Maior companhia do Brasil e uma das principais petrolíferas do mundo, a Petrobras vive hoje um momento de apreensão. Parte por causa da queda da demanda de combustíveis no País a partir do isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19. A isso se somou o preço global em queda do barril do petróleo. O terceiro ingrediente é o mais corrosivo deles: o temor de interferência na gestão da companhia de seu maior acionista, o governo federal, que em momentos de crise econômica tenta fazer da empresa pilar da retomada e de resposta aos solavancos da administração pública. “Não vou tolerar interferências políticas em minha gestão”, disse o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, em webinar realizada na terça-feira (30) pela Câmara Americana de Comércio (Amcham Brasil), ao responder questionamento da DINHEIRO.

A dúvida é saber o quanto o discurso corresponderá aos fatos. Porque no ano passado não foi assim. A interferência política, aliás, vinha sendo algo recorrente nas últimas gestões presidenciais e a marca negativa da companhia. No início do atual mandato, o mesmo presidente da Petrobras teve de assistir à intromissão do chefe do Executivo na decisão do reajuste do diesel, em abril 2019, em 5,7%. Dias depois, ele admitiu que interferiu para que o preço não subisse, seguindo a linha de Dilma Rousseff (PT) e que foram alvos de constantes críticas.

A participação do atual governo federal em uma decisão que caberia apenas aos dirigentes da companhia resultou, à época, em queda imediata de 5% no preço das ações da Petrobras. Neste ano, entre 2 de janeiro e 2 de julho as ações da empresa saíram de R$ 30,70 para R$ 22,14 (até o fechamento desta edição), redução de 28%, tendo operado na casa dos R$ 11 em 18 de março, início da pandemia. Para o analista Raphael Guimarães, head de renda variável da RJ Investimentos, dificilmente os preços deverão alcançar índices pré-pandemia. “A Petrobras está vivendo momento conturbado, principalmente pela desregulação da oferta e da demanda.”

Roberto Castello Branco diz que a administração tem “respeitado” a Petrobras. “Não temos, em nossos quadros, indicados políticos. Se houver alguma iniciativa de subsidiar algum setor da atividade econômica, deve partir do Tesouro Nacional”, diz o presidente da companhia. “Não é função de uma empresa subsidiar quem quer que seja.”

Após registrar, em 2019, o maior lucro de sua história, com resultado que alcançou R$ 40,1 bilhões, a Petrobras viu esse patrimônio escorrer pelas mãos em apenas três meses, quando registrou, no primeiro trimestre deste ano, prejuízo de R$ 48,5 bilhões, contra lucro líquido de R$ 4 bilhões no mesmo período do ano passado, e R$ 8,15 bilhões registrados no 4º trimestre de 2019. A dívida bruta aumentou 2,4% em relação aos quatro últimos meses de 2019, alcançando US$ 89,2 bilhões no período de janeiro a março de 2020. O resultado dos primeiros três meses deste ano é ainda pior do que o registrado no 4º trimestre de 2015, com prejuízo de R$ 36,9 bilhões, no auge da operação Lava Jato, um dos maiores casos de corrupção da história, quando a empresa sofreu “assalto”, nas palavras de Roberto Castello Branco, e que segundo o Tribunal de Contas da União (TCU) significou rombo de R$ 29 bilhões nas contas da companhia.

POSTOS VAZIOS Evidentemente, o efeito da pandemia também foi desastroso. Menos carros nas ruas representaram menos combustíveis deixando as bombas de postos para os tanques de automóveis e caminhões. Dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP) confirmam o tombo monumental. Em abril, primeiro mês cheio a partir do isolamento social, a queda na venda de gasolina foi de 28,8% em relação ao mesmo mês de 2019, menor patamar de abril desde 2009. No diesel, a redução foi de 14,6%. No mês seguinte, o ritmo da perda desacelerou, e o recuo nas vendas de gasolina foi de 20,4% em relação a maio de 2019. No diesel, a retração foi de 9,1%. Mas ainda com efeitos da quarentena, a partir do freio da movimentação de veículos para tentar conter o avanço no novo coronavírus no Brasil.

E a queda foi global. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a redução na demanda do petróleo em abril foi de 25 milhões de barris diários, o equivalente a um quarto do consumo diário mundial, de 100 milhões de barris, por causa do confinamento de mais de 4 bilhões de pessoas, o que significou um dos piores cenários em um mês dos últimos 25 anos. Agrava o cenário o desentendimento entre Rússia e Arábia Saudita – o aumento da produção de petróleo por parte dos árabes fez com que o preço do barril atingisse o que o presidente da Petrobras chamou de “fundo do poço”.

ROMBO Prejuízo da empresa nos primeiros três meses de 2020 foi ainda maior do que o apontado no último trimestre de 2015, no auge da Operação Lava Jato, quando alcançou a cifra negativa de R$ 36,9 bilhões. (Crédito:Divulgação Petrobras )

Outro indicativo do momento delicado da companhia e da economia foi a decisão da Petrobras de cortar US$ 3,5 bilhões em investimentos para este ano, caindo de U$ 12 bilhões para US$ 8,5 bilhões. Segundo o presidente, no entanto, não haverá paralisação de projetos, mas a diminuição do ritmo no emprego dos recursos. Também foram interrompidos os trabalhos em 62 plataformas, além de renegociação de contratos com fornecedores. “Postergarmos iniciativas e estamos fazendo avaliação integral de projetos, principalmente a médio e longo prazo, que precisam se mostrar viáveis aos novos preços do petróleo”, diz o dirigente da companhia.

ENCOLHIMENTO A Petrobras anunciou, também, a maior baixa contábil (revisão de sua perspectiva de resultados) de ativos da história da companhia, de US$ 13,2 bilhões. “São ativos que não valiam mais o que estava escrito nos livros contábeis, diante de um cenário mais conservador de preços”, diz Castello Branco. A questão é se o péssimo resultado do trimestre poderá resultar também na diminuição de ritmo do plano de investimentos da companhia, que envolve R$ 100 bilhões nos próximos dois anos. Segundo o presidente, o processo não para, ainda que em tom mais moroso. Em julho de 2019, a Petrobras vendeu, por R$ 9,6 bilhões, o controle da BR Distribuidora, maior do País, com 7,7 mil postos, reduzindo sua participação de 71% para 41%. Com a venda de mais um lote de ações, a companhia hoje possui participação societária de 37,5% da BR.

Relatório do banco BTG Pactual de 21 de maio aponta que a Petrobras “continua comprometida em cumprir seu plano de venda de ativos, incluindo a fase vinculativa da venda das refinarias antes do fim do ano”. Mas também citou o risco de interferência externa, vinda do Palácio do Planalto. “Nas últimas semanas, a política de preços de combustíveis da Petrobras voltou ao escrutínio público depois que a empresa anunciou aumentos de gasolina e diesel, aumentando a preocupação dos investidores sobre a independência política da empresa.”

Fato é que, na quarta-feira (1º), a companhia anunciou reajuste médio de 6% para diesel vendido em suas refinarias e 3% no aumento da gasolina, a partir do registro de pequena melhora na demanda. Na prática, também é resultado do aumento do preço do barril, que chegou a ser cotado perto de US$ 15 em abril, para uma recuperação num patamar de US$ 40 por barril. O analista de energia da Tendência Consultoria, Walter de Vitto, afirma que a retomada será em ritmo lento. “A menor capacidade de consumo, a partir do aumento do desemprego, reflete na cadeia de combustíveis. O cenário é de dificuldade, com recuperação bem gradual”, diz. “Mesmo que haja repique na demanda, a perspectiva é de até anos mais desafiadores.”

Ainda que em um cenário incerto, Roberto Castello Branco lembrou que a companhia vem alcançando bons índices de produção, com 822 mil barris de óleo diário, anunciado no dia 27 de junho, no Campo de Búzios, no pré-sal da Bacia de Santos. Para o presidente da Petrobras, não há mais espaço para solavancos políticos que influenciem decisões técnicas da companhia. “Uma empresa não deve se nortear por questões políticas. Procuramos fazer o melhor para os acionistas. E temos 700 mil acionistas.” O governo federal tem 36,75% do capital da Petrobras e 50,5% das ações votantes. “Todos nós, brasileiros, somos acionistas da Petrobras”, diz o presidente da empresa.

MOVIMENTO O isolamento social a partir do aumento de casos da Covid-19 no Brasil fez com que a venda de gasolina caísse 28,83% em abril em relação ao mesmo mês de 2019, segundo a Agência Nacional do Petróleo. (Crédito:Marcello Zambrana)

Roberto Castello Branco aproveitou a recente leitura do livro The Great Society para criticar governos populistas nos Estados Unidos e em outros países, o que chamou de “um grande mal”. Mas talvez valha para o presidente da petrolífera incluir como leitura o recente artigo do Financial Times que apontou que o populismo do atual presidente da República está prejudicando não só a economia como a imagem do Brasil no Exterior. Para a Petrobras, boa imagem mundo afora é sinônimo de boa governança. E isso exclui decisões de políticos.