Nesta quarta-feira (8), o Bradesco pediu ao Tribunal de Justiça de São Paulo o acesso a e-mails de diretores da Americanas. A saga da empresa, que está em recuperação judicial, continua na medida em que os bancos tomam ações para reaver o dinheiro investido, assim como responsabilizar acionistas majoritários. Ações judiciais e discursos de fraude estão na lista dos bancos credores da varejista brasileira. 

+ + Bradesco pede ao TJ-SP acesso a e-mails de diretores da Americanas

Como um banco vira credor?

Ser credor de uma empresa quer dizer que a pessoa (física ou jurídica) tem direito a receber dinheiro desta empresa, pois emprestou dinheiro de alguma forma. “Por exemplo, para pessoa jurídica: o banco emprestou R$1 milhão para capital de giro; logo, ele se torna credor das Americanas”, exemplifica Rafael Zuanazzi, sócio e advogado da Russell Bedford Brasil.

“De forma geral, viraram credores pois emprestaram de alguma forma dinheiro para a Americanas. Este empréstimo pode ter vindo de várias maneiras: para capital de giro, para desenvolvimento de algum serviço, aquisição de debêntures (títulos representativos de dívida emitidos por empresas para captar recursos)”, esclarece Zuanazzi.

Segundo o advogado: o banco, quando empresta, faz um cálculo do endividamento da empresa para definir juros e emprestar o dinheiro. Os bancos alegam que foram enganados e, por isso, emprestaram dinheiro para a Americanas. 

“As negociações amigáveis foram interrompidas e a judicialização passou ser o principal canal de solução da crise. Diversos bancos, dentre eles BTG, BV, Santander e Bradesco, tentam obter da justiça que os seus direitos contratuais sejam respeitados, permitindo que o recebimento dos créditos seja conduzido fora de uma recuperação judicial”, comenta Ives Alexandre Nunes, professor de contabilidade e finanças do Ibmec BH.

Qual o valor devido?

De acordo com relatório de analistas, as provisões dos cinco maiores bancos de capital aberto podem chegar a R$8 bilhões, o que equivale a metade da exposição informada na lista de credores. “BTG Pactual, Santander e Bradesco são os mais afetados desse grupo, e suas receitas trimestrais podem cair entre 20% e 30%. Já Itaú e Banco do Brasil são menos afetados”, avalia Leonardo Roesler, sócio-fundador da RMS Advogados.

Somados nos mais diversos bancos, a Americanas deve mais de R$27 bilhões, segundo o próprio pedido de recuperação judicial da empresa, sendo o Deustch Bank o maior credor, com uma dívida de R$5,2 bilhões.

“Quem comprou a ação realmente fica no prejuízo. A recomendação de compra de uma ação não vincula ao resultado, e a pessoa que recomendou não pode ser processada pela recomendação ruim. No final das contas, todas as pessoas acabaram enganadas pela contabilidade da Americanas”, avalia Zuanazzi.

Uma possível exceção acontece com o Itaú Unibanco. O credor ficou no topo da Ibovespa nesta quarta-feira (8), após anunciar rentabilidade e aliviar o mercado, mesmo com R$1,3 bilhão devidos pela empresa de varejo.

“Quem tem ação da Americanas não é necessariamente credor, pois não emprestou dinheiro. Quem tem ação é dono: é possível ter ações e e ser credor ao mesmo tempo, mas um fator não vincula ao outro. Exemplo: posso ter 100 ações da Americanas (sou dono de uma fração da empresa) e tenho 1 debênture (sou credor da empresa). Os bancos, em regra, não recebem ações em garantia para o pagamento”, explica o advogado da Russell Bedford Brasil.

“Essa lista [de valores da recuperação judicial] ainda não é definitiva e esse valor pode ser alterado uma vez que muitos bancos ainda não se manifestaram por certamente não estarem preparados para um pedido de recuperação judicial da empresa americanas”, acrescenta Roesler.

Veja as ações dos bancos até o momento: 

BTG Pactual tentou barrar pedido de tutela

Em janeiro, poucos dias depois do anúncio do rombo de R$20 bilhões, a Americanas SA entrou com pedido de proteção cautelar na Justiça. A medida pretendia ‘segurar’ o prazo de pagamento de dívidas por 30 dias. A medida também garante que somente após esse prazo seja apresentado um pedido de recuperação judicial. 

Logo em seguida, o BTG Pactual (um dos credores, com R$3,5 bilhões a receber da varejista) entrou com pedido para impedir que a proteção ocorresse. 

Credores bancários tentaram impedir recuperação judicial 

O Banco Safra e o Santander tentam anular a recuperação judicial, aceita pela 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. O banco espanhol, por exemplo, fez o pedido ao Tribunal de Justiça de São Paulo solicitando também a responsabilização dos acionistas sobre o rombo. 

Banco também pediu bloqueio de R$1,2 bilhão 

A Justiça do Rio concedeu ao BTG Pactual o direito de bloquear R$1,2 bilhão das Americanas. A decisão do desembargador Flávio Marcelo Fernandes teve caráter liminar, e logo em seguida a varejista conseguiu o desbloqueio. 

‘Fraudador’, ‘leviana’, ‘irregular’. Foram vários os adjetivos já direcionados para a Americanas SA e seus maiores acionistas desde 11 de janeiro, dia do anúncio do rombo. Após garantirem a recuperação judicial para a holding, o trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira tem os nomes na mira de bancos. O BTG foi o que mais endureceu o discurso, chamando de “maior fraude corporativa que se tem notícia na história do país”. 

Fraude, diz presidente do Itaú

Para o presidente do Itaú Unibanco, Milton Maluhy Filho, o caso da Americanas foi resultado de fraude. 

“Foi uma fraude”, afirmou o executivo, sem citar nominalmente a empresa. O Itaú anunciou na noite de terça-feira lucro do quarto trimestre de 2022 abaixo das expectativas de analistas, afetado por uma provisão extra de R$1,3 bilhão para perdas esperadas com inadimplência, citando “evento subsequente”.

Bradesco mira fortuna de trio e quer e-mails

O banco já afirmou em entrevista que pretende buscar bens do trio Lemann, Telles e Sicupira para pagar as dívidas dos credores. A defesa do banco pediu ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que determine que a empresa de tecnologia apresente cópias das mensagens eletrônicas.

Santander também pediu apreensão de e-mails

O banco Santander, credor de R$3,65 bilhões com a varejista, pediu à Justiça que a busca e apreensão de e-mails institucionais de diretores e conselheiros das áreas de contabilidade e finanças da Americanas. A ação foi aceita, começou a acontecer, mas foi suspensa pelo juiz Paulo Rogério Santos Pinheiro, da 43ª Vara Cível de São Paulo. O trabalho feito até então nos computadores da Americanas ficará sob juízo. 

Briga na Justiça

“O Santander quer mudar o foro da discussão judicial alegando que a comarca do Rio de Janeiro não seria competente e sim a comarca de São Paulo”, pontuou Nunes. Vale lembrar que, em meio ao embate bancos versus Americanas, os tribunais do Rio de Janeiro e de São Paulo discordam das decisões.

A Justiça do Rio de Janeiro, foro em que está a sede da Americanas, se recusou a cumprir um mandado de busca e apreensão expedido pelo TJSP. “Nessa senda, muito embora a sede estatutária da Americanas, como sabido, fique na capital do Estado do Rio de Janeiro, (..), é fato sabido que os e-mails institucionais da companhia ficam armazenados também nos servidores de nuvem cuja manutenção, em tese, cumpre à Microsoft do Brasil”, relata a decisão.