Quão longe um político é capaz de ir para manter uma promessa de campanha? Se for Donald Trump e tiver um ego tão grande quanto seu poderio econômico, a resposta é bem longe. Desde 22 de dezembro a maior potência do planeta, com uma economia de US $ 19 trilhões, está paralisada. No maior shutdown (fechamento) de sua história, cerca de 800 mil trabalhadores do setor público, incluindo funcionários da Casa Branca, entraram em licença obrigatória ou trabalham sem remuneração. Trump se recusa a assinar o orçamento para financiar o governo federal se não forem incluídos os recursos para a construção do muro na fronteira com o México.

Os democratas rejeitam o pedido do presidente, que não aparenta qualquer sinal de que irá esmorecer. Enquanto a economia sofre, o republicano esbanja sarcasmo. Em meio à penúria estatal, ele ofereceu cerca de mil hambúrgueres e pizzas encomendados em redes de fast foods durante um jantar oferecido na Casa Branca ao time de futebol americano Clemson Tigers, campeão da liga universitária. Culpando a paralisação pela falta de funcionários do serviço de alimentação, o presidente ainda fez graça ao dizer que não sobraria uma migalha da “grande comida americana”.

Enquanto Trump posava com a junk food para fotógrafos, os economistas acendiam a luz amarela. Inicialmente, a administração federal estimou que a paralisação custaria à economia 0,1 ponto percentual em crescimento a cada duas semanas com servidores sem pagamento. O número, no entanto, parece ser maior. Já se fala em 0,13 ponto percentual a cada semana e estima-se que, com 15 dias de fechamento, o prejuízo já seja equivalente ao valor da construção do muro: US $ 5,6 bilhões. A paralisação , segundo a S&P Global, já custou à US $ 3,6 bilhões. Se extrapolar fevereiro, a economia de uma forma geral será ainda mais prejudicada.

Protótipos: na fronteira com o México, Trump testa modelos para o muro que pretende construir

Na quarta-feira , 16, o Bank of America Merrill Lynch reiterou sua preocupação com o custo econômico da brincadeira. “Vai ser um choque significativo se durar meses, em vez de semanas”, declarou Ethan Harris. No dia anterior, o CEO do JPMorgan, Jamie Dimon, também se manifestou e disse que o crescimento do PIB americano poderia ficar estagnado se a paralisação continuasse. “O crescimento pode ser reduzido a zero”, disse Dimon em teleconferência a jornalistas.

O risco é real, uma vez que o republicano ameaça manter o governo federal parcialmente fechado por “meses ou até anos” e já considera declarar uma emergência nacional para construir o muro sem o apoio do Congresso. Até que um plano de gastos seja aprovado, cerca de um quarto do governo federal permanecerá fechado e funcionários como controladores de tráfego aéreo e agentes do Serviço Secreto continuarão a trabalhar sem remuneração.

ELEIÇÕES Na avaliação do economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, a crise política sem qualquer perspectiva de resolução é um indicativo do que podemos esperar nas próximas eleições americanas. “A temperatura só vai subir. O ambiente está muito hostil e ainda faltam quase dois anos para a eleição”.

Memes: os democratas Chuck Schumer (à esq.) e Nancy Pelosi criticaram Trump e foram comparados a pais brigando com seus filhos

A primeira reunião entre Trump, o líder democrata no Senado, Chuck Schumer, a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, terminou em desentendimento e com birrinha. Como de costume, o presidente correu ao Twitter e postou: “Eu perguntei o que vai acontecer em 30 dias se eu rapidamente abrir o governo, vocês vão aprovar uma Segurança de Fronteira que inclua um Muro ou Barreira de Aço? Nancy disse NÃO. Eu disse bye-bye, só isso serve!”

Foi também pelas redes sociais que Trump avisou que não iria participar do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, previsto para começar em 22 de janeiro, por causa do impasse. Integrantes de ambos os partidos temem que o presidente invoque poderes de emergência para contornar o Congresso e construir o muro usando fundos militares previamente autorizados. Na última semana, em nova tentativa de acordo, o presidente rejeitou a proposta de reabrir o governo por algumas semanas enquanto as negociações com os democratas continuariam. Via Twitter, ele segue acusando os democratas de não terem qualquer interesse na crise humanitária na fronteira. “Atualmente, existem 77 muros importantes ou significativos construídos em todo o mundo, com 45 países planejando ou construindo muros”, justificou.

CIDADE FANTASMA Com o fechamento, as ruas de Washington estão vazias. Em alguns bairros da capital, onde vivem cerca de 20% dos trabalhadores federais, os restaurantes não têm clientes, os táxis estão inativos e não há engarrafamentos. Boa parte das agências federais estão fechadas, as inspeções de alimentos pararam e a liberação de certos dados econômicos foi suspensa. Parques nacionais perdem cerca de US $ 400 mil por dia em taxas. Até mesmo o telescópio espacial Hubble foi afetado. Desde o dia 8, um dos principais equipamentos parou de funcionar e é improvável que os engenheiros consertem a peça durante a paralisação. Quase todos os funcionários da NASA foram dispensados.

Fechado: sem pagamento, funcionários fecharam os parques federais por todo o país

O sinal de alerta também está aceso na área de tecnologia. Especialistas em segurança cibernética acreditam que os EUA sob risco de ataque. Isso porque milhares de trabalhadores que monitoram os sistemas de defesa do país estão fora do trabalho, e há o risco de que os softwares não estejam sendo atualizados ou reparados regularmente.

A partir de fevereiro, as famílias mais pobres também podem ficar sem uma ajuda alimentar. O banco central americano, Federal Reserve, pediu aos bancos que sejam compreensivos e o departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano solicitou aos proprietários que não expulsem seus inquilinos menos favorecidos, que recebem subvenções do governo federal para pagar o aluguel.

Nos últimos 40 anos, foram 21 paralisações, mas o mercado contava com a rápida recuperação. Agora, há dúvidas sobre a capacidade do governo de se reorganizar rapidamente. Senadores republicanos que tentarão a reeleição ano que vem temem que a decisão de Trump possa atrapalhar seus planos. É aguardar para ver até quando o presidente fica em cima do muro.


Risco de impeachment ronda o congresso

A queda de braços travada com os democratas em torno da liberação de verbas é uma pequena amostra da briga que Donald Trump está disposto a comprar pelos próximos dois anos. Enquanto defende o muro via Twitter, os eleitores aguardam a definição em torno de um possível pedido de impeachment dele.

O presidente já disse não temer o afastamento do cargo, que teria como sustentação uma orientação dada por ele a seu ex-advogado pessoal Michael Cohen para que realizassem pagamentos a duas mulheres para que elas não falassem sobre seus supostos casos com o candidato antes da eleição presidencial de 2016. Segundo Trump, os pagamentos não violaram leis de financiamento de campanha.

Não é o que pensam os procuradores de Nova York. Segundo eles, os desembolsos são definidos como contribuições de campanha que podem influenciar uma eleição, devem ser declarados e limitados a US$ 2.700 por pessoa. Democratas disseram que a violação da lei de campanha é passível de impeachment, mas líderes partidários do Congresso questionaram se é um crime grave o suficiente para justificar o afastamento.

Em entrevista à CNN no domingo (9), o deputado por Nova York Jerry Nadler, principal democrata na Comissão de Justiça da Câmara, disse que o impeachment é um “trauma”. Segundo ele, se for provado que Trump instruiu seu ex-advogado, esta seria uma ofensa digna de impeachment. Não sabe, no entanto, “se elas são importantes o suficiente para justificar um impeachment”. Como se percebe, nem mesmo a oposição parece disposta a enfrentar esta batalha.