O suposto vazamento de documentos secretos do governo dos Estados Unidos que tem chamado a atenção dos meios de comunicação nas últimas semanas representa um risco “muito grave” para a segurança nacional dos Estados Unidos, informou o Pentágono nesta última segunda-feira (10). O vazamento envolve o que parecem ser documentos confidenciais da inteligência americana, sendo alguns deles relacionados à guerra na Ucrânia, mas há material envolvendo outros países como Israel e até Brasil.

Há semanas imagens de prováveis documentos secretos têm sido veiculadas em plataformas online e redes sociais ligadas à comunidade de jogos, como o Discord (comunidade de jogadores de games). Os materiais também apareceram no Twitter e Telegram e mostram espionagem americana de seus aliados e que os EUA podem ter influenciando tomadas de decisões dentro da Rússia.

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Os documentos são autênticos?

O Pentágono desconhece quando o vazamento começou e os responsáveis. Provavelmente muitos documentos circularam por semanas na internet antes de chamar a atenção da mídia. No entanto, o Departamento de Defesa reconhece que muitos documentos parecem conter material confidencial e sensível e não parecem ser falsificados, assemelhando-se em formato aos do serviço de inteligência dos EUA (CIA), afirmaram funcionários do governo ao jornal Washington Post.

Entretanto, alguns documentos parecem ter sido alterados para reduzir o número de mortos entre os russos na guerra da Ucrânia e aumentar as baixa entre os ucranianos.

Guerra da Ucrânia

De acordo com o jornal The New York Times, os serviços de inteligência americanos poderiam ser informados antecipadamente sobre os alvos dos bombardeios russos informação muito valiosa para a Ucrânia. Porém, os documentos também mostram que os americanos espionam o Estado-maior e líderes ucranianos. Alguns documentos parecem ter sido alterados para sugerir que a Ucrânia sofreu maiores perdas do que a Rússia, quando o suposto original dizia o contrário.

Embora tenham sido produzidos há algumas semanas, os documentos podem servir como fontes de informações valiosas a Moscou, já que revelam o tipo e a quantidade de armas ocidentais que chegaram ao combate na Ucrânia, o número de soldados que poderiam usá-las e como a Ucrânia planeja se defender dos ataques russos. O vazamento também mostra a infiltração dos serviços secretos dos EUA nos aparelhos de segurança da Rússia, o que dá a Moscou sinais sobre onde estão suas vulnerabilidades. 

Impactos do vazamento

Além dos documentos relativos à Rússia e ao conflito na Ucrânia, outros documentos tratam da situação em Israel. A CIA teria recolhido informações sobre o apoio dado pelo serviço secreto israelense (Mossad) aos opositores da reforma da Justiça proposta pelo governo de Benjamin Netanyahu, que tem causado uma onda de protestos no país.

A disseminação dessas informações na internet terá uma série de consequências. “A primeira coisa que devemos levar em conta é que os vazamentos trazem uma dimensão importante dos conflitos atuais do ponto de vista do papel da tecnologia. Não havia um papel tão importante das redes sociais disseminando material sigiloso obtido por determinados players de um conflito. Isso se torna mais um flanco nas batalhas”, afirma Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper.

Os acontecimentos deverão trazer desconfiança de aliados americanos com Washington, reduzindo o compartilhamento de informações sigilosas, e provavelmente os informantes utilizadas pelos serviços secretos americanos, especialmente na Rússia, estão correndo perigo.

“É uma guerra de informação e desinformação, porque há indícios importantes de que esses dados foram obtidos e alterados, sobrevalorizando baixas ucranianas e reduzindo baixas russas, portanto há uma desconfiança grande sobre a origem e veracidade dessas informações. Elas se tornam uma peça de propaganda importante para determinados envolvidos no conflito, servindo para causar animosidade entre aliados e comover ou demover a opinião pública dos países sobre determinados opiniões que elas construíram”, analisa Consentino.

Plano de paz brasileiro e Rússia

Os supostos documentos mostraram que o governo do russo considerou a proposta brasileira para criar um grupo de negociação para a guerra na Ucrânia como forma de reduzir a pressão do Ocidente contra o Kremlin. Segundo o material divulgado, a Rússia faria uso da proposta de Lula a seu favor porque acreditava que o plano “para criar um clube de mediadores supostamente neutros para lidar com a guerra na Ucrânia rejeitaria o paradigma do Ocidente de agressor-vítima”. A informação foi revelada pelo Miami Herald.

Os documentos americanos vazados também revelavam que o governo brasileiro planejava enviar para Moscou uma delegação de alto escalão na primeira quinzena de abril. No começo de abril, o assessor especial de Lula para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, viajou para Moscou e manteve uma reunião com Putin.

Influência nas eleições americanas

Em 2024 ocorrerão as eleições presidenciais americanas, que sofrerão influência desse vazamento de dados secretos, afirma o professor do Insper. “Todo o desenrolar desses acontecimentos terá impactos significativos nas eleições internas dos países envolvidos, sobretudo nos EUA, que se envolveu fortemente na guerra. Isso pode ter um resultado positivo na medida em que a Ucrânia acumula vitórias e se Biden for hábil em ‘vender’ o conflito como um combate necessário do Ocidente contra forças autocráticas representadas pela Rússia”, diz Consentino.

Por outro lado, o vazamento pode ser um ‘calcanhar de Aquiles’ para Biden e os Democratas. “Nesse momento, especialmente do ponto de vista econômico, os americanos podem pensar que seu presidente está se preocupando mais com um conflito externo do que com a situação interna da economia americana. Portanto, impacto nas eleições existirá, mas como ele será dependerá muito de como os fatos serão usados perante a opinião pública”.