Os sistemas de criptomoedas, baseados na tecnologia de blockchain, abriram um inovador caminho para explorar uma economia descentralizada de instituições reguladoras. No entanto, o impacto ambiental gerado pela mineração de algumas criptomoedas, como o Bitcoin, é imenso.

Blockchains são sistemas tecnológicos desenvolvidos para o registro de transações e o rastreamento de ativos em rede. A tecnologia funciona como um banco de dados que armazena uma informação de maneira segura e aceita por todos que integram uma determinada rede, que pode ser pública ou privada e ter diversos tipos de funcionamento.

+ Conheça as 3 criptomoedas escolhidas por Elon Musk
+ Há certa preocupação com eventual impacto de volatilidade de criptoativos, diz diretora do BC

Assim, esses sistemas funcionam a partir de mecanismos de consenso: todos os usuários precisam ter uma visão única e aceitar as informações compartilhadas. Dessa maneira, o sistema evita conflitos na inserção de transações.

“Uma pessoa emite dois cheques com o mesmo saldo: o primeiro que entra tem o saldo, o segundo não. Uma pessoa maliciosa poderia mandar ambos na rede de blockchains: se não forem operações conflitantes não faria diferença, mas, para evitar conflito, é preciso de alguma forma ordenar os dados – o mecanismo de consenso. Ou seja, quem resolve o problema avisa a rede, e não é mais possível inserir a segunda informação conflitante”, explica Marcos Antônio Simplício Júnior, professor e pesquisador no Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (LARC-USP) da Escola Politécnica da USP.

A este processo de validação das informações em rede dá-se o nome de mineração, que consiste na solução de problemas matemáticos de difícil solução determinados pelos criadores das redes. Porém, a resolução dos enigmas é feita de maneira aleatória, por tentativa e erro, a partir do processamento de dados de computadores.

Quem insere um bloco na rede de blocos é recompensado com bitcoin, o que atrai diversos mineradores profissionais. No início deste ano, cada bloco integrado à rede gerava 6,25 bitcoins, o que resulta em 900 bitcoins diários – a renda de todos os mineradores em único dia podia chegar a R$ 243 milhões.

“Para ganhar o direito de inserir uma transação são colocados problemas matemáticos que exigem poder computacional muito grande. Quanto mais transações forem inseridas no blockchain, mais difícil será este problema. Estatisticamente, a probabilidade de ganhar é aleatória”, diz o professor do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Poli-USP, Bruno Albertini.

Na prática, qualquer pessoa pode realizar esse processo de mineração através de um aparelho celular. No entanto, a recompensa leva mineradores profissionais a investirem pesado em “fazendas” de computadores com super processadores que aumentam a velocidade de resolução dos problemas. Desta maneira, quem tem mais poder computacional e econômico tem mais probabilidade de solucionar os enigmas e ser remunerado.

A questão ambiental

Um novo bloco é inserido por um usuário na rede a cada 10 minutos, mas conta com muitas outras pessoas tentando resolver a mesma questão. Assim, há um desperdício imenso de energia utilizada em vão: computadores voltados à mineração de criptomoedas gastam muito mais energia que computadores comuns.

“Muita gente tenta a mesma resposta e testa a chave uma a uma. Todo mundo que não conseguir vai desperdiçar energia, já que boa parte das criptomoedas têm baixa taxa de transação e gastam bastante energia – o Bitcoin é particularmente ruim do ponto de vista energético”, aponta Simplício Júnior.

Segundo os pesquisadores da Universidade de Cambridge, esses processos computacionais consomem cerca de 121,36 terawatt-horas (TWh) por ano, o que equivale a 1 bilhão de quilowatts, o consumo energético anual da Argentina, com 40 milhões de habitantes.

O site Digiconomist explica que as emissões de carbono geradas em um ano apenas com o processamento total de Bitcoins é de 92,07 quilotoneladas de carbono, comparável à emissão de carbono anual do Chile. Já o consumo elétrico anual de Bitcoin é de 193,82 TWh, semelhante ao consumo energético anual da Tailândia.

Uma única transação de Bitcoin gera, somando o desperdício energético de mineradores sem sucesso: 910,96 kg de gás carbônico, equivalente a 151 mil horas de vídeos no YouTube; 1917 kWh, equivalente a 65 dias de energia elétrica de uma família americana média.

Os dados de poluição do Ethereun, por exemplo, são menores, mas ainda preocupantes. Em um ano, a rede desta criptomoeda gera 89,11 TWh, comparável ao consumo elétrico anual da Bélgica. Já a emissão anual de carbono é de 42,33 toneladas métricas, semelhante ao que emite anualmente a cidade de Hong Kong.

Se fosse um país, a rede de Bitcoin seria o 24º que mais consome energia no mundo.

A medição de poluição gerada pelas redes de criptomoedas considera especificidades geográficas. No sul da China, por exemplo, predomina o uso de carvão como matéria-prima energética, o que é mais poluente que os derivados de petróleo. Na tentativa (e com a desculpa) de reduzir as emissões de carbono, o governo chinês proibiu em abril deste ano a mineração de criptomoedas (o motivo real é tentar preservar o valor da moeda local, o yuan).

O governo do Irã informou em janeiro deste ano que a mineração de bitcoins e outros criptoativos contribuiu para apagões energéticos e para a formação de nuvens negras de poluição em Teerã.

Um artigo científico de pesquisadores noruegueses, publicado pela revista Nature, aponta que apenas as emissões relacionadas ao Bitcoin podem elevar o aquecimento global em 2ºC em menos de 30 anos.

O New York Times aponta que a mineração de Bitcoin utiliza 0,5% de todo a energia consumida na Terra. O jornal ainda indica que a prática representa sete vezes o consumo energético de todo o Google.

“Quem implementou o Bitcoin fez um experimento interessante de como descentralizar a economia, mas falhou. Os criadores assumiram a falha principalmente em relação à energia”, ressalta Simplício Júnior.

“Este tipo de criptomoeda (que resulta em grande impacto ambiental) tende a morrer: o algoritmo fica difícil, terão poucos mineradores no mundo capazes de resolver os problemas em tempo hábil, vai se tornar inviável. O Bitcoin gasta muita energia para sustentar uma rede de uma criptomoeda sem lastro. Quem minera bitcoin não pensa no meio ambiente, mas em taxa de retorno”, pontua Albertini.

Poluição e gasto energético

Os supercomputadores utilizados na mineração de criptomoedas têm um gasto enorme de energia. A poluição ambiental ocorre na geração energética para consumo dessas redes blockchain, em especial com a queima de combustíveis fósseis: petróleo, carvão e gás natural. Os combustíveis fósseis, que são grandes emissores de Gases de Efeito Estufa (GEE), predominam na matriz energética global, segundo levantamento da Faculdade Getúlio Vargas (FGV) Energia realizado em 2020:

– Petróleo: 33% da energia global em 2019;
– Carvão: 27% da energia global em 2019;
– Gás Natural: 24% da energia global em 2019;
– Hidrelétricas: 6% da energia global em 2019;
– Nuclear: 4% da energia global em 2019;
– Eólica: 2% da energia global em 2019.

“Os gases de efeito estufa têm um papel de dificultar a troca de calor entre o nosso planeta e o espaço sideral, funcionando como um ‘cobertor’ atmosférico ao redor da Terra. Assim, quanto mais liberamos esses gases na atmosfera, mais contribuímos para o aumento da temperatura média global, o chamado ‘aquecimento global’, que vem desencadeando uma série de mudanças climáticas ao redor do globo”, explica o professor de física do Instituto Federal de Santa Catarina Marcelo Schappo.

Há diversos gases que contribuem com o efeito estufa. De acordo com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Sabesp), o principal é o CO2, que responde a 60% do efeito estufa, seguido pelo CH4, que responde entre 15% e 20% do aquecimento terrestre. Ambos são provenientes da combustão de combustíveis fósseis – o CH4 é resultado do uso de gás natural. Embora existam outros tipos de GEE, como os CFCs e o O3, a queima de combustível fóssil na geração energética é o maior vilão do aquecimento global.

No Brasil, por exemplo, há grande uso de energia gerada por usinas hidrelétricas, considerada “limpa”, mas elas respondem a 29% da matriz energética brasileira em 2019, segundo a FGV, atrás das fontes de petróleo, com 38%.

“Muita gente acredita que energias ‘limpas’, de fontes renováveis, não geram qualquer impacto ambiental, o que é um mito. Não existe fonte de energia 100% limpa. Mesmo quando falamos em energia eólica ou solar, existe o processo de fabricação das hélices, geradores, placas solares, baterias: existem emissões de gases de efeito estufa escondidas ao longo do processo fabril. O mesmo vale para as hidrelétricas, que só se tornam eficientes com o alagamento e represamento da água. Toda fonte energética está associada a algum tipo de impacto ambiental”, argumenta Schappo.

Um estudo de outubro deste ano do portal britânico Carbon Brief, especializado em mudanças climáticas, aponta que o Brasil é responsável por 4,5% de todas as emissões de carbono entre 1850 e 2021: 2,5 trilhões de toneladas de CO2, sendo o quarto país do mundo que mais contribuiu com emissões de carbono na história.

A ONG Climate Watch, do World Resources Institute, divulgou que o setor de energia é o maior emissor de gases de efeito estufa, responsável por 73% das emissões mundiais. A geração de calor e eletricidade responde a 30% de emissões GEE.

Portanto, como predominam os combustíveis fósseis na matriz energética global, a energia elétrica utilizada à mineração de criptomoedas está sujeita à produção local e às emissões de GEE.

Novas perspectivas

A insustentabilidade do Bitcoin não significa que não possam existir outras criptomoedas com sistemas de blockchains diferentes. Novos ativos digitais baseados em lastros diversos (moedas fiduciárias e commodities, por exemplo), chamadas stablecoins, possuem menos volatilidade financeira que a maioria dos criptoativos.

Um exemplo da volatilidade das criptomoedas foi a queda, nesta semana, do valor do Bitcoin como consequência do pacote de infraestrutura de U$ 1 trilhão assinado pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que prevê a declaração de impostos sobre criptomoedas e a exigência das corretoras de revelar seus clientes. Com isso, segundo o jornal inglês Independent, o mercado geral de cripto caiu U$ 200 milhões e atingiu o valor de U$ 2,6 trilhões – o valor máximo histórico registrado foi de U$ 3 trilhões, no início deste mês.

Uma dessas iniciativas que exploram novas concepções de blockchains inclui o projeto Amazônia 4.0, um novo modelo de desenvolvimento que concilia o potencial tecnológico com o benefício das próprias comunidades locais. Financiada por diversas instituições, entre elas a WWF, a iniciativa promete uma revolução ambiental e bioeconômica na exploração da floresta com o conceito de “economia do conhecimento da natureza”, proposto pela geógrafa Bertha Becker.

Um exemplo de funcionamento da Amazônia 4.0 é a criação dos chamados Laboratórios Criativos da Amazônia, que disponibilizam tecnologia para uso da população local, como o projeto que prevê a distribuição de aparelhos de extração e análise de DNA (custam em torno de U$ 2 mil).

“Teremos que mudar para criptomoedas verdes do ponto de vista energético. Em vez de gastar dinheiro em uma expedição à Amazônia, os locais fazem a extração de DNA, entram no sistema de blockchains e inserem o dado. Quando alguém comprar esse DNA, eles serão remunerados. A pessoa vai receber não por consenso (como o Bitcoin), mas por contribuir com informações úteis e sem gastar poder computacional. É blockchain aplicado a ativos com valores intrínsecos, com valor comercial de verdade”, enfatiza Albertini, um dos pesquisadores da USP que desenvolvem o projeto.

“É fundamental ampliar o uso de blockchains para outras áreas, com inserções que beneficiem a comunidade local. Essas inovações têm a capacidade de empoderar grupos e populações sem precisar passar por mecanismos (de consenso) tradicionais. O Projeto Amazônia 4.0 prevê um uso para o bem dessas tecnologias”, finaliza Antônio Mauro Saraiva, professor do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Poli-USP e organizador da Reunião Anual 2021 de Saúde Planetária.