Mexer no vespeiro que se tornou a gigante estatal de energia Eletrobras nunca foi tarefa fácil, e em ano de eleição presidencial isso se torna ainda mais arriscado. Pelo menos assim parecia. O ministro da Economia, Paulo Guedes, segue obstinado na capitalização da companhia. Se bem-sucedida, será o grande trunfo de sua gestão e servirá para amenizar a pecha de “liberal de Taubaté” – como ficou conhecido em Brasília. E foi nesse mesmo Planalto Central que o ministro comemorou com assessores a aprovação, pelo Tribunal de Contas da União (TCU), da desestatização da Eletrobras. O momento não poderia ser mais propício, já que agora Guedes terá o apoio do novo ministro de Minas e Energia (e seu aliado) Adolfo Sachsida.

A aprovação do texto no TCU demorou a sair e sofreu pressões e críticas dentro e fora da cena política. Do lado dos consumidores havia reclamações de falta de estudos de impactos financeiros na conta de luz com a desestatização. Entre os políticos, sempre houve um fortíssimo lobby contrário à mudança da gestão da companhia, muito porque a Eletrobras é uma espécie de grande árvore cheia de galhos capazes de alocar aliados, amigos e parceiros políticos de quem está no poder.

Com oferta de R$ 30 bilhões, Eletrobras dá ânimo à Bolsa

Mesmo assim (e depois de um pedido de vista de dois meses do ministro Vital do Rêgo, que era o revisor do processo) o tema voltou ao plenário nesta semana e o resultado foi 7×1 pela aprovação. O único voto contra foi de Rêgo.  A Corte de contas já havia aprovado, em fevereiro deste ano, a modelagem financeira da desestatização e, agora, validou a forma como a empresa será repassada para controle acionário privado, nos moldes propostos pelo governo federal. O ministro-relator do texto, Aroldo Cedraz, classificou a sessão como “histórica” pela complexidade do tema.

Com esse aval, o governo dá sequência no plano inicial de reduzir a participação na Eletrobras dos atuais 72,2% para algo entre 45% e  49,9%. Para isso seria necessário emitir até 577 milhões de ações ordinárias. Com o papel da companhia valendo R$ 44,08 no dia 18 de maio, se a capitalização fosse hoje, o governo obteria até de R$ 25,4 bilhões só com ações ordinárias. O texto ainda contempla a entrada de trabalhadores na nova e ampliada composição societária da Eletrobras. A ideia é que todos aqueles com uma conta do FGTS possam aplicar até 50% do valor em ações da companhia. 

Além da compra das ações, a desestatização envolve o pagamento, por meio da empresa vencedora da licitação, o pagamento de outorgas e acordos comerciais, além da quitação e/ou sustentação de fundos garantidores de energia. Com todos esses recursos, o Ministério da Economia espera uma arrecadação na casa dos R$ 70 bilhões.

E apesar de Guedes estar sentindo mais perto o cheiro da vitória, ainda há um longo caminho para percorrer (tudo isso lutando contra o tempo, se quiser garantir avanços ainda nessa gestão). O principal entrave será a judicialização. A oposição já prepara (e de quebra até alguns partidos aliados ao governo) ações para tentar atrasar o processo, e o objetivo é jogar essa dor de cabeça para o próximo governo (estando Guedes nele, ou não).

Grande parte dessas ações judiciais vai  envolver as fragilidades apontadas por Rêgo em seu voto contrário à capitalização, em especial as que tangem a falta de estudos de viabilidade e impacto financeiro para Estados e municípios. Outro problema é a ausência de metas relevantes, como a contratação de usinas a gás e mudanças para matrizes ainda mais limpas, como solar ou eólica, que são consideradas o futuro da geração mundial. O consultor político do PT, Érico Domingos, afirma que a proximidade com o período eleitoral joga água no chope de Guedes. “Todo projeto grandioso que chegar em agosto sem avanço será muito possivelmente travado. O Legislativo não vai querer contaminar o período eleitoral com temas espinhosos”, disse.

Os jabutis

Ulysses Guimarães dizia em Brasília uma frase que virou histórica. “Jabuti não sobe em árvore. Se está lá foi enchente, ou mão de gente”. E se tem uma coisa sobrando no projeto de capitalização desenhado pelo governo e ampliado na Câmara dos Deputados, são os jabutis. O pai de todos eles (pelo tamanho do incômodo e incoerência) é a obrigatoriedade de contratação de 8 mil megawatts (MW) de energia gerada por usinas termelétricas a gás que devem ser instaladas nas regiões Centro-Oeste e Norte. Você até pode pensar que é um volume baixo, e é. O problema é que essas usinas não existem. Não há infraestrutura também de transmissão da energia, o que exigiria um investimento faraônico na construção de gasodutos. Esse jabuti foi colocado no Legislativo como forma de equilibrar a perda de cargos na estatal, incentivando a liberação de recursos (públicos, inclusive) para financiar essas obras. Tudo isso, obviamente, terá um preço e essa conta chegará ao consumidor. A questão é quando (e no governo de quem).