Quem ouvia os empresários no começo do ano e os ouve agora se surpreende. Na virada de 2021 para 2022 havia dois discursos comuns nas rodas de negócio com os donos do dinheiro quando o assunto era eleição: o desejo de que surgisse uma terceira via forte (liberal, é claro) ou então o crescimento do País e uma recondução ao cargo de Jair Bolsonaro. Em seis meses, porém, nada disso se concretizou. O nome que lidera as pesquisas eleitorais é o do ex-presidente Lula. Diante deste cenário, o diálogo precisou ser reaberto.

O primeiro passo veio do petista que se disse disposto a conversar. Nas últimas semanas Lula fez cinco encontros com banqueiros, varejistas e prestadores de serviços. Da Faria Lima à pequena indústria, o ex-presidente fez o que faz de melhor: negocia, atrai e agrega.

A mais recente empreitada se deu na sede de uma inimiga histórica do petismo, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Seu ex-presidente, Paulo Skaf, crítico contumaz do petismo, inflou um pato gigante na porta da sede da Fiesp para critcar os impostos (e o governo).

O cenário mudou, porém, e está menos inóspito para Lula. Hoje, quem comanda a federação é Josué Gomes, dono da Coteminas e filho de José de Alencar, vice-presidente de Lula entre 2003 e 2009. Circulando bem na política e no meio empresarial, Gomes é uma peça-chave nesse quebra-cabeça que Lula tenta montar junto ao empresariado. A reportagem da DINHEIRO teve acesso a áudios com trechos da conversa entre os empresários e a cúpula da chapa Lula na Fiesp.

Do lado dos empresários, Gomes falou sobre o uso dos bancos públicos na reindustrialização do País. O argumento é que o BNDES precisa voltar a ocupar o seu lugar de destaque no fomento da indústria brasileira, como o Banco do Brasil faz com o agronegócio e a Caixa com o mercado imobiliário. Esse assunto já vem sendo discutido pelo PT e aparece como destaque no plano de governo apresentado em 21 de junho. Outro nome conhecido de Lula é o do presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco. Em linha com o que deseja o setor bancário como um todo, ele defendeu uma nova regulamentação do segmento para alavancar a concessão de crédito para as empresas.

CADÊ? Durante o governo Dilma a Fiesp inflou um pato na Paulista. (Crédito: Suamy Beydoun)

Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, usou seu espaço de fala para reforçar a necessidade de fortalecer as políticas de combate à vulnerabilidade social. A busca por autonomia em produtos como fertilizantes e defensivos agrícolas também foi defendida, assim como o fortalecimento da agenda climática. Estavam no encontro Carlos Alberto da Veiga Sicupira (Ambev), e Fábio Coelho (Google Brasil), e 50 outros empresários.

POLÊMICAS E se tudo parece engrenado quando o tema é crédito, política externa e transferência de renda, há ainda alguns pontos nebulosos entre o PT e os empresários. O teto de gastos e a reforma trabalhista são exemplos. O partido sinaliza interesse de revisar a reforma trabalhista e sugere a criação de outras âncoras fiscais que substituam o teto de gastos implementado em 2016 pelo então presidente Michel Temer. Sobre a questão fiscal, Lula reforçou durante o almoço que haveria total comprometimento com as contas públicas, mas que a régua do teto é inviável. “Bolsonaro mesmo já percebeu [que o teto era insustentável no médio prazo], e agora está derrubando na marretada”, disse o ex-presidente. O plano da chapa, segundo Alckmin, é construir um balizador mais duradouro e com métricas que permitam que o governo faça investimentos que levem ao crescimento do PIB.

Apesar não haver na mesa um plano claro sobre a melhor forma de conduzir essa nova métrica de controle, Lula reforçou que o diálogo segue aberto na busca de soluções. O mesmo argumento foi usado para o desenvolvimento de uma reforma tributária. Para o ex-presidente, a condução de um texto justo e que melhore o sistema precisa nascer de uma conversa ampla. Na reforma trabalhista, o plano do PT é revisar alguns nervos centrais do trabalhador que foram atingidos com as novas regras. Uma delas envolve os processos judiciais que, segundo o entendimento do PT, prejudicam diretamente o trabalhador que busca seus direitos na Justiça. O coordenador da campanha de Lula, o ex-ministro Aloizio Mercadante, reforçou que todos esses assuntos ainda serão desenvolvidos e que há espaço para diálogo com o empresariado. Na semana anterior, Lula se encontrou com empresários do ramo da saúde suplementar, e também já se aproximou de construtoras e empreiteiras, além dos grupos de tecnologia. Mais abertos do que se esperava no início do ano, a tirar pelo sorriso dos empresários que deixaram a Fiesp na quarta-feira, o ranço deles com Lula parece cair na mesma velocidade que recua a popularidade de Bolsonaro com os donos do dinheiro.