênero “levará ao menos 300 anos” para ser alcançado. Por que tanto tempo?

Para entender, é preciso olhar os dados do Banco Mundial divulgados este mês. Eles revelam que 2,4 bilhões de mulheres em idade ativa não têm oportunidades econômicas iguais às de homens e que 178 países mantêm barreiras legais que impedem sua participação econômica plena. O Brasil ficou na posição número 66. Por aqui, apenas 35,5% das brasileiras estão empregadas — e as que estão ganham em média 21% menos do que os homens, segundo levantamento do Dieese. Mudar essa realidade exige que a iniciativa privada reconheça seu papel transformador. Para a representante do escritório ONU Mulheres Brasil, Ana Carolina Querino, “é preciso assumir o protagonismo pela inclusão de gênero na economia.”

Em teoria, as empresas deveriam saber disso. Mas entre as 400 organizações listadas na B3, só 16 entraram no Índice de Igualdade de Gênero da Bloomberg. Quando a régua sobe na hierarquia, o problema piora. No mundo 19,7% dos cargos em Conselhos de Administração são ocupados por mulheres, taxa que cai para 10,4% no Brasil, segundo o levantamento Women in the Boardroom, da Deloitte. Se na iniciativa privada há muito a ser feito, na esfera pública há muito a ser garantido. Essa é uma das lutas de mulheres como Luiza Trajano, que hoje ocupa a presidência do colegiado do Magazine Luiza e do Grupo Mulheres do Brasil. “Sempre defendi cotas para as mulheres em conselhos, pois é mais do que comprovado que sua presença melhora a eficiência de empresas e de entidades públicas”, afirmou.

Se é pelo exemplo que se transforma, de nada adianta cobrar mudanças do setor privado se o público não as fizer. Eleito por uma frente sustentada por mulheres, negros e membros da comunidade LGBTQIA+, o presidente Lula mostrou seu comprometimento na quarta-feira (8), ao anunciar medidas para o bem estar e desenvolvimento financeiro das mulheres. Entre elas está uma lei de equidade salarial, que condiciona o empregador a pagar multa de até dez vezes o maior salário da empresa em caso de descumprimento. O texto segue agora para o Congresso Nacional. Também foram anunciadas medidas de estímulo à pesquisa, liberação de crédito, construção de residências sociais e outras 16 medidas. “A igualdade de gênero não virá da noite para o dia, mas precisamos acelerar esse processo”, disse o presidente Lula.

No governo atual são 11 ministras em 39 ministérios, maior proporção da história (28,2%), mas longe da representatividade brasileira (51,1%). Neste governo as mulheres chegaram ao topo pela primeira vez em institutos como o Ipea e em instituições financeiras de porte, como Caixa e Banco do Brasil. Este, inclusive, liderado por Tarciana Medeiros. Preta, lésbica e mãe. “Meu sonho é ver todas as mulheres no topo. E o topo é uma questão subjetiva de cada mulher”, disse.

A frase ecoa o pensamento de Simone de Beauvoir no livro O Segundo Sexo, de 1949. “Que nada nos limite, que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância, já que viver é ser livre.” Foi pensando nessa liberdade que DINHEIRO entrevistou dez mulheres que são referências no que fazem e têm excelentes histórias para compartilhar.

A força feminina no setor privado

Luiza Trajano Presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza
Inclusão do privado para o público

Claudio Gatti

Recém-nomeada para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do governo Lula, Luiza Trajano é um dos raros exemplos de uma mulher que une a representação feminina de qualidade na iniciativa privada e na pública. E sempre em ambientes predominantemente masculinos, como no varejo de larga escala. O setor, que era dominado por homens, se curvou ao talento da executiva que levou o Magazine Luiza ao posto de um dos maiores grupos privados do País com faturamento de R$ 56 bilhões em 2022. No resultado do ano passado, porém, está uma contribuição indireta da empresária. Hoje, como presidente do Conselho, não está mais na gestão diária da companhia que ajudou a construir. Participa mais das decisões estratégicas de negócios. Se dedica também ao Grupo Mulheres do Brasil, criado por ela em 2012 com 50 mulheres que se uniram com o objetivo de melhorar o País. Atualmente, mais de 4 mil membros atuam diretamente por temas como diversidade. Exemplo na agenda é a campanha Pula pra 50, que quer buscar 50% de representatividade de mulheres nas próximas eleições legislativas. “O olhar da mulher no espaço público é fundamental para a melhoria da sociedade”, disse. Sua luta pelas cotas não é nova. Há mais de dez anos as defende abertamente. “Na área privada, sempre defendi cotas para mulheres em Conselhos de Administração em empresas de capital aberto”, afirmou. E justifica a importância do instrumento questionado por muitos. “Criar cotas é uma necessidade para agilizar processos que levariam dezenas de anos para ser equacionados”, afirmou.

Monica de Carvalho Membro do conselho administrativo da Falconi Consultoria e da Clear Sale
Múltiplos papéis como diferencial

Claudio Pepper

Junto à Luiza Trajano no início do Grupo Mulheres do Brasil há empreendedoras como Monica de Carvalho, que trocou a publicidade pelo mercado de tecnologia ao entrar no Google em 2016. Diretora de negócios para Finanças, Telecomunicações, Automotivo e Viagens na big tech, a executiva é também membro dos conselhos da ClearSale, de soluções antifraude e score de crédito, e da Falconi Consultoria. Em comum em todas as experiências, a luta pela valorização de talentos femininos. “Temos um longo caminho a percorrer para chegarmos à equidade, sobretudo no campo profissional”, afirmou. Sua defesa da agenda não é só pelo lado social, mas sim por uma visão de negócio. “Quanto mais diversa uma empresa, melhores resultados são gerados”, afirmou ao apontar estudo da McKinsey de 2022 que mostra que o lucro das empresas pode ser até 50% maior quando as mulheres ocupam posições de liderança. É raro tratar de negócios com Monica sem que ela se baseie em números, então não surpreende o fato de enxergar as cotas como parte fundamental do processo de inclusão. “É preciso plano estratégico e metas para todos os estratos da organização”. Sobretudo na liderança, onde mulheres podem mostrar a outras que os múltiplos papéis que exercem são diferenciais competitivos, e não obstáculos. “Essas diferentes experiências ampliam minha visão de mundo e influenciam positivamente na minha inteligência emocional, sensibilidade, empatia e no meu desempenho”. No fim, pluralidade apresenta resultados. “A unicidade de pensamento não leva ao crescimento e nem à inovação.”

Ana Oliva Presidente do Conselho da Astra e do Conselho da Finamax, diretora da Japi
Compromisso com a meta

Divulgação

Inspiração e metas andam juntas também no Grupo Astra, empresa de construção civil. Ana Oliva Bologna, presidente do Conselho de Administração, tem como compromisso de sua gestão aumentar a representatividade feminina no grupo. Segundo ela, 33% do quadro de colaboradores e 24% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres. “A meta é chegar a 40% (em ambos)”, afirmou. Para cumprir a meta, o primeiro passo foi estruturar a governança. “Assim como nos negócios, ter metas e um plano de ação para acompanhar a evolução e mudar eventualmente a estratégia é fundamental”. No campo da ação, programas como o Renascer. Na iniciativa estão inclusas a extensão de licenças maternidade e paternidade (seis meses para as mães e 20 dias para os pais), sala de lactação e apoio psicológico durante a gestação, pós-parto e retorno ao trabalho. A companhia também investe na plataforma Bloom Care, com orientações da gestação até os 10 anos de idade da criança e telemedicina com profissionais altamente qualificados. Além de presidente do colegiado da Astra, Ana é presidente do Conselho da Finamax, empresa do setor financeiro, e atua como executiva e sócia de outros empreendimentos. Por isso, tem bastante claro que no que se refere à diversidade, a solução passa pela união. “Não acredito em um responsável e, sim, que esse deve ser um trabalho de toda a sociedade.”

10,4% participação de mulheres nos conselhos de administração é irrisória e mostra o quanto é preciso evoluir

Ana Fontes Fundadora da Rede Mulher Empreendedora, do Instituto RME e conselheira da Unimed, do Instituto Avon e da Plan BR
Dia de reforçar a luta

Priscila Prade

Mulher, preta e empreendedora, Ana Fontes sabe bem o que é preconceito e a necessidade de se falar sobre ele. Por isso, a fundadora da Rede Mulher Empreendedora, do Instituto RME e conselheira da Unimed, do Instituto Avon e da Plan Brasil defende a manutenção do Dia da Mulher no calendário. “Só não seria relevante em uma situação de equidade”, afirmou. Mas completou: “O perigo é que a data se torne só comemorativa, quando tem que servir de alerta para falarmos sobre temáticas ainda longe do ideal”. Um exemplo citado por Ana é a desigualdade no mercado de trabalho. A pesquisa Women, Business and The Law (Mulheres, Negócios e a Lei, em tradução livre) do Banco Mundial, referenda sua opinião. Segundo o documento, 2,4 bilhões de mulheres em idade de trabalhar vivem em economias que não lhes concedem os mesmos direitos que os homens. “As mulheres estão sub-representadas nos espaços de trabalho, seja em empresas, no governo ou na política”, disse Ana. Foi a busca pela igualdade que a fez fundar a RME, que já impactou 9 milhões de mulheres, gerando R$ 33 milhões em renda. “Falar em diversidade é falar em negócios”, afirmou. Por isso, atua nos conselhos para que a agenda de inclusão esteja nas principais mesas de decisão. Parece simples, mas o problema é bem básico. “Ainda há muitos executivos que não entendem o porquê da diversidade, e seguem sem fazer a conexão com o negócio.” É para, entre outras tarefas, conscientizar os demais que a intencionalidade na contratação de mulheres é relevante.

Amanda Souto Baliza Advogada trans, conselheira seccional pela OAB-Goiás e Vice-Presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero do Conselho Federal da OAB
Pelo fim do retrocesso

Indy Braga

Primeira mulher trans do País a presidir uma comissão da OAB, a primeira eleita para um Conselho Seccional da OAB e a única a ocupar a diretoria de uma comissão no Conselho Federal, a advogada Amanda Souto Baliza propõe um olhar especial ao Dia da Mulher deste ano. “É o momento de refletir sobre a constante ameaça a nossos direitos.” O sinal de alerta vem do fato de que avanços no tratamento social às mulheres estão sendo questionados ou abolidos. Cita como exemplo a decisão do governo americano de derrubar lei que garantia o direito ao aborto no nível federal e decisões do Brasil de se abster em votação contra o casamento infantil forçado. “Infelizmente, quando falamos em direitos das mulheres e de grupos minorizados o princípio da proibição do retrocesso só existe no papel”, afirmou. Ainda que reconheça avanços, como os esforços de empresas para aumentar a participação feminina, questiona os resultados quando o recorte é por cargos mais altos e por inclusão de pessoas trans. Inclusive no direito. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, em 2018 o percentual de magistradas em atividade é de apenas 38,8%. E quanto mais alta a hierarquia, mais baixa é a participação: desembargadoras, 25,7%; magistradas nos tribunais superiores, 19,6%. No Supremo Tribunal Federal, de 11 ministros apenas duas são mulheres. “Esse padrão se repete em outros poderes, instâncias e empresas.” E lembrou que mesmo “no governo federal, apesar do recorde de mulheres ministras de Estado, ainda não há paridade”. E nenhuma trans.

A força feminina no poder público

Tarciana Medeiros Presidente do Banco do Brasil
Uma mulher à frente do bb, milhões de outras empoderadas

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Tarciana Medeiros, aos 44 anos, é uma dessas mulheres que nasce uma em 1 milhão, mas cuja existência é capaz de transformar a vida de outras dezenas de milhares. Foi assim desde o início de sua vida, em Campina Grande (PB). De lá para cá ela fez de tudo um pouco. Jogou basquete, foi professora. Entrou em desvantagem por seu gênero e origem na corrida pelo estudo e pela educação e, em meados dos anos 2000, começou sua carreira no Banco do Brasil, traçado este que resultou, em janeiro deste ano, em sua nomeação como a primeira presidente mulher do banco. É muito simbólico falar de uma mulher à frente em um universo machista como o financeiro, mas faz muito sentido que seja uma (e que seja ela) no comando de uma instituição pública, focada no fomento e no desenvolvimento de outros brasileiros. Para que esse desejo de mudança ultrapasse o campo das ideias e se perpetue na realidade de um banco que completa este ano seu 215° aniversário, Tarciana enumera seus desafios enquanto mulher. “Há mais de 20 anos, quando passei no concurso do Banco, mostrei para pessoas do que eu era capaz. Depois, mostrei que eu daria conta de dar bons resultados. E dei”, afirmou. Agora é hora de deixar que outras façam o mesmo. Já foram nomeadas mais três mulheres em cargos de vice-presidência, somando quatro no Conselho Diretor, numa relação de equidade. “Esse é o tom da liderança pelo exemplo. Queremos que isso se reflita também em todos os cargos de gestão.” E assim o sistema financeiro vira também um sistema mais humano. Que apoia e incentiva mulheres a serem empreendedoras, independentes e que possam sair da condição de subserviência que resulta em vulnerabilidade financeira, emocional e até física. “E isso só acaba quando as mulheres estiverem em condições de ter autonomia financeira, que é uma das bases para a liberdade de ser quem quiserem.”

Luciana Santos Ministra de Ciência, Tecnologia & inovação
Pesquisa é coisa de mulher, sim!

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Ocupar espaços nunca (ou pouco) destinados a mulheres parece a sina de Luciana Santos, a primeira ministra de Ciência, Tecnologia & Inovação do Brasil, primeira vice-governadora de Pernambuco, formada em engenharia elétrica e líder estudantil. Durante sua trajetória, desde os anos 1980, não foram poucos os ataques públicos, os questionamentos sobre sua capacidade e as dúvidas envolvendo sua competência. Mas isso nunca a fez esmorecer. Mulher preta e nordestina, seu batom vermelho, cabelo enrolado e jeito alegre em festas de Carnaval escondiam toda e qualquer insegurança que uma mulher na política tende a receber. Ela conta que, quando foi conduzida à cúpula do governo Lula III por indicação de seu partido, PCdoB, a primeira coisa que pensou foi “o tempo do negacionismo acabou!” E para ela isso diz muito. Chega de negar a mulher preta que quer ser cientista. À mulher pobre o seu direito de ser pesquisadora, à médica seus recursos para se desenvolver e às meninas de brilharem na tecnologia. “Somos muitas, mas ainda somos minoria em determinadas áreas do conhecimento e nas posições de liderança”, disse. De acordo com ela, o fomento de pesquisa, inovação e tecnologia produzida por mulheres, a criação de um ambiente menos inóspito e que acolha todo tipo de minoria é uma agenda que ultrapassa o mês de março, e atravessa sua história de vida. “Com o sistema de cotas avançamos, mas a ciência brasileira, infelizmente, ainda é desigual”, afirmou. Para Luciana, respeitar a ciência é assumir que todos, desde que capacitados e preparados, podem fazer parte dela. (Colaborou Flávia Gianini)

Sandra Goulart Reitora da UFMG
Educação: a maior ferramenta de transformação

Foca Lisboa/Divulgação

A quem serve os ignorantes? A resposta desta pergunta talvez seja o que norteia a história acadêmica e de desenvolvimento profissional de Sandra Goulart, o nome por trás da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E é na busca por disseminar essa resposta que ela convida a todos a rever o papel do dia 8 de março na sociedade contemporânea. “Precisa ser encarado como um dia de reflexão, não apenas como a celebração das mulheres, como muitas vezes tem sido usado.” Em sua história como gestora acadêmica não foram poucas as vezes que ela se viu como a única mulher em uma reunião e por isso foi alvo de piadas, comentários machistas e desvalorização da sua voz. “Como eu lido com isso? Eu simplesmente ignoro. Quando eu sou interrompida, eu paro e digo ‘eu ainda não acabei o meu raciocínio, poderia, por favor, esperar?’”. No comando da UFMG em seu segundo mandato, se repetiram os casos de homens querendo ensiná-la a fazer o próprio trabalho, por isso o foco de Sandra é sempre multiplicar o pensamento crítico e a capacidade de entendimento dos alunos da universidade. “Eu tento fazer os meus estudantes pensarem, fazerem uma reflexão mais aprofundada”, disse. E ao incentivar a vontade de potência de tantos jovens que querem mudar o mundo, Sandra também se transforma em um arauto do Brasil que ela deseja. “E que nada, nem ninguém, nos impeça de atingir aquilo que queremos.”

Erika Hilton Deputada Federal pelo PSOL
Transpassa barreiras, transforma o mundo

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Desde muito nova, quando foi expulsa de casa, a deputada federal pelo PSOL de São Paulo Erika Hilton entendeu que a sua existência e sobrevivência não poderiam depender dos outros. Ela, que é a primeira mulher trans (ao lado de Duda Salabert, PDT-MG) a compor o quadro de parlamentares da Câmara, sabe que este foi apenas um dos muitos passos que teve que dar sozinha para garantir que a sua voz (que representa tantas outras) fosse ouvida. “Foi na vulnerabilidade, na marginalidade que eu entendi o projeto da sociedade para o meu corpo, e nesse momento eu penso ‘eu não morrerei aqui’”, disse. Essa virada de chave, que nasce em um momento de dor, foi também o combustível que fez Erika ocupar espaços em que pessoas como ela são, diariamente, cerceadas. “Meu papel hoje na Câmara é levantar debates importantes, provocar a política e propor a revisão da institucionalidade, hoje tão travada”, afirmou. E para chegar lá, diz a deputada, o caminho é falar sobre transferência de renda, políticas públicas afirmativas de equidade, inclusão e abertura de portas para corpos e pessoas diferentes. “Pode parecer utópico, mas o poder público precisa reconhecer todo o dano promovido pelo racismo, pela homofobia e garantir a essas pessoas uma reparação histórica. Isso é sobre dignidade humana”, disse. Nascida em Franco da Rocha (SP), Erika viu a face mais feia da sociedade, mas escolheu ser ela a face mais bonita e que daria aos seus a esperança de transpassar qualquer barreira.

Luciana Servo Presidente do IPEA
Entender o passado para mapear o futuro

Helio Montferre

Falar que a mulher tem um dom natural para cuidar do outro poderia ser um clichê imenso e carregado de estereótipos ultrapassados, mas não é o caso quando falamos de Luciana Servo, funcionária de carreira do Ipea e que este ano se tornou a primeira mulher negra a comandar o instituto de pesquisas. A especialidade de Luciana, que tem doutorado em economia, sempre foi cuidar, vigiar e servir, mas de um jeito menos convencional do que a sociedade geralmente espera de uma mulher. Boa parte de sua carreira foi dedicada a mapear o sistema de saúde pública, mostrando sua perversidade desigual e sua importância vital para o desenvolvimento do País. Agora, no comando do órgão que baliza boa parte da construção de políticas públicas do Brasil ela pretende usar todo o poder que seu lugar de fala e sua voz são capazes de proporcionar. “Aprendi muito cedo a me impor e a conquistar meus espaços”, afirmou. No Ipea há 24 anos, Luciana conta que essa voz só foi encontrada porque, além do ambiente familiar, sua história profissional também trouxe personagens que lhe deram ouvidos, espaço e oportunidade. “Contudo, no campo da pesquisa e assessoria direta, o Ipea é uma instituição majoritariamente masculina, pois ainda é vista como uma instituição de economistas, que é uma área masculinizada”. Seu esforço em pesquisa, que ajuda a entendermos o Brasil que vivemos e planejar o que queremos mostra em números quão desigual é a sociedade brasileira. “Em áreas do mainstream econômico há poucas mulheres. Mudar essa clivagem implica ocupar esses espaços.” Segundo ela, não foram raras as situações tanto dentro quanto fora da instituição em que cercearam as falas das mulheres. Para reverter isso, o plano é falar e deixar que outras falem. “Quero me colocar no debate como uma mulher negra que alcançou o posto máximo da instituição e deixar claros todos os desafios dessa trajetória”, afirmou. “Nenhuma de nós a menos!”